O foro privilegiado não é necessariamente um privilégio. Em tese – como defende, inclusive, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF) – há desvantagens, já que a pessoa julgada não pode recorrer a instâncias superiores. Entretanto, o apego de políticos investigados à prerrogativa de foro mostra que, na prática, a situação é vista como um privilégio.
Projetos visam à restrição do foro privilegiado
Outra evidência do apego dos deputados ao foro privilegiado é a dificuldade em fazer tramitar as 12 propostas de emenda constitucionais que visam à limitação do fim da prerrogativa de foro. Há deputados que admitem abertamente a falta de interesse do plenário em aprovar as matérias. “No momento de confusão, nunca sai uma legislação boa”, disse o líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL) sobre os projetos.
23 mil pessoas se beneficiam do foro privilegiado no Brasil
A tentativa de nomear o ex-presidente Lula como ministro-chefe da Casa Civil da ex-presidente Dilma Rousseff e a efetiva nomeação de Moreira Franco para o cargo de ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República na gestão de Michel Temer são exemplos recentes da forma como políticos citados na Operação Lava Jato enxergam o foro privilegiado de fato como um benefício.
Há dados que explicam essa percepção. Um levantamento do projeto Supremo em Números, da FGV Direito Rio, mostra que, de janeiro de 2011 a março de 2016, apenas 5,8% das decisões em inquéritos no STF foram desfavoráveis aos investigados - com a abertura da ação penal. Ainda segundo a pesquisa, o índice de condenação de réus na Corte é inferior a 1%.
Morosidade
Os números são relativos à atuação geral do Supremo. Olhando especificamente para os casos da Lava Jato, a diferença que se destaca entre os casos julgados no Supremo e os que estão na primeira instância, nas mãos do juiz Sergio Moro, é a velocidade da tramitação.
Nesta segunda-feira (06), por exemplo, a “Lista de Janot” completou dois anos. Da lista com 50 nomes de políticos que detinham foro privilegiado e que, segundo o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deveriam ser investigados no âmbito da Lava Jato, apenas quatro viraram réus no STF: a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e os deputados federais Nelson Meurer (PP-PR) e Aníbal Gomes (PMDB-CE), além do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB), que, ao perder o mandato, perdeu também a prerrogativa de função.
Na primeira instância, por outro lado, mais de 70 réus já foram condenados por envolvimento em atos ilícitos descobertos pela operação.
Prescrição
Além da sensação de que os políticos não estão sendo penalizados pela Lava Jato, a demora também gera efeitos práticos. Em maio de 2016, o ex-diretor da Transpetro Sérgio Machado, disse em depoimento que o senador Aécio Neves (PSDB-MG) recebeu, de forma ilícita, R$ 1 milhão em dinheiro em 1998.
Segunda “Lista de Janot”
Coincidentemente, a “Lista de Janot” completa dois anos na iminência do lançamento de uma “segunda edição”. A expectativa é que nos próximos dias o procurador-geral da República envie uma nova lista de políticos envolvidos na Lava Jato. O documento terá como base as delações feitas pelos 77 ex-diretores da Odebrecht que prestaram depoimentos ao Ministério Público Federal. De acordo com o que já foi revelado das delações até agora, alguns dos citados, como os ex-presidentes Dilma Rousseff e José Sarney, devem ser julgados em primeira instância, já que não têm mais foro privilegiado.
O pedido de investigação foi protocolado por Rodrigo Janot em outubro de 2016 no STF. No mesmo dia foi devolvido à PGR, que se manifestou apenas na última quinta-feira (2), pedindo arquivamento da investigação, já que o crime de corrupção passiva para fatos ocorridos entre 1998 e 2000 só poderia ser punido até 2016.
O caso de Aécio não é exceção. O mesmo levantamento feito pelo Supremo em Números também mostra que 68% de ações penais de quem tem foro privilegiado prescrevem.
Motivos do atraso
De acordo com outro estudo feito pelo projeto Supremo em Números, o desrespeito aos prazos regimentais e o excesso de pedidos de vistas são alguns dos fatores que levam à demora na tramitação dos processos.
“Os dados comprovam a urgência de que o Supremo repense sua relação com o tempo. Não é necessário e nem recomendável esperar a solução do problema da carga de trabalho. Boa parte dos indicadores mostra que o tempo não necessariamente é influenciado pela quantidade de processos que chegam para os ministros”, diz o estudo.
Os autores concluem que “há uma total falta de padronização que cria grande discrepância entre a duração da mesma etapa do processo sob a relatoria de ministros diferentes e faz com que processos de classes processuais ou assuntos muito similares tenham durações totalmente diversas”.
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