Mistura
Veja alguns pontos do decreto que causaram polêmica:
1) Restrição a símbolos religiosos em locais públicos
A proposta: criar mecanismos para impedir a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União. Recomenda, ainda, o respeito ao princípio do Estado laico pelos três poderes, assim como em órgãos estaduais e municipais.
A reação: a CNBB classificou a proposta de "intolerante".
2) Casamento entre pessoas de mesmo sexo
A proposta: apoiar a regulamentação de parceria civil registrada entre pessoas de mesmo sexo.
A reação: a CNBB declarou se posicionar em defesa da família, contrária ao casamento entre pessoas de mesmo sexo e ao direito de adoção de crianças por casais homoafetivos.
3) Descriminalização do aborto
A proposta: apoiar a aprovação do projeto de lei que descriminaliza o aborto.
A reação: a CNBB se posicionou de forma contrária, declarando ser em favor do direito à vida. Chegou a distribuir panfletos em que denominou o presidente Lula de "novo Herodes". O governo federal afirmou que iria mudar o texto, mas até agora não o fez.
4) Audiência pública antes de concessão de liminar de reintegração de posse.
A proposta: apoiar a aprovação de lei que torne obrigatória a realização de audiência pública antes da concessão de liminar de reintegração de posse, assim como apoiar a aprovação de lei que condicione a concessão de liminar à comprovação da função social da propriedade.
A reação: ruralistas condenaram o texto, afirmando que a medida pode reduzir o investimento no campo. O ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, disse que a alteração é incompatível com a Constituição. Já o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, afirmou que a medida traria insegurança jurídica no campo.
5) Anistia
A proposta: prevê a investigação dos crimes cometidos por agentes do Estado durante a ditadura. Além disso, o texto abre espaço para a revisão da Lei de Anistia, o que pode levar à condenação de oficiais daquela época.
A reação: os militares ficaram irritados com o trecho do programa. O presidente resolveu manter o decreto anterior, mas assinou um novo documento, que cria um grupo de trabalho com o objetivo de elaborar um anteprojeto de lei para instituição da Comissão da Verdade, que "examinará a violação dos direitos humanos" durante a ditadura militar. O novo decreto assinado dá ainda mais força à expressão "reconciliação nacional", que não estava no texto original.
6) Controle da mídia
A proposta: estabelece o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão como condição para sua outorga e renovação, prevendo penalidades administrativas como advertência, multa, suspensão da programação e cassação, de acordo com a gravidade das violações praticadas. Elaboram critérios de acompanhamento editorial a fim de criar um ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com princípios de Direitos humanos.
A reação: as entidades patronais criticaram as propostas, por considerar que ferem a liberdade de imprensa.
O apoio a iniciativas que estabeleçam o financiamento público de campanha eleitoral é mais um dos pontos controversos que faz parte do texto do Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH-3). Porém, apesar de não haver consenso sobre o tema, o financiamento público de campanha ficou em segundo plano nos debates em relação ao programa e não provocou a mesma polêmica de propostas como a proibição de ostentação de símbolos religiosos em locais públicos, o controle social da mídia e a investigação de crimes cometidos pelo Estado nos tempos da ditadura (ver quadro).O financiamento público de campanha consta no item do PNDH-3 que pretende garantir a participação igualitária na vida política. Nesse item, além do financiamento público, há uma série de propostas que pretendem dar condições de igualdade em disputas eleitorais como o apoio a ações contra a compra de voto e para a inclusão de minorias na arena pública brasileira, por meio da promoção da educação e da capacitação sobre o sistema político brasileiro.Segundo Pedro Pontual, assessor do Secretário Especial dos Direitos Humanos, ministro Paulo Vannuchi, os objetivos previstos nessa parte do programa pretendem construir um ambiente que possibilite a todos os brasileiros participar do processo político. "A lógica é de inclusão", afirma.
O PNDH-3, entretanto, não esclarece em que contexto deve-se apoiar projetos de lei que tratem de financiamento público de campanha. O programa apenas indica uma intenção de governo.
Divergências
O financiamento público de campanha eleitoral no país não é unanimidade entre especialistas no assunto. O advogado Everson Tobaruela, especialista em Direito Eleitoral e Partidário e conselheiro da OAB-SP, é categórico em afirmar que em hipótese alguma o financiamento público melhora o sistema eleitoral. "Financiamento público no Brasil só serve para tomar o dinheiro do cidadão."
Na avaliação de Tobaruela, os partidos políticos não têm estrutura interna para fazer a redistribuição dos recursos aos candidatos, de modo que a iniciativa só fortaleceria os líderes partidários, em detrimento da democracia interna das legendas. "O caminho da reforma política passa muito longe do financiamento público. Está relacionado à construção da democracia partidária", argumenta.
Já Francisco Witaker, membro do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, afirma que a maioria dos integrantes da entidade defende o financiamento público de campanha. "Há aqueles que acham que poderia ser um sistema misto, com doações de pessoas físicas. Mas a tendência é achar que o financiamento tem de ser público", revela. Segundo ele, essa é uma forma de evitar o relacionamento promíscuo entre empresas privadas e candidatos. Isso porque, hoje, os principais doadores de campanha são empresas com interesses em ser futuros fornecedores de bens ou serviços aos governos.
Embora considere que o tema não deveria ser tratado no PNDH-3, o professor de Ciência Política Fabrício Tomio, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), acredita que no Brasil seria mais correto que fosse permitido apenas a contribuição de pessoas físicas a candidatos eleitorais. "Em quase todos os lugares do mundo se proíbe contribuições de empresas." Para ele, o PNDH-3 é muito amplo, fazendo com que se perca o foco em implementar políticas de direitos humanos no país.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, afirma que é favorável ao financiamento público, mas dentro de um contexto de reforma política no país. "Nós vamos ter mais transparência no processo eleitoral. Será possível também incentivar a participação de pessoas que hoje não estão na vida pública."
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