Base para o apoio congressual e participação efetiva no eventual governo pós-impeachment, a Carta Compromisso – que o presidente nacional do PSDB, Aécio Neves (MG), vai entregar nesta terça-feira (3) ao vice-presidente Michel Temer – é um mini-programa de governo. O documento, elaborado por economistas tucanos coordenados pelo senador Tasso Jereissati (CE), começa com a defesa do combate à corrupção e proposta de reforma política que prevê a rediscussão do parlamentarismo a partir de 2018. O documento contem 15 pontos de uma agenda emergencial para recuperação da economia e retomada da geração de empregos que passa pela exigência da apresentação de medidas emergenciais de ajuste fiscal e simplificação do sistema tributário num prazo de 30 a 60 dias.
O documento será sacramentado em reunião da executiva nacional do PSDB marcada para as 11 horas e, em seguida, Aécio e outros integrantes da cúpula tucana almoçam com Temer no Palácio do Jaburu. Os dirigentes do partido incluíram também a manutenção e qualificação dos programas sociais com portas de saída, reforma política com redução de partidos para preparar o ambiente para adoção do parlamentarismo, a qualificação da gestão pública com a redução do aparelhamento do estado e a mudança na forma de montagem dos governos de coalizão, tirando dos partidos o poder para impor indicações. O primeiro item é o compromisso inarredável com continuidade de investigações da Operação Lava Jato.
Análise: A carta de entrada que abre a porta de saída
“O relevante para que o PSDB apoie um governo de salvação do país é o compromisso de Temer com a agenda que estamos preparando e que prevê uma reforma do Estado para qualificar a gestão pública, com redução de ministérios e aprimoramento dos programas sociais. Apresentaremos um conjunto de propostas que é a síntese do que achamos necessário para tirar o Brasil dessa enorme crise. O essencial para nós é o apoio a essa agenda. O PSDB tem responsabilidade e não vai faltar ao país”, explicou Aécio, ao falar do documento.
Uma prévia do documento mencionava a adoção de mandatos independentes para o Banco Central, mas a pedido do senador José Serra (SP), cotado para assumir o Ministério das Relações Exteriores mas com preocupações na área econômica, esse item foi retirado.
“O documento do PSDB é a base para o apoio do partido ao governo Temer. Não tem a pretensão de detalhar nada sobre como fazer os enunciados que estamos fechando. Mas há no documento um trecho grande, da reforma política que, além das cláusulas de barreira para reduzir as quase quatro dezenas de partidos hoje existentes, discorre sobre a necessidade de mudança sobre a fórmula de funcionamento dos governos de coalizão. Não tem sentido aumentar o número de ministérios para abrigar todos os partidos que apoiam o governo. Um exemplo do que defendemos, foi a escolha de Serra por Temer. Serra não foi uma exigência do PSDB, foi uma escolha de Temer, mas o partido apoia”, explica o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), que participou da discussão da plataforma que chegará nesta terça-feira (3) a Temer.
Dentro do item da reforma política, embora há quase uma unanimidade no partido sobre a mudança do regime de governo para o parlamentarismo no futuro, o tucano diz que não há consenso sobre quando seria esse “futuro”: se 2018, 2022 ou 2026. “O mais urgente é aprovarmos as cláusulas de barreira para redução drástica do número de partidos e preparar o ambiente para o parlamentarismo”, diz o tucano.
Sobre a Lava Jato, o documento com a defesa da continuidade das investigações encabeçando as propostas é uma forma de o PSDB minimizar o impacto político de citações a tucanos como o presidente Aécio Neves (MG), que teve hoje pedido de abertura de inquérito por parte do procurador geral da República, Rodrigo Janot. A ideia é não deixar dúvidas que o partido confia que, ao final das investigações, o inquérito contra Aécio será arquivado.
Confira a íntegra do documento
Princípios e valores para um novo Brasil
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira Brasília
1. Combate irrestrito à corrupção – É imperativo que o novo governo assegure expressamente que todas as investigações em curso – em especial as empreendidas no âmbito da Operação Lava Jato com foco no combate à corrupção – terão continuidade, sem serem submetidas a constrangimentos de quaisquer naturezas. Também estará garantida a independência funcional dos órgãos de controle externo e interno, como CGU e TCU, e de investigação e persecução criminais, como a Polícia Federal e o Ministério Público.
2. Reforma política imediata – Defendemos a realização de uma imediata reforma política que busque garantir máxima legitimidade e representatividade aos eleitos, que tenha como uma das prioridades a imposição de cláusula de desempenho eleitoral mínimo para o funcionamento dos partidos políticos, além da adoção do voto distrital misto e do fim das coligações proporcionais. Defendemos também mais rigor da Lei das Inelegibilidades e da Lei da Ficha Limpa. Devemos criar as bases de um novo sistema político para que possamos, a partir de 2018, voltar a discutir a implementação do parlamentarismo no Brasil.
3. Renovação das práticas políticas e profissionalização do Estado – O novo governo deve estar comprometido com o combate incessante ao fisiologismo e à ocupação do Estado por pessoas sem critérios de competência. Ministérios e cargos comissionados devem ser expressivamente reduzidos. Por outro lado, as carreiras típicas de Estado e os gestores públicos devem ser valorizados. Os cargos na administração devem ser preenchidos com base na estrita observância à qualificação técnica do indicado, tendo sempre como norma a busca pela maior eficiência no uso do recurso público e a promoção da meritocracia na administração pública, inclusive em empresas estatais, agências reguladoras e fundos de pensão. As ações do Estado devem ganhar transparência e sujeitarem-se ao escrutínio e à fiscalização da sociedade.
4. Manutenção e qualificação dos programas sociais, com redução da desigualdade e promoção de oportunidades – Numa situação de crise aguda como a atual, deve estar garantida a manutenção e a ampliação dos programas sociais que se direcionam para os segmentos mais vulneráveis e de menor renda da população, em especial o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, o Pronatec, o Fies e o Prouni. Adicionalmente, os programas sociais precisam ter como foco a melhoria da educação e a promoção de oportunidades iguais para todos os cidadãos – neste sentido, especial atenção deve ser dedicada a pessoas com deficiência, jovens e minorias. Nenhum resultado, porém, será satisfatório sem que o país obtenha a retomada do crescimento econômico, com ênfase na geração de empregos.
5. Revisão dos subsídios fiscais para fomentar o crescimento – É necessária a reformulação da política de subsídios, renúncias fiscais e financiamentos patrocinada por bancos públicos e agências de fomento. Os subsídios financeiros e creditícios precisam passar por rigorosa revisão e as linhas de crédito de bancos públicos, em especial do BNDES, devem ser conduzidas com absoluta transparência. A prioridade deve ser dada a projetos de elevado retorno social, em especial projetos com maior capacidade de geração de empregos nas seguintes áreas: saúde, educação, saneamento, segurança, mobilidade urbana e tecnologia.
6. Responsabilidade fiscal – Um governo comprometido em cuidar bem do dinheiro dos contribuintes não pode gastar mais do que arrecada e deve ter compromisso com o equilíbrio das contas públicas. O Executivo deverá apresentar, em no máximo 30 dias, um conjunto de medidas para a recuperação do equilíbrio das contas públicas que sinalize o controle do crescimento da dívida pública até 2018.
7. Combate rigoroso à inflação, preservando o poder de compra dos salários – A inflação deve ser tratada com tolerância zero, para o que é fundamental o auxílio da política fiscal (controle de gastos públicos), de forma a reduzir o papel das taxas de juros no controle da inflação.
8. Simplificar o sistema tributário, torná-lo mais justo e progressivo – Deve-se buscar a unificação de tributos e a redistribuição mais justa da carga. O Executivo deve apresentar nos primeiros 60 dias do novo governo uma proposta de simplificação radical da carga tributária e iniciativas para aumentar a progressividade e a justiça tributária na cobrança de impostos. Qualquer medida nesta área deve ser a mais horizontal e equilibrada possível.
9. Reformas para a produtividade – É imperativo que o novo governo proponha, em regime de urgência, uma agenda de reformas estruturais que criem condições para que o Brasil volte a ser um país competitivo, com melhores condições de gerar emprego, renda e bem-estar para as pessoas, e com equilíbrio nas contas públicas. E, ainda, recupere as agências regulatórias por meio de gestão profissional que busque de forma equilibrada o interesse da sociedade e o aumento significativo do investimento em infraestrutura, baseado num programa consistente de privatizações e concessões. Estes serão os motores para a retomada do crescimento e as premissas para a melhoria das condições de vida e o aumento da produtividade no país.
10. Maior integração do Brasil com o mundo – Para recuperar seu papel no concerto das nações, o país precisa reorientar sua política externa e comercial de maneira enérgica para que possa se reintegrar à economia global e ampliar as oportunidades de empresas e de cidadãos brasileiros. Nossa diplomacia deve se guiar pelo interesse nacional e não por ideologias.
11. Sustentabilidade em prática – O Brasil tem condições de liderar a agenda global da sustentabilidade, começando por ampliar e inserir mecanismos de adaptação e mitigação aos efeitos da mudança climática em todas as políticas públicas. É desejável também que o país acelere a consecução das metas de redução de emissões de gases de efeito estufa estabelecidas no Acordo de Paris.
12. Reformulação das políticas de segurança pública – A segurança pública deve ser objeto de trabalho integrado das polícias, de modernização das formas de combate ao crime organizado e de uma política adequada de enfrentamento à questão das drogas, agora capitaneados pelo governo federal.
13. Educação para a cidadania – Os recursos disponíveis precisam ser mais bem aplicados, a começar pelo apoio a estados e municípios que cumprirem metas rigorosas de cobertura e melhoria da qualidade e equidade nos sistemas de ensino, associado a um amplo programa de formação e valorização de professores. Uma das primeiras tarefas do novo governo é redefinir as novas bases curriculares, para que realcem a cidadania e efetivamente contemplem saberes que abram portas para crianças e jovens. A educação deve estar voltada ao desenvolvimento humano e ao trabalho.
14. Mais saúde para salvar vidas – A atuação do Estado na saúde deve estar voltada a salvar e melhorar a vida dos brasileiros, e não a remediar arranjos político-partidários. É preciso aumentar a eficiência e a sustentabilidade financeira do sistema, que hoje desperdiça recursos. Com sua base de financiamento cada vez mais reduzida, o sistema público tem que dar prioridade aos mais pobres. O primeiro passo deve ser ampliar a atenção básica com medidas estruturantes, a começar pelo fortalecimento e a expansão do Saúde da Família, com atenção especial a idosos e crianças.
15. Nação solidária: mais autonomia para estados e municípios – Defendemos que a relação entre União, estados e municípios seja mais equilibrada, pondo fim a uma política marcada pela subserviência e pela troca de favores. É urgente a definição de um novo pacto federativo que fortaleça e aumente a autonomia de estados e municípios, para que possam gerir melhor os bens públicos, aplicar melhor os recursos e, desta maneira, fazer aquilo que de fato devem fazer: cuidar melhor das pessoas. É imperativo que o governo federal lidere este pacto, inclusive para superar impasses como os que hoje se encontram pendentes de decisão do Supremo Tribunal Federal.
Análise: A carta de entrada que abre a porta de saída
O documento que o PSDB irá entregar ao vice-presidente Michel Temer nesta terça-feira, intitulado “Princípios e valores para um novo Brasil”, tem uma tripla função: tentar diferenciar a entrada dos tucanos no governo do adesismo reinante na maioria dos partidos brasileiros; reforçar que o PSDB tem seu próprio programa e projeto de país, que deverá ser reapresentado aos eleitores em 2018; e deixar aberta desde já uma porta de saída, caso o eventual governo Temer se torne indefensável.
Embora a carta formalize a convergência entre tucanos e peemedebistas no campo econômico, todos os envolvidos sabem ser impossível que outros pontos dela sejam integralmente cumpridos.
Enquanto o vice se preocupa em como colocar em sua esplanada representantes de 11 legendas – até do PPS, com 9 deputados, ou 1,8% do parlamento –, os tucanos clamam por uma reforma política com redução do número de partidos. Enquanto Temer negocia o Ministério da Saúde com o PP, tucanos pedem o compromisso “com o combate incessante ao fisiologismo”.
Principais nomes do partido para a disputa de 2018, Aécio Neves e Geraldo Alckmin preferiam manter-se em cima do muro: dando apoio parlamentar mas sem assumir cargos. Acusados interna e externamente de priorizar cálculos eleitorais em detrimento do futuro do país, sucumbiram à posição de José Serra e organizaram o ingresso na Esplanada. No entanto, se a gestão Temer for trágica, o bilhete de entrada entregue hoje será prontamente apresentado pelos arrependidos como um alvará de saída.
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