| Foto: Antônio More/ Gazeta do Povo

A recente aprovação pela comissão especial da Câmara dos Deputados da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.º 37, que restringe os poderes de investigação do Ministério Público (MP), preocupa o procurador-geral de Justiça do Paraná, Gilberto Giacoia. Ele recebeu a reportagem da Gazeta do Povo para comentar os possíveis efeitos da PEC, que basicamente proí­­be o MP de conduzir investigações, deixando essa atribuição exclusivamente às polícias. Aos promotores e procuradores restaria a apresentação de denúncias já investigadas à Justiça. Giacoia avalia que a proposta, se aprovada, significa um retrocesso e uma vitória aos "poderosos" que estariam incomodados com a ação do MP. Ele ainda explicou por que entende que o Ministério Público não é incoerente ao cobrar transparência de outros órgãos públicos e, ao mesmo tempo, não divulgar nominalmente o salários de promotores, procuradores e servidores. Confira a entrevista: Qual é a avaliação do senhor sobre a PEC 37?

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Um dos aspectos é político, no sentido de concepção do Estado brasileiro. E, como tal, me parece que esse aspecto é claríssimo no sentido de um retrocesso a tudo que se conquistou nas últimas duas décadas. É inexplicável porque nós acabamos por construir uma ordem jurídica dentro de um processo de ampla discussão democrática desde a redemocratização. Foram criadas leis para indicar o caminho que se pretende seguir, como a lei de improbidade administrativa, a de responsabilidade fiscal, lavagem de dinheiro, crimes econômicos, ficha limpa e por último de acesso à informação. Estamos num processo de transparência, de evolução, que é lento. Hoje temos um afrodescendente na direção do Supremo Tribunal Federal e uma mulher na presidência da República. Nós temos que enxergar que essa diretiva apontada pela comissão que aprovou a PEC 37 é um ponto fora da curva, que não se encaixa neste momento histórico.

E o outro aspecto?

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O outro aspecto é técnico-jurídico. O MP é uma instituição que defende a democracia, sem ela o Estado Democrático de Direito não existe. É obvio que essa visão técnico-jurídico constitucional do MP só pode ser compreendida como tendo implícito o poder de investigar a improbidade administrativa. A violação desses interesses sociais, enfim, não é uma função primária. É bom que se diga que nós respeitamos a instituição policial. Achamos que de fato ela deve defender a sua função primária para qual existe, que é para investigar. Mas isso não exclui, não a torna privativa dessa função de investigar. O que eu penso é que ninguém quer competir com a polícia até porque não teríamos estrutura para isso. Mas é necessário ter uma divisão de tarefa em determinadas investigações que são dirigidas contra poderosos, contra o tráfico ilícito de influências e o crime organizado que está capilarizado em diferentes segmentos públicos e privados. O que queremos mostrar é que, para determinadas estruturas criminosas, você tem de conjugar esforços por instituições preparadas para isso. E o MP não pode ser excluído desse processo.

A que interesses essa PEC atende?

Não há dúvida de que há um viés corporativo [das polícias]. Mas esse viés está sendo aproveitado para diminuir poderes de uma instituição que incomoda muito os detentores do poder político e econômico. Acredito que aderem a esse tipo de movimento acriticamente. Mas estou certo que hoje as forças sociais, a socidade civil organizada e a imprensa livre têm uma força muito grande. É preciso informar a opinião pública de que não podemos aceitar esse retrocesso hitórico. E a reação tem de ser forte porque nós sabemos dos vícios desses segmentos.

Ao contrário do que diz a PEC, o senhor acha que o MP deveria ampliar seus poderes de investigação?

Temos muito que melhorar. O poder de investigação do MP não vai evoluir, mas não há essa pretensão de chegar a algo nos moldes do sistema norte-americano – em que o gabinete do promotor é muito bem montado e, na verdade, ele trabalha junto com a polícia e está destinado a produzir a investigação. Há muitas coisas que poderiam melhorar o MP, torná-lo mais forte e independente. Eu vejo que a eleição direta para procurador-geral de Justiça seria um avanço [neste caso sem a escolha pelo governador, como ocorre atualmente]. A melhoria do orçamento, sem dúvida, seria um avanço. Às vezes a desproporção orçamentária entre instituições assemelhadas, como o Judiciário e o MP, faz com que você atenda o final da linha [a Justiça], mas o meio [a investigação e denúncia] fica desatendido.

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O que o MP do Paraná pretende fazer na prática para evitar a aprovação da PEC 37?

Nós estamos trabalhando numa dinâmica nacional. Vamos estabelecer uma estratégia de acompanhamento e convencimento de forma coordenada e unificada. O MP do Parana estará integrando essas forças nacionais de reação num primeiro momento político e depois, se necessário, jurídico de defesa das nossas prerrogativas. Estamos inseridos no cenário nacional e estamos trazendo campanhas com a visão do MP, como o "Paraná sem Corrupção", que mostra a importância do poder de investigar do MP. Vamos fazer um movimento que atraia a opinião pública.

O senhor falou do momento de transparência que o país atravessa. E o MP do Paraná é uma das instituições que optou por não divulgar os salários dos servidores. Não é uma incoerência?

Eu não vou dar minha posição pessoal, porque como procurador-geral de Justiça nós temos que defender a posição institucional. Nós debatemos muito essa questão e há pontos complexos nessa temática. Não é algo tão simples. Eu posso ter uma posição determinada, mas vou encontrar outras posições respeitabilíssimas contrárias que preservam a questão da reserva da intimidade [do servidor público]. Há uma sustentação jurídica bem substancial que diz que, na verdade, o público é enquanto não integra o patrimônio do servidor. A partir daí, está coberto pela reserva da intimidade, com razões importantes como a segurança pessoal e familiar [para não divulgar]. Se você divulga, você expõe. O que é mais importante é encontrar um justo equilíbrio entre isso. Também acredito que, quando você opta pela vida pública, você abdica de uma parte da sua intimidade, diferente de estar na atividade privada. Você tem que ser transparente. Nesse aspecto, eu sempre preguei a transparência máxima. Mas você pode buscar esse equilíbrio na colisão desses valores, desses direitos, para tentar preservá-los. E, ao mesmo tempo, a unidade e a indivisibilidade da instituição é importante. De repente há um debate interno [sobre a divulgação dos salários] que fragiliza a instituição. Aí eu pergunto: por que divulgar tudo? Qual o interesse em saber quanto os membros do MP ganham?

A divulgação é mais um instrumento de fiscalização que pode coibir excessos...

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Mas essa ferramenta já está disponível no site do MP. Se você quiser, pelo número de matrícula [do servidor] identifica o nome. Se quiser um caminho mais fácil, na própria página do MP tem lá o direito à informação. Você se identifica e justifica [por que quer saber o salário]. Pronto. Você terá acesso a informação e não expõe demasiadamente a vida da pessoa.

Por que o senhor acredita que o entendimento do CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público] é pela não divulgação nominal dos salários e nos tribunais superiores o entendimento é pela publicidade? Por que o MP, que combate o crime organizado, neste momento de transparência recua e outras entidades avançam?

Primeiro não se trata de uma ciência exata. Não tem como jogar uma fórmula no computador e sair uma sentença, um pronunciamento ou um parecer. Na ciência jurídica, o instrumento é a argumentação. Vale o melhor argumento. O procedimento nesse caso não é linear quanto à interpretação da lei, que pode ser interpretada por múltiplos componentes. Em relação ao outro ponto, eu poderia sustentar que não se trata de um retrocesso ou que não há incoerência e incompatibilidade entre uma coisa e outra. Nesse perfil do MP – sério, transparente e pujante em relação a tudo que se produz em termos a fiscalização da administração pública –, o fato de não divulgar o salário por nome, mas sim por matrícula, não pode caracterizar uma incoerência.