Nos últimos dias de sua gestão que durou dois anos à frente da presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Gilmar Mendes fez nesta quarta-feira (14) um profundo desabafo sobre as críticas que recebeu, ao longo do seu mandato, por marcar posição na mídia sobre questões polêmicas da sociedade.
Mendes afirmou que o juiz só deve se manifestar nas decisões judiciais, mas lembrou que o cargo de presidente do Supremo demandaria uma atuação mais ampla. Ele vai repassar o cargo no dia 23 de abril ao colega e sucessor, ministro Cezar Peluso.
"Eu sei que o juiz só deve falar nos autos. Mas o presidente do Supremo não é um juiz qualquer. Ele não está falando sobre caso concreto, ele está passando uma orientação para todos os juízes. Muitas vezes, ele está falando sobre a Constituição. Prefiro falar antecipadamente e advertir quando há possíveis excessos do que ficar calados e ser responsabilizado pela omissão", afirmou Mendes.
Eu sei que o juiz só deve falar nos autos. Mas o presidente do Supremo não é um juiz qualquer. Ele não está falando sobre caso concreto, ele está passando uma orientação para todos os juízes" Críticas
Um dos episódios emblemáticos das críticas que Mendes sofreu por marcar posição na mídia veio de dentro do próprio STF. Em abril de 2009, durante um bate-boca no plenário, o ministro Joaquim Barbosa acusou Mendes de estar "destruindo a credibilidade da Justiça brasileira" e pediu ao presidente do STF que "saísse a rua" para ver a repercussão de seus atos. Como Mendes respondeu que "estava na rua", Barbosa retrucou: "Vossa Excelência não está na rua, Vossa Excelência está na mídia, destruindo a credibilidade da Justiça brasileira."
O assessor da Presidência da República para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, também fez críticas a Mendes após o presidente do STF rebater declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que "nós não podemos ficar subordinados a cada eleição a que um juiz diga o que a gente pode ou não pode fazer." Mendes disse que "todos nós estamos subordinados à Constituição Federal e à lei". Marco Aurélio rebateu falando que Mendes deveria falar "mais nos autos e menos no microfone".
Questões relevantes
Durante a crise desencadeada pelas ações da Polícia Federal na Operação Satiagraha, que prendeu o banqueiro Daniel Dantas, Mendes também desempenhou papel institucional para acabar com o que foi chamado "estado policialesco".
O presidente do STF criticou a quantidade de grampos e a pirotecnia das operação policiais que estariam expondo investigados às lentes das câmeras de televisão. "O Brasil quase descambou para um modelo circular diante daquelas ações estrepitosas da polícia. O senhores não pode imaginar a ações que ocorreram naquele tempo", disse Mendes aos integrantes da CCJ do Senado.
Operação Têmis
Para ilustrar os "casos estrepitosos" de abusos da Polícia Federal, Mendes lembrou a Operação Têmis - a deusa grega da Justiça -, deflagrada em abril de 2007, e batizada com esse nome, na avaliação do presidente do Supremo, para "constranger o Judiciário". A operação investigou o envolvimento de magistrados da Justiça paulista com a máfia dos caça-níqueis.
"Houve uma ação da polícia no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo. A Operação Têmis (em abril de 2007), que investigou o envolvimento de magistrados. Para não causar constrangimento ao Judiciário, o ministro Felix Fischer, do STJ, determinou que essa operação fosse discreta, porque envolvia busca e apreensão em gabinetes", relatou.
"Pois essa operação não poderia ter sido mais estrepitosa. Cercou-se a Avenida Paulista. Descumpriu-se a decisão judicial porque a Polícia Federal se transformou naquele momento em poder. E era esse o quadro. E o que nós não falávamos é que nós chegamos a esse quadro", afirmou Mendes.