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Markun defende a divulgação transparente de dados públicos | Ernesto Rodrigues/ Gazeta do Povo
Markun defende a divulgação transparente de dados públicos| Foto: Ernesto Rodrigues/ Gazeta do Povo

8 princípios

Para um conjunto de dados ser considerado aberto, é preciso que ele seja:

1 - Completo: Todos os dados públicos estão disponíveis. Dado público é o dado que não está sujeito a limitações válidas de privacidade, segurança ou controle de acesso.

2 - Primário: Os dados são apresentados tais como os coletados na fonte, com o maior nível de granularidade e sem agregação ou modificação.

3 - Atual: Os dados são publicados tão rapidamente quanto for necessária a preservação do seu valor.

4 - Acessível: Os dados se tornam públicos para o maior alcance possível de usuários e para o maior conjunto possível de finalidades.

5 - Compreensível por máquinas: Os dados são razoavelmente estruturados de modo a possibilidar processamento automatizado.

6 - Não discriminatório: Os dados são disponíveis para todos, sem exigência de requerimento ou cadastro.

7 - Não proprietário: Os dados são disponíveis em formato sobre o qual nenhuma entidade detenha controle exclusivo.

8 - Livre de licenças: Os dados não estão sujeitos a nenhuma restrição de direito autoral, patente, propriedade intelectual ou segredo industrial. Restrições sensatas relacionadas à privacidade, segurança e privilégios de acesso devem ser permitidas.

Fonte: Dataprev

Órgãos governamentais brasileiros publicam seus dados na internet para "inglês ver". A afirmação é do web ativista Pedro Markun, 25 anos, líder da comunidade Trans­­pa­­rência Hacker, que transformou a divulgação de dados públicos numa bandeira. O grupo reúne mais de 500 pessoas de todo o Brasil em prol da livre circulação de informações públicas – "cidadãos curiosos", como define Mar­­kun. Entre os principais feitos do movimento está a clonagem do Blog do Planalto. A versão é idêntica ao site do governo, com uma única diferença: o internauta é livre para comentar o conteúdo.

Na semana passada, Markun foi um dos palestrantes do 4.º Con­­­gresso Internacional de Software Livre e Governo Eletrô­­nico (Con­­segi), em Brasília. A democracia na era digital, potencializada pelos chamados dados abertos – informações governamentais de acesso fácil para todos os cidadãos – foi o tema prin­­cipal das discussões.

Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, Markun criticou a publicação de dados públicos na internet no Brasil, mas previu um futuro promissor, com mais transparência e democracia.

Como está a questão dos dados abertos no Brasil hoje? Dá para dizer que avançamos o suficiente nesse ponto?

Acho que não avançamos o suficiente. Hoje o Brasil vai muito bem na questão de governo eletrônico, na prestação de serviços on-line, e disponibiliza muita informação nos sítios e páginas da web. No entanto, isso é diferente do que chamamos de oferecer dados abertos – ou seja, dados que não são feitos apenas para serem vistos pelas pessoas, mas para serem consumidos, reinterpretados e reutilizados pelos cidadãos. No entanto, a gente começou a melhorar nesse último ano. Participei do evento do governo em Brasília (o Consegi) no qual o tema foi dados abertos, o que mostra uma intenção muito legal.

E o que são, exatamente, esses dados abertos?

São dados disponíveis em formato legível por máquina, como a gente diz, para que programadores de todo o país possam produzir aplicativos para Facebook, Twitter, e-mail, para criar gráficos, enfim, dar mais sentidos e possibilidades de utilização.

Qual a diferença entre os dados abertos e o que está disponível na internet hoje?

O formato no qual está publicada a maior parte dos dados governamentais na internet foi feito para inglês ver, só para atender à de­­manda de publicação. Por exemplo: se você quer saber quanto ganha um determinado cargo de funcionário, tem que baixar um arquivo PDF, ler, procurar o cargo e ver a coluninha de quanto ganha. Mas se você quiser fazer um comparativo entre diferentes cargos, ou descobrir quantas pessoas existem naquele cargo, como você faz? Você não faz essa comparação, a não ser que abra o PDF, abra o Excel e comece a anotar. Ou seja, você tem que fazer uma contagem manual e isso é insano de fazer. A principal diferença é que os dados abertos permitem que as pessoas recombinem esses dados, combinem diferentes estatísticas com uma facilidade muito maior. Você não precisa colocar 50 estagiários para ler uma pilha de mil documentos.

Que tipos de possibilidades esses dados abrem para a sociedade?

Um exemplo: eu fiz um trabalho recentemente analisando 37 mil discursos entre 1966 e 1968 para saber as principais palavras usadas pela Arena e pelo MDB durante a discussão da legalidade. Se eu tivesse que fazer isso à mão, como o site do governo me permite, eu não ia terminar nunca. Ia precisar de uma tropa de choque de 300 pessoas para poder analisar isso. Ao invés, fiz um robozinho que baixou esses 37 mil discursos e fiz um outro programa que juntava palavras-chave. Consegui gerar uma tag cloud (nuvem de palavras) que me dá, à primeira vista, as palavras mais importantes para a Arena e as palavras mais im­­portantes para o MDB. Esse é o tipo de coisa que você pode fazer com dados abertos. Você abre a possibilidade para a sociedade participar do processo de análise, compreensão e elucidação dos dados públicos.

E como aproximar esses dados das pessoas comuns?

As pessoas vivem dizendo "como é difícil compreender a transparência". Mesmo no Portal da Trans­­parência Federal, que é premiado lá fora, para você entender para onde foi o seu dinheiro é complicado. Mas como os dados são abertos, você permite que seja feito um site como o Para Onde Foi o Meu Dinheiro (http://www.paraondefoiomeudinheiro.com.br). Ele pega essas informações e transforma em uma coisa gráfica, muito fácil de olhar. Você consegue ficar sabendo que a educação ganhou R$ 23 bilhões e que isso é muito mais do que é gasto em transporte, mas é menos do que é gasto em saúde. Enfim, você cria novas possibilidades de se interagir com essas informações.

Para acessar esses dados, no entanto, é necessário certo grau de instrução. O brasileiro tem educação de internet suficiente para correr atrás dessas informações?

Isso é menos uma questão de educação e capacidade, porque isso a gente tem. As pessoas vivem na internet, vivem nas redes sociais e conseguem entender bem essa linguagem.

E o que falta, então?

O que falta é a cultura da possibilidade. É você entender que, como cidadão, tem o direito de acessar a informação pública e o dever de ajudar a sociedade. Isso é uma mudança cultural e isso demora. No entanto, o Transparência Hacker vem trabalhando e vem pensando em maneiras de mudar isso. De maneira geral, a gente tem muito a fazer. Não é só uma questão de o governo abrir os dados, mas também de a sociedade compreender como é que ela pode utilizar esses dados. O processo de mudança de cultura precisa caminhar lado a lado com a disponibilização dos dados.

Dá pra prever quem chega lá primeiro: a sociedade ou o governo?

Eu diria que a sociedade está muito à frente do governo. Os movimentos sociais historicamente trabalham com informação pública, utilizam isso para orientar suas políticas e seus movimentos. Com as novas tecnologias, temos uma arma muito poderosa, que iguala um pequeno movimento social, um grupo de meia dúzia de cidadãos curiosos querendo defender uma causa, a um grande lobista, que tem grana para contratar um monte de gente para analisar o processo legislativo.

Que exemplos há fora do Brasil que podem ser seguidos? Como é a experiência internacional na questão dos dados abertos?

Há vários. Isso é um movimento e uma tendência mundial, e o Brasil já está no encalço, de alguma maneira. O Reino Unido tem um portal (http://data.gov.uk) que está em um processo muito maduro de divulgação de dados e de compreensão do que eles significam nesse contexto da internet. Com certeza, o modelo britânico é bastante interessante de ser seguido. Os Estados Unidos têm também uma iniciativa interessante (http://data.gov). O Canadá tem uma iniciativa bacana, Austrália, Espanha também começaram a fazer isso. Enfim, vários países ao redor do mundo estão se movendo na direção dos dados abertos. Princi­­palmente, em um segundo estágio, nos dados semânticos, que dialogam com a questão da web semântica – ou, como gostam de dizer, a web 3.0.

E aqui dentro? Temos alguma coisa para mostrar ao mundo?

Sim, no Brasil a gente tem alguns bons exemplos e boas práticas, alguns grupos estão se mexendo e fazendo coisas bastante interessantes. A Secretaria de Logística de Tecnologia de Informação (SLTI), do governo gederal, acabou de disponibilizar o conjunto de dados do ComprasNet, que é o cadastro de fornecedores do governo, usando as tecnologias mais de ponta que a gente tem. É um excelente modelo de como todo órgão deveria fazer.

Está em tramitação no Con­­gresso uma nova lei de acesso à informação. Como você avalia essa lei? Ela garante acesso total da sociedade à informação?

Ela garante sim. Ela diz que todos os dados terão um sítio web para divulgar essas informações, quando forem requeridas. A Trans­­pa­­rência Hack participou da concepção dela. Se essa lei passar, ou melhor, quando essa lei passar, porque a gente não admite a possibilidade de isso não acontecer, teremos um mecanismo muito poderoso, pois toda informação solicitada através desse dispositivo vai, obrigatoriamente, obedecer aos oito princípios dos dados abertos. Não falamos de dados abertos especificamente no documento, mas os princípios estão lá.

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