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Praça 1, da Vila Nossa Senhora da Luz: mais de 13 mil metros quadrados e pouca utilização | Arquivo
Praça 1, da Vila Nossa Senhora da Luz: mais de 13 mil metros quadrados e pouca utilização| Foto: Arquivo

Praça Osório

Centro também tem áreas abandonadas

A Praça Osório, concebida para ser um grande centro de atividades esportivas e de lazer a céu aberto, hoje sofre com abandono. Quando foi reformada ganhou minipista de corrida, barras de alongamento e ginástica, mesas para jogos de tabuleiros e piso nas canchas que antigamente eram de areia. Por um tempo funcionou muito bem, contam Fernando Costa, 23, e Luiz Henrique Truber, 24. "Quando fizeram a praça, a iluminação era boa, hoje está ruim", conta Costa.

Truber recorda dos campeonatos que eram organizados no local. "Tinha um professor que dava bolas e peças para jogar xadrez. Ele supervisionava e tudo funcionava muito bem." No final da tarde de quarta-feira passada, um dia ensolarado, o que se via eram quadras vazias. Nas mesas, em vez de jogar, alguns jovens batiam papo. "O centro da cidade tem lugares muito interessantes. Mas é preciso construir projetos que sejam do interesse de comunidades próximas para ocorrer a apropriação do local", diz a educadora física Simone Rechia, coordenadora do Centro de Pesquisa em Esporte, Lazer e Sociedade (Cepels) da UFPR. Ela dá outro recado, direcionado aos candidatos que gostam de falar que o esporte vai tirar os jovens do "mundo das drogas": "Para isso acontecer é preciso ter uma efetiva articulação entre várias secretarias municipais."

Rosana Félix

Pelo andar da carruagem, os anos 2000 vão entrar para a História como aqueles que mais exploraram as relações entre esporte, educação e cultura. Exemplos de que a trinca é de ouro não faltam. Basta pensar nas outrora ultraviolentas Bogotá e Medellín, na Colômbia. As duas cidades viraram fetiche dos urbanistas de todo o planeta ao implantarem ruas fechadas para lazer e superbibliotecas ligando praças e ciclovias – muitas ciclovias. A degradação urbana tem remédio – e por remédio entenda-se uma boa área pública, acesso à leitura, escolas abertas às experiências da rua, além de agentes preparados para envolver a população em atividades que as retire da prisão domiciliar.

Parece fácil. Parece. Pelo menos assim tem sido ao longo da campanha eleitoral deste ano. O esporte – com perdão ao trocadilho infame – virou a bola da vez. Faz-se nas tribunas uma associação quase mecânica entre o aumento do lazer e a redução da violência, esquecendo-se que a melhor zona de esportes do mundo não é garantia de paz. Há algo mais, como as próprias experiências hoje mundialmente conhecidas ensinam.

Ao longo da semana passada, a reportagem da Gazeta do Povo visitou uma dezena de áreas de lazer da capital e confirmou que não se consegue apropriação de áreas públicas apenas distribuindo jogos de camisa. O sucesso de uma praça depende de elementos tão complexos quanto a mudança de um anel viário ou coisa que valha.

Uma importante contribuição a esse debate vem do mestre em Educação Física pela UFPR Felipe Sobczynski Gonçalves, 27 anos. Ele defendeu em março deste ano a dissertação Espaços e equipamentos de lazer da Vila Nossa Senhora da Luz: suas formas de apropriação no tempo/espaço de lazer, na qual investiga por que cargas d’água algumas das 13 praças da vila são utilizadas pela população – formada por 2,8 mil famílias – e outras não.

Ainda que a violência não seja exatamente o foco da pesquisa, ao investigar o caso da Vila Nossa Senhora da Luz, Sobczynski escolheu o local que é com folga o melhor exemplo de onde o esporte e o lazer – assim como a educação – tinham tudo para ser um fator agregador, o que, a rigor, não aconteceu. A explicação é a chave do segredo.

A vila é de 1966 e nasceu para desfavelizar Curitiba. A história, de tão propalada, já faz parte do imaginário municipal, como o episódio em que os novos moradores teriam queimado os tacos das casas para fazer fogueira nas noites de frio. O que importa aqui, contudo, é lembrar que caminhões levaram moradores dos "inferninhos" da Santa Quitéria e das áreas ocupadas da Vila Guaíra para um rincão conhecido como Barigüi do Portão. Era longe e não havia nada naquelas divisas. Mas à revelia de estar criando uma fronteira artificial para a pobreza, a vila contava com 13 praças, além de uma magnífica escola pública, o "grupão", de arquitetura e trajetória notáveis. Eis a questão.

Como observa Felipe no seu texto, em algum momento o esporte e a educação – que pareciam prioridade – acabaram em segundo plano, o que contribuiu, provavelmente, para o principal motivo do fracasso do projeto: a falta de vínculo da população com o novo bairro. "A vila ficava a 15 quilômetros do Centro – o que naquela época representava muito – e não tinha ônibus. Foi uma espécie de planejamento da miséria", lamenta.

Basta lembrar que há praças pequenas, como a Alceu Mileke, de míseros 384 metros quadrados, mas que a maioria oscila entre 2,5 mil e 3 mil metros quadrados. A Praça Enoch Araújo Ramos, ou "Praça 1" tem mais de 13 mil metros quadrados. São áreas nobres, quase sempre utilizadas de forma esporádica, em horários combinados e debaixo de severas recomendações, já que certas divisas da vila obedecem as normas do tráfico. "O que determina a apropriação e a não-apropriação é o medo", resume Sobczynski. Exceção, mesmo, são as praças "1" e "8". Por agregarem em torno de si times de futebol e associações comunitárias, sobreviveram à monotonia do projeto das Cohabs e ao crime organizado, como mostram os escritos do pesquisador. Pelo que tudo indica, a sociedade organizada, ainda que reduzida aos limites de uma vila, é a única capaz de conter a cruzada do medo.

Além da Nossa Senhora da Luz, o melhor exemplo de consolidação do lazer continua sendo o da Praça Nelson Saternaski Monteiro, inaugurada na Vila São Pedro, Xaxim, em 1994. Tem uma quadra inteira, um posto policial fechado, Farol do Saber e Cras. Mesmo não estando no ponto, talvez não exista na periferia de Curitiba área mais apropriada pela população. Nos fins de semana, o local lembra uma cidade do interior. Obra e graça da associação de moradores. Numa prova de maturidade, os participantes reivindicam historicamente ao poder público algo mais do que ônibus e ruas asfaltadas – pedem também espaço para seus jovens.

No mesmo caminho segue a Vila Autódromo, onde está instalado o Parque Linear, uma grande praça de 104 mil metros quadrados, nas margens do Rio Atuba, criado em 2002. A região sofre dos mesmos atropelos da Vila Nossa Senhora da Luz: medo, toque de recolher e zonas proibidas. A reportagem da Gazeta do Povo visitou o local duas vezes. Na primeira, notou a ausência total de usuários. Na segunda, na companhia dos líderes comunitários Neemias Portela e Paulo Portela, encontrou adolescentes jogando pelada no início da tarde com a segurança com que um menino utiliza a quadra de uma escola particular.

Neemias considera a retomada do espaço uma conquista da comunidade do Autódromo, alcançada na base da água mole em pedra dura. Criou-se uma união de 67 associações de moradores, rádio comunitária e incentivo à criação de times. São hoje 18 agremiações, a exemplo do Beira da Linha, numa alusão à linha do trem, vizinha mais próxima e incômoda da Autódromo. O movimento ganhou fôlego há três anos e tem potencial para mudar o cenário de desolação que impera entre os trilhos e o bairro.

"Eu diria que diminuiu a criminalidade. Tinha chacina. Hoje é diferente", diz Paulo Portela, diante da quadra nova, recém-conquistada, numa ponta do parque. Pelo menos 20 pessoas da vila acompanharam a entrevista, para confirmar que a praça de guerra virou praça da paz. "Você precisa ver isso aqui no sábado", convidam.

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