A Polícia Federal (PF) aponta indícios de corrupção passiva e lavagem de dinheiro em pedidos de doação de campanha em 2014 feitos pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, e Romero Jucá (PMDB-RR), segundo vice-presidente da Casa.
Doações de R$ 3 milhões solicitadas aos filhos dos senadores podem se configurar propina, de um pacote de R$ 30 milhões acertado entre o senador Edison Lobão (PMDB-MA), ex-ministro de Minas e Energia, e o dono da construtora UTC, Ricardo Pessoa, conforme a suspeita da PF em relatório ao qual O Globo teve acesso.
A PF sustenta que a propina teria sido acertada a partir de contrato obtido pela UTC nas obras da usina nuclear Angra 3, em Angra dos Reis (RJ). A suspeita da PF é que os “elementos amealhados” no caso da Petrobras, com propina travestida de doação oficial de campanha, “autorizam a suspeitar que a mesma sistemática tenha sido utilizada no âmbito da Eletronuclear”.
Diante desses indícios, o delegado da PF Thiago Machado Delabary encaminhou ofício ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki pedindo a ampliação de inquérito que já investiga Lobão, com a inclusão de Renan e Jucá no rol de investigados. Teori é o relator dos processos da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), inclusive desse inquérito. O procedimento teve tramitação oculta no tribunal e todos os documentos eram mantidos sob sigilo.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, considerou “essencial a extensão das investigações do inquérito para alcançar o recebimento de vantagens indevidas por membros do Congresso Nacional vinculados ao PMDB como decorrência da contratação de consórcio para obras em Angra 3, particularmente os senadores Renan Calheiros e Romero Jucá”. Em 8 de setembro de 2015, Teori determinou a ampliação das investigações e a inclusão de Renan e Jucá no rol de investigados.
O pedido da PF ao STF apontou ainda a necessidade de investigar as doações feitas pela UTC à campanha de Renan Filho (PMDB), o filho do presidente do Senado eleito governador de Alagoas em 2014, e de Rodrigo Jucá (PMDB), filho de Romero Jucá derrotado nas últimas eleições em Roraima – ele foi candidato a vice-governador na chapa de Chico Rodrigues (PSB). Na decisão de Teori, a ampliação do escopo do inquérito não incluiu os filhos dos senadores.
Registros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que a direção do PMDB em Alagoas recebeu doações de R$ 1 milhão da UTC. Já a direção do partido em Roraima foi financiada em R$ 1,5 milhão pela empreiteira.
O inquérito autorizado pelo STF já investigava um suposto pedido de propina de Lobão no valor de R$ 30 milhões, dinheiro que deveria ser destinado a campanhas eleitorais do PMDB em 2014. Desse total, R$ 1 milhão teria sido entregue em espécie a André Serwy, filho de um ex-sócio de Lobão, conforme delação premiada de Ricardo Pessoa. O delator afirmou que o acerto foi feito pessoalmente com Lobão e que seria uma contrapartida a contrato obtido pelo consórcio UNA 3 – integrado por UTC, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Odebrecht – para executar montagem eletromecânica de Angra 3, no valor de R$ 1,75 bilhão.
Renan e Jucá procuraram Pessoa depois desse suposto acerto e pediram doações aos filhos, de R$ 1,5 milhão cada, em jantares em hotéis de luxo em São Paulo. Ao fim da conversa, Renan teria citado o contrato da UTC em Angra 3. A PF suspeita que os pedidos foram “em razão da contratação do consórcio” para obras da usina nuclear.
“Contribuições financeiras solicitadas a Ricardo Pessoa pelos senadores da República Renan Calheiros e Romero Jucá para as campanhas políticas de seus respectivos filhos, em 2014, poderiam configurar, em tese, os delitos de corrupção e lavagem de dinheiro”, cita o pedido da PF encaminhado ao STF. “Há indicativos de que tais contribuições tratam-se, em verdade, de vantagens indevidas solicitadas por integrantes da alta cúpula de partidos políticos em razão do mero fechamento de contrato com diretoria cujo cargo é ocupado por pessoa supostamente indicada pelo referido partido. Tanto é que Ricardo Pessoa afirmou que faria o desconto dos valores disponibilizados aos filhos dos senadores do montante que havia se comprometido de pagar a título de propina (R$ 30 milhões)”.
Ainda conforme a PF, a Lava-Jato já demonstrou ser “lugar-comum” o pagamento de contribuições a campanhas eleitorais em função de contratos de empreiteiras com a Petrobras. Cinco elementos foram listados no ofício do delegado Delabary para justificar a inclusão de Renan e Jucá no rol de investigados, juntos com Lobão. Um deles é o fato de o então presidente da Eletronuclear, Othon Luis Pinheiro, ter sido indicado ao cargo pelo PMDB. Othon foi preso numa das fases da Lava-Jato e é réu na Justiça Federal em Curitiba por conta de suposto recebimento de propina de empreiteiras contratadas em Angra 3.
O ofício ao STF cita trecho do depoimento de Pessoa em que ele disse ter ouvido de Othon: “Vocês estão muito bem qualificados, vão ganhar, então vocês vão precisar contribuir para o PMDB”. Um terceiro elemento, conforme a PF, foi a orientação do então presidente da Eletronuclear para que o empreiteiro procurasse Lobão, “que teria pressa em agilizar a contratação antes das eleições de 2014”.
O dono da UTC afirmou que foi nesse encontro que acertaram os R$ 30 milhões. Pessoa disse ter entendido que “qualquer contribuição oficial para as campanhas políticas nas eleições de 2014, em relação ao Senado, destinadas ao PMDB, seriam uma contrapartida pelo contrato de Angra 3”.
“Há fundados indícios de que é indevida a solicitação e o recebimento de uma vantagem econômica decorrente da mera formalização de um contrato com órgão público. Também há fundados indícios de que tais pagamentos só foram solicitados em razão da função pública exercida pelos mesmos, de senadores da República, inclusive pertencentes à alta cúpula de um partido político que indicou o presidente da Eletronuclear”, escreveu a PF no ofício ao STF. Os mesmos fatos imputados a Lobão podem implicar Renan e Jucá, conforme o delegado, “ainda que praticados em momentos distintos”.
A partir da autorização do STF de ampliação do inquérito, a PF vem executando uma série de diligências relacionadas aos dois senadores. Jucá prestou depoimento à polícia em 11 de novembro, na condição de investigado. No mesmo dia também compareceu à PF Rodrigo Jucá.
O senador afirmou não ter mantido relações pessoais com Pessoa e disse ter estado uma única vez com o empreiteiro, no Hotel Fasano em São Paulo. Foi em 21 de agosto de 2014, quando pediu doação ao PMDB de Roraima. O parlamentar “credita essa doação ao respeito e importância de política (sic), pelo trabalho que desempenha como senador, sendo esse o modelo atual de doações”, registra o depoimento. Jucá negou ter feito menção a Angra 3 quando conversou com Pessoa.
O filho do senador atribuiu ao pai, “presidente do partido em Roraima”, a captação de doações para campanhas eleitorais. Ele disse não saber quem foi o principal doador de sua campanha a vice-governador e afirmou que não conhece “pessoalmente” o dono da UTC.
A PF também já fez a identificação de três assessores de Renan, apontados como responsáveis pela marcação de jantares do senador com o empreiteiro e também por acertos de doações de campanha. São eles: Everaldo França Ferro, assessor legislativo no gabinete do senador; Marcus Antônio Amorim dos Santos, ajudante parlamentar intermediário do gabinete; e Bruno Mendes, ex-assessor de Renan. A PF apontou em relatório produzido sobre os assessores que Bruno é sócio de um escritório de advocacia e de uma empresa de consultoria. Também relatou indiciamentos em inquéritos policiais, sem detalhar sobre o que se trata.
A polícia expediu ofício ao Hotel Unique, em São Paulo, para saber se Pessoa, Renan e Jucá se hospedaram no hotel. O dono da UTC delatou que costumava jantar com Renan nos hotéis Unique e Emiliano e que “normalmente pagava a conta dos jantares”. O Unique informou à PF que Pessoa não se hospedou no hotel entre 2011 e 2014. Renan ficou hospedado entre 13 e 18 de abril de 2011. Jucá, entre 6 e 8 de abril de 2011.
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