Brasília - Rodos, baldes e sabão em mãos, manifestantes favoráveis à aprovação do projeto Ficha Limpa vão deixar a rampa do Congresso Nacional brilhando para os deputados federais. A lavagem programada para hoje à tarde é mais uma tentativa de sensibilizar os parlamentares sobre a proposta, que dificulta a candidatura de políticos com problemas na Justiça. Após modificações que suavizam as restrições, o texto deve começar a ser votado pela Câmara.
O projeto de lei de iniciativa popular conta com assinaturas de 1,6 milhão de brasileiros. A pressão popular, porém, não foi suficiente para evitar que os deputados se afastassem da proposição original, que previa que o candidato perderia o direito de concorrer caso fosse condenado em primeira instância. A primeira alteração definiu que a inelegibilidade seria determinada apenas pela sentença de um tribunal colegiado.
Na semana passada, o relatório do deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP) na Comissão de Constituição e Justiça foi mais além e acatou o pedido para que um efeito suspensivo possa validar a candidatura. Ou seja, quem for condenado por órgão colegiado e recorrer da decisão pode se valer do dispositivo e se candidatar. A concessão do efeito suspensivo obriga, por outro lado, que o processo passe a tramitar com prioridade.
"Nós aceitamos essa concessão porque ela, na prática, dará mais celeridade aos processos", diz a coordenadora do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Jovita José Rosa. Para ela, o candidato que sabe que será condenado vai optar por desistir da campanha por medo de que a ação seja julgada rapidamente. "Não é a proposta original, mas produz um efeito bem mais razoável."
O advogado paranaense Leandro Souza Rosa, especialista em Direito Eleitoral, afirma que a busca por um consenso desfigurou o projeto. "O que acaba desqualificando o projeto atual é a falta de uma regra objetiva e igualitária. Era muito melhor e claro estipular inelegibilidade pela condenação em segunda instância."
Na prática, a suavização da proposta é uma maneira de evitar o desgaste de protelar ainda mais a votação em plenário. "O que dá para sentir é que muita gente que é totalmente contra o projeto vai ter de votar a favor", diz o deputado federal Gustavo Fruet (PSDB). Líder da minoria na Câmara, ele acompanhou todas as negociações entre os líderes partidários e diz que a resistência nos bastidores é maior do que se imagina.
Outro deputado do Paraná, Dr. Rosinha (PT), afirma que a mudança que permite o efeito suspensivo acaba com um temor entre os parlamentares sobre a qualidade de algumas decisões da Justiça. "Se há problemas com os candidatos, vale lembrar que também há com o Judiciário. Nem todos os juízes têm ficha limpa."
Para começar a ser votado hoje, o projeto precisará tramitar em regime de urgência. O pedido de urgência tem de ser votado em sessão ordinária, marcada para o começo da tarde. Se aprovado, o texto deve começar a ser apreciado em sessão extraordinária.
A tendência é que a votação só seja encerrada amanhã. A emenda que viabiliza o efeito suspensivo pode ser votada separadamente. Além disso, os votos de todos os deputados serão identificados. Para ser aprovada, a proposta precisa do apoio de, no mínimo, 257 dos 513 parlamentares.
Depois de passar pela Câmara, o projeto precisa ser aprovado pelo Senado. E para ser válido para as eleições de outubro, precisa ser promulgado até o dia 10 de junho, quando começam as convenções partidárias. Ontem, o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), disse que não há chance de vencer esse prazo.
No embalo da indecisão do Congresso, três partidos já oficializaram que não vão liberar a candidatura de fichas-sujas DEM, PPS e PV. PT e PSDB estudam adotar a mesma medida.
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