Fazer “vaquinha” na internet para companheiro preso por corrupção dá resultado cinco vezes maior que pedir dinheiro em campanha presidencial. A constatação vem do volume de doações para pagar multas de três petistas envolvidos no mensalão em relação ao que foi arrecadado pelos quatro presidenciáveis que se arriscaram a coletar na rede, em 2014. Os números apontam um futuro nebuloso para o financiamento eleitoral após a proibição de doação de empresas, conforme determinou o Supremo Tribunal Federal (STF).
Obama arrecada 11 mil vezes mais que o PT
Juntos, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e o ex-presidente da legenda José Genoino conseguiram R$ 2,8 milhões em campanhas de arrecadação pela internet, entre janeiro e fevereiro de 2014.
O jovem de hoje que cresceu com a internet está acostumado com tudo muito claro, com a facilidade de pesquisar e achar dados. Se não sabe para onde o dinheiro vai, a possibilidade de dar certo é zero.
Na disputa pelo Planalto no ano passado, Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (então no PSB, hoje na Rede), Luciana Genro (PSol) e Zé Maria (PSTU) levantaram ao todo R$ 620 mil. Os outros oito candidatos nem tentaram usar a ferramenta. O valor é correspondente a 0,1% dos R$ 602 milhões arrecadados pelas 12 campanhas – R$ 587,7 milhões doados por empresas.
R$ 166
F=foi tudo o que o então senador Eduardo Suplicy (PT-SP) conseguiu arrecadar de doações via internet nas últimas eleições, em 2014. Na disputa pela prefeitura de São Paulo, em 2012, o candidato Gabriel Chalita, do PMDB, investiu R$ 190 mil em seu sistema de arrecadação via web e no final recuperou apenas
R$ 1,25 mil em doações de seus eleitores durante toda a campanha eleitoral.
Presidente da Associação Brasileira de Consultores Políticos, Carlos Manhanelli avalia que esse é um retrato fiel de como a política é encarada pelo lado “negativo” pelo brasileiro. “Em países como os EUA, há o viés positivo, de contribuição com ideias e dinheiro. Aqui o eleitor quer ganhar algo. Pode ser R$ 5 ou uma dentadura, mas jamais dar algo em troca.”
Congresso ainda tenta reverter decisão do STF
Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha determinado no mês passado que as doações eleitorais de empresas são inconstitucionais, duas propostas ainda tentam desfazer a decisão no Congresso Nacional.
A primeira delas é uma lei que foi aprovada pelos congressistas mas acabou vetada pela presidente Dilma Rousseff, mas cuja decisão pode ser derrubada pelo voto de dois terços dos deputados e senadores. A outra é a aprovação de uma emenda constitucional, que já passou pela Câmara dos Deputados e que agora depende do crivo do Senado.
Ambas são apadrinhadas pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Mesmo que passe a valer, no entanto, a lei não deve ser suficiente para derrubar a interpretação do STF. Já a emenda terá dificuldades de passar pelo Senado, onde a maioria dos senadores já se posicionou contra as doações empresariais.
Sem a colaboração empresarial, porém, é inimaginável que os candidatos tenham como escapar da internet. “Você não acha que o sujeito vai se dar ao trabalho de levar um envelope com R$ 20 no comitê do vereador, acha?”, complementa Manhanelli.
Guerra de mentalidade
Além do duelo de convencimento de novos doadores, a batalha é contra a mentalidade de partidos e políticos. “Quem trabalha na arrecadação de campanhas está tão viciado com as doações de grandes empresas doadoras que não leva a sério essa possibilidade de atrair a pessoa física”, descreve uma ex-sócia da empresa Um a Mais, que oferece plataforma de captação de recursos pela internet.
No Paraná, a firma prestou serviço para a campanha do senador Roberto Requião (PMDB), em 2014. Idealizadora do uso da ferramenta pelo peemedebista, a jornalista Carolina Cattani conta que o objetivo era mais ideológico que financeiro. “Como o Requião era autor de um projeto para acabar com as doações de empresas, era uma bandeira relevante”, cita.
Os resultados foram fracos. Foram necessários R$ 5 mil de investimento inicial para uma arrecadação final de R$ 6,1 mil. “Ninguém encampou a ideia, a divulgação foi ruim.” Nenhum outro concorrente paranaense se arriscou.
Outros fiascos se espalharam pelo país. Quarto colocado na disputa pela prefeitura de São Paulo, em 2012, Gabriel Chalita (PMDB) investiu R$ 190 mil, mas recebeu dos eleitores R$ 1,25 mil. Candidato ao Senado pelo estado no ano passado, Eduardo Suplicy (PT), só conseguiu levantar R$ 166, em quatro doações.
Raro exemplo de sucesso é Marcelo Freixo (PSol-RJ). Na campanha pela prefeitura do Rio de Janeiro, em 2012, ele levantou via internet R$ 162 mil (15% do total de doações). A fatia dobrou em 2014, na disputa por uma vaga na Assembleia – do total de R$ 213 mil, arrecadou R$ 64 mil na rede (30%).
Obama arrecada 11 mil vezes mais que o PT
A primeira vez levava menos de um minuto e as outras, pouquíssimos segundos. Era fazer o cadastro no site/rede social barackobama.com, com a inclusão do número do cartão de crédito, que a coisa andava sozinha. Com um clique, um e-mail ou um SMS apenas com o texto do valor a ser cobrado, doações eleitorais a partir de US$ 5 se tornavam realidade.
A Quick Donate (doação com um clique, similar às compras expressas de lojas on-line) foi um aprimoramento da campanha à reeleição do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Com ela, a quantia arrecadada pelo democrata em pequenas contribuições com auxílio da internet subiu de US$ 500 milhões, em 2008, para US$ 690 milhões, em 2012. Nessa última disputa, empresas e grandes doadores individuais colaboraram com mais US$ 320 milhões – ou seja, menos da metade do pessoal da “vaquinha” pela web.
No Brasil, Dilma Rousseff ganhou as eleições presidenciais de 2010 com uma arrecadação de R$ 135,5 milhões, dos quais R$ 172 mil (0,13%) vieram de doações de pessoas físicas pela internet. Em 2014, a receita total da petista ficou em R$ 350,5 milhões e as contribuições via web, em R$ 266 mil (0,08%).
Na ponta do lápis do dólar a R$ 4 e na soma das duas campanhas presidenciais de ambos, Obama arrecadou 11.122 vezes mais dinheiro que Dilma. A diferença é que, para 2016, o sucessor do democrata continuará podendo recorrer a doações de empresas. No Brasil, será necessário sobreviver com o dinheiro do fundo partidário e a colaboração de pessoas físicas.
Nesse cenário, Obama é o melhor exemplo para o futuro do financiamento brasileiro. “Obama recebeu tanto dinheiro que abriu mão do financiamento federal. Mas foi uma novidade até nos Estados Unidos”, diz o cientista político, David Fleischer, que é norte-americano e professor da Universidade de Brasília.
Professor de marketing da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo, Gabriel Rossi diz que a primeira dificuldade para a modalidade de doação pegar no país é o divórcio da sociedade com a política. Segundo ele, qualquer partido ou candidato que se aventure pela internet precisa estar atento a valores como transparência e diálogo.“O jovem de hoje que cresceu com a internet está acostumado com tudo muito claro, com a facilidade de pesquisar e achar dados. Se não sabe exatamente para onde o dinheiro vai, a possibilidade de dar certo é zero”, opina Rossi.
Em um paralelo à trajetória de Obama, ele diz que as doações para o democrata só decolaram porque ele soube personificar um sentimento de descontentamento da população. “O Brasil passa por situação política similar, mas ainda precisa nascer um político que consiga canalizar essa percepção.”
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