Michel Temer (PMDB) assumiu a Presidência da República em maio com o discurso de que iria unir um país dividido. Seis meses depois, e com o auxílio do Congresso, ele começou a cumprir a promessa, mas por vias tortas. A hesitação de uma semana em demitir o enroladíssimo ministro Geddel Vieira Lima e a omissão em condenar publicamente as manobras parlamentares para anistiar o caixa 2 eleitoral teve um efeito impensável até há pouco tempo. Movimentos da sociedade civil e parte dos políticos que estiveram em lados opostos na batalha do impeachment se uniram em pelo menos um ponto nos últimos dias: nas críticas à insensibilidade de Brasília em combater a corrupção.
Geddel: onipresente nas crises
O ex-ministro da Secretaria de Governo Geddel Vieira Lima foi protagonista de uma das crises que atingiram Brasília nos últimos dias e coadjuvante da outra. Caiu porque fez lobby nada republicano para liberar a construção do polêmico edifício La Vue, em Salvador (BA), no qual comprou um apartamento na planta. E, como principal interlocutor do presidente Michel Temer com o Congresso, foi quem deu o primeiro sinal verde de que o Planalto não iria se opor à tentativa dos parlamentares de anistiar o caixa 2 eleitoral.
Em entrevista ao jornal O Globo de 20 de setembro, Geddel disse que, como caixa 2 não é crime atualmente, quem foi beneficiado não poderia ser responsabilizado. Afirmou ainda que a discussão tinha de ser feita “sem medo, sem preconceito, sem patrulha e sem histeria”.
Temer também nunca condenou publicamente a proposta da anistia. No último dia 14, foi questionado sobre o assunto no programa Roda Viva, da TV Cultura. Procurou não desagradar os parlamentares: “Esta é uma decisão do Congresso, eu não posso interferir nisso”. Nos bastidores do Legislativo, soou como uma autorização para seguir adiante com a proposta.
Análise: União efetiva entre movimentos não é viável
Talvez o exemplo mais simbólico seja a reação idêntica de dois inimigos declarados na política – os deputados Jean Wyllys (PSol-RJ) e Jair Bolsonaro (PSC-RJ) – contra a articulação do Congresso para anistiar políticos que fizeram caixa 2. Com uma diferença de apenas 12 minutos, eles compartilharam no Twitter, na quinta-feira (25), o apoio à campanha on-line #AnistiaCaixa2NAO.
O fenômeno que levou à improvável união de Bolsonaro e Wyllys se espalhou nas redes sociais nos últimos dias. Cidadãos com visões distintas sobre o impeachment parecem ter se esquecido, ao menos nesse caso específico, de suas diferenças. Críticos da atuação de Sergio Moro na Lava Jato, por exemplo, divulgaram nas redes sociais a carta em que o juiz se posiciona contra a anistia.
O Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), que esteve na linha de frente da defesa da ex-presidente Dilma Rousseff, marcou uma manifestação para este domingo (27), em São Paulo, com o slogan “Ladrão que perdoa ladrão ganha manifestação”. A passeata criticará a tentativa de anistia e também vai pedir “Fora, Temer” e a derrubada da PEC do Teto dos Gastos. Num post do Facebook na última quarta-feira (23), o MTST ainda provocou o “outro lado”: “Onde estão os batedores de panela?”, numa alusão aos defensores da cassação da petista.
E os batedores de panela apareceram. Embora divirjam do MTST em quase tudo, movimentos que pediram a saída de Dilma também vão às ruas contra a “corrupção no Congresso”. As passeatas estão agendadas para o outro domingo, dia 4. O Vem Pra Rua, numa publicação no Facebook, inclusive defendeu a união de todos pelo bem do país: “PMDB, PSDB, PT, DEM, PQP e todos outros partidos querem aprovar uma anistia para os crimes que cometeram. Serão os bandidos se autoabsolvendo. Será o fim da Lava Jato! Não importa se você é de direita, de esquerda ou de centro. Não haverá mais Brasil se aprovarem esta porcaria”.
Ministro fora
Outro ponto que uniu movimentos da sociedade civil de esquerda e de direita foi o caso de Geddel. O Vem Pra Rua usou a internet para pressionar Temer e comemorou quando o ministro pediu exoneração na sexta-feira (25). O Movimento Brasil Livre (MBL), que também capitaneou as passeatas pró-impeachment, foi menos incisivo nas redes sociais em cobrar a demissão. Mas compartilhou posts cujo teor era esse. O MTST igualmente usou o Facebook para criticar o ministro.
União efetiva entre movimentos sociais não é viável, diz analista
O cientista político Bruno Bolognesi, professor da UFPR, não acredita na possibilidade de uma união efetiva entre movimentos de direita e de esquerda. Segundo ele, a demissão de Geddel Vieira Lima tende a resolver a crise que o ministro produziu e a esfriar o assunto. “A opinião pública esquece rápido”, diz Bolognesi. “Outra coisa é a anistia ao caixa 2, que une um pouco a esquerda e a direita.”
Ele afirma que a pressão sobre o Congresso para não aprová-la pode funcionar porque a sociedade está em peso contra a proposta. Mas destaca que essa é uma causa bem específica. No mais, a insatisfação contra o governo de Michel Temer é difusa – o que impede a união de objetivos.
Bolognesi acha que o principal impacto das duas crises sobre o governo é na imagem: “Foi um banho de água fria para quem achava que aqueles políticos que estavam à frente do impeachment [de Dilma] eram paladinos da justiça”.
O cientista político ainda diz acreditar ser muito difícil haver o impeachment de Temer, como pede a oposição, em função das acusações do ex-ministro da Cultura Marcelo Calero contra o próprio presidente. Calero disse que Temer interferiu pessoalmente no caso do prédio de Geddel. Segundo Bolognesi, enquanto Temer mantiver o baixo clero da Câmara em suas mãos, por meio da liberação de emendas parlamentares, não há a menor chance de haver a cassação do presidente.
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