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Mesmo proibido, rogai por nós

Desde 1988 não existe censura prévia no Brasil. A Constituição, no capítulo que trata da comunicação social, veda "toda e qualquer censura", seja de natureza política, ideológica ou artística. Mas a tesoura, tão cara a regimes autoritários, vem se acostumando às mãos do Judiciário brasileiro.

De acordo com levantamento da Associação Nacional de Jornais, só em 2013 (ano em que a Carta completa 25 anos) houve censura prévia contra seis veículos de comunicação. Dois desses casos aconteceram nos últimos 10 dias: primeiro, a Gazeta do Povo. Censurada, nada pôde noticiar sobre investigações contra o presidente do Tribunal de Justiça do Paraná. O nome dele não aparece neste artigo – precaução jurídica.

Dias depois, no Recife, a censura foi imposta ao Diário de Pernambuco e ao Jornal do Commercio, que também não puderam citar o nome de Guilherme Uchoa, presidente da Assembleia Legislativa pernambucana, em notícias sobre possíveis irregularidades no processo de adoção de uma criança.

Em 2012, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo já havia se manifestado contra uma sequência de ações movidas por candidatos a prefeito que barravam a publicação de resultados de pesquisas de intenção de voto. Quase uma dezena de pedidos foi aceita em caráter liminar com base em frágeis argumentos estatísticos. Invariavelmente a decisão provisória terminava revertida e a censura, derrubada. Mas os dados mostravam-se inúteis, um retrato dos humores do eleitorado com uma ou duas semanas de atraso.

Há outros casos emblemáticos e que chamaram a atenção de entidades internacionais de defesa da liberdade de expressão: o jornal O Estado de S. Paulo foi proibido em julho de 2009 de noticiar a operação da Polícia Federal que investigava, entre outros, Fernando Sarney, filho de José Sarney. A Folha de S.Paulo também está proibida de citar o nome da suplente de vereadora de Indaiatuba (SP) Alzira Kibe Sfiha, protagonista de trocadilhos na coluna de José Simão durante a campanha de 2012.

Os episódios lembram a anedótica proibição de um carro alegórico no carnaval do Rio de Janeiro de 1989. O "Mesmo proibido, rogai por nós" correu mundo e a censura amplificou a presença do Cristo na passarela. Da mesma forma, casos como o do Paraná e de Pernambuco ultrapassaram as divisas dos estados e correm o risco de repercutirem fora do país – com os autores das ações saindo do episódio menores do que entraram.

Guilherme Alpendre, diretor-executivo da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji)

Durante o período em que a Gazeta do Povo sofreu os efeitos da censura prévia imposta pela Justiça Estadual, veículos nacionais como O Globo, O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo publicaram diversas reportagens sobre o caso e com novas informações a respeito das investigações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre o presidente do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ), Clayton Camargo. Além disso, posicionaram-se favoravelmente ao jornal entidades nacionais como a Associação Nacional dos Jornais (ANJ), a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).

No âmbito estadual, a seccional paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), a Associação Comercial do Paraná, o Movimento Pró-Paraná, o Instituto de Advogados do Paraná e a Federação das Indústrias do Estado do Paraná assinaram um manifesto no qual destacam que a "liberdade de imprensa é uma garantia fundamental para a plena vigência do Estado Democrático de Direito".

O Sindicato dos Jornalistas do Paraná publicou em seu site as reportagens que foram retiradas do ar a pedido de Camargo. O Sindicato das Escolas Particulares do Paraná, a Universidade Positivo, a UFPR a Facinter também manifestaram apoio ao jornal.

Justiça Plena

Em 26 de agosto, o corregedor nacional de Justiça, Francisco Falcão, incluiu a ação inibitória de autoria do presidente do TJ-PR no programa Justiça Plena. A iniciativa monitora e dá transparência ao andamento de processos de grande repercussão social, como o assassinato da missionária norte-americana Doroty Stang, em 2005, no interior do Pará. "É lamentável que se busque o Judiciário para tentar calar a voz independente da imprensa", declarou Falcão, na época.

Especialistas ouvidos pelo jornal O Globo em reportagem publicada em 25 de agosto citaram que a censura à Gazeta do Povo era mais um dos casos que ajudavam a explicar a queda do Brasil no ranking mundial de liberdade de expressão. De acordo com estudo da ONG Repórteres sem Fronteiras, o país caiu de 99.º para 108.º colocado na lista formulada no ano passado.

Entre os entrevistados, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Ayres Britto declarou que entendia que "liberdade de imprensa é, antes de tudo, liberdade de informação". "Assim, tudo o que for veículo de informação deveria estar a salvo de qualquer censura", disse a O Globo.

Em artigo publicado em diversos jornais do país na última segunda-feira, o diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais, Carlos Alberto Di Franco, escreveu que "além de inconstitucional, a liminar que censura o trabalho da Gazeta caminha na contramão do anseio de transparência no comportamento dos homens públicos que domina a sociedade brasileira". Di Franco é colunista semanal da Gazeta do Povo, mas esse texto não pôde ser publicado pelo jornal. No lugar dele, foi publicada uma nota em que o jornal citou que não podia desrespeitar a decisão da Justiça Estadual. A maior parte do espaço destinado ao artigo ficou em branco.

Caso parecido

Jornais de Pernambuco estiveram censurados até esta semana

Da Redação

Caso semelhante ao da Gazeta do Povo também ocorreu em Pernambuco. Em Recife, o juiz Sebastião de Siqueira Souza proibiu recentemente os dois principais jornais que circulam em Pernambuco – o Diário de Pernambuco e o Jornal do Commercio – de publicarem reportagens relacionando o presidente da Assembleia Legislativa pernambucana, Guilherme Uchoa (PDT), e a filha dele, Giovana Góes Uchoa, em um suposto caso de favorecimento e tráfico de influência na Justiça.

O caso se refere à guarda provisória, para fins de adoção, de uma criança por um casal que não estava registrado no cadastro nacional de adoção. Segundo a Promotora da Infância e Adolescência de Olinda, haveria indícios de favorecimento ilegal a um casal por parte da juíza Andréa Calado, a pedido do deputado.

A censura aos jornais foi imposta por liminar concedida no último dia 31 por um juiz plantonista. No texto do pedido de liminar, Uchôa argumentou que não há comprovação de seu envolvimento no caso; por isso a veiculação de seu nome causaria danos políticos e pessoais.

Em nota divulgada nesta semana, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) condenou a decisão liminar da Justiça de Pernambuco. Diante da repercussão do caso, o presidente da Assembleia de Pernambuco anunciou a retirada da ação.

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