Jogo de poder
"Instâncias inferiores estariam mais suscetíveis a pressões políticas"
Ex-ministro da Justiça, José Gregori chama a atenção para um ponto que considera crucial no debate sobre a manutenção ou não do foro por prerrogativa de função no Brasil, que é a suscetibilidade maior a pressões políticas das instâncias inferiores na apreciação de processos cujos réus são autoridades. "Eu costumo dizer que ninguém prende o poder no Brasil. Isso é uma questão cultural e precisa ser mudada. Nada tem a ver com o fim ou a manutenção do foro privilegiado. Se estamos vendo acontecer o que está ocorrendo com o mensalão no Supremo, que ainda não conseguiu concluir o caso, imagino se ele estivesse na primeira instância. Acho que em muitos casos até teríamos absolvição", disse Gregori.
O ex-ministro é favorável a foro por prerrogativa de função em casos de crime contra a administração pública, mas, em casos de crimes comuns, ele gostaria de ver o acusado respondendo a processo como todo brasileiro: "A matéria é complexa. Acredito que deveria haver certa diferenciação. O crime comum deveria abranger todos do mesmo jeito. É decorrência do regime democrático. Já o crime que se comete no exercício da função, seja um ministro ou presidente, deve ter um tratamento diferenciado".
O fim do foro privilegiado para autoridades poderá aumentar a demora na conclusão dos processos judiciais. Essa é a opinião de especialistas ouvidos pela reportagem. A reivindicação apareceu em manifestações que tomaram as ruas do país no mês passado.
A ONG Transparência Brasil divulgou nota defendendo o foro privilegiado sob o argumento de que "se as condenações já são difíceis hoje, se tornarão praticamente impossíveis caso o privilégio seja eliminado". "No sistema judiciário brasileiro, que é o pior do mundo, quanto mais alta a escala do Judiciário mais eficiente é a Corte. O mensalão, se estivesse sendo julgado na primeira instância, em diferentes tribunais, quantos anos seriam necessários para que houvesse trânsito em julgado? Talvez uns 60 anos, porque um condenado recorreria ao Tribunal de Justiça, depois ao Superior Tribunal de Justiça e, por fim, ao Supremo Tribunal Federal", afirmou o diretorexecutivo da ONG, Cláudio Weber Abramo.
A discussão sobre o tema foi retomada antes do início do recesso parlamentar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, onde tramitam algumas propostas de emenda constitucional. O foro privilegiado ou foro por prerrogativa de função é o direito concedido a parlamentares, presidente da República, ministros, juízes e membros do Ministério Público de serem julgados por um tribunal diferente do de primeira instância, independentemente do tipo de crime.
Na prática, o fim do foro privilegiado remeteria aos tribunais de primeira instância processos que estão nas cortes superiores. Até mesmo o processo do mensalão, ainda não concluído pelo STF, seria transferido a tribunais regionais.
Impunidade
O diretor da Faculdade de Direito da PUC-SP, Marcelo Figueiredo, defende que a extinção de foro, mesmo que parcial, precisaria vir acompanhada de mudanças na lei que garantissem que, uma vez condenado pelas instâncias inferiores, o réu fosse punido e não pudesse usar recursos protelatórios. "Sem isso, reinaria a impunidade", avaliou Figueiredo, completando: "Para acabar mesmo que parcialmente com o foro, é preciso garantir que as penas sejam executadas pelas instâncias inferiores. Eu sou a favor que se faça algo como na Ficha Limpa. Para crimes contra a administração pública, as penas sejam executadas a partir da confirmação da condenação pela segunda instância. Isso acabaria com a prática de ingressar com vários recursos para adiar a execução da pena".
Figueiredo é a favor de foro privilegiado para as maiores autoridades do país (presidente da República, presidentes do Senado e da Câmara e presidente do STF). Para ele, a instituição do foro privilegiado foi um tiro dado no pé pelos próprios legisladores. "Os políticos pleitearam e pensaram que estavam legislando em causa própria quando criaram o foro privilegiado, mas o Supremo tem se mostrado mais sensível à opinião pública e duro em suas decisões do que eles imaginaram no passado", disse.
Punição
Jurista defende penas mais rigorosas para condenados com foro especial
Advogado especialista em direito penal, David Rechulski defende não só a existência de foro privilegiado para crimes contra a administração pública como penas mais duras para os condenados com foro especial. "É como um padre que comete pedofilia e um cidadão comum. Eu considero que no primeiro caso há uma gravidade maior e, portanto, deveria ser mais severamente apenado", considerou o jurista.
Rechulski também acredita que os processos se tornarão mais longos se extinta a tramitação especial, aumentando a sensação de impunidade. "O caminho até chegar a uma decisão definitiva será muito mais longo. Isso sem contar que, em determinadas situações, as instâncias menores sofrem pressões muito grandes. O foro não foi criado para beneficiar políticos desonestos, mas para que pessoas com prerrogativas de cargo possam ser julgadas com mais distanciamento", concluiu.
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