A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de considerar propina uma doação eleitoral devidamente registrada deixou o Congresso em ebulição. Integrantes de praticamente todos os partidos reagiram e começaram a montar uma nova estratégia para promover a anistia a crimes relacionados ao financiamento de eleições. A medida valeria tanto para o caixa dois como para doação oficial.
Políticos no contra-ataque
“Há uma diferença entre quem recebeu recursos de caixa dois para financiamento de atividades político-eleitorais, erro que precisa ser reconhecido, reparado ou punido, daquele que obteve recursos para enriquecimento pessoal, crime puro e simples de corrupção.”
Fernando Henrique Cardoso (PSDB), ex-presidente da República.
“É preciso separar o joio do trigo. Ter cuidado para não misturar pessoas que fizeram corrupção, se enriqueceram, patrimonialismo, com outros casos.”
Geraldo Alckmin (PSDB), governador de São Paulo.
“É preciso definir o que é caso de corrupção, o que é caso de financiamento ilícito de campanha e o caso de doações oficiais, para não jogar todas na mesma vala comum e acabar dando decisões diferentes para casos idênticos. Casos de corrupção devem ser punidos, existindo provas que houve corrupção, em qualquer hipótese devem ser punidos.”
Deputado Efraim Filho (DEM-PB), líder do partido.
“Chico, ninguém me convence de que quem rouba e assalta o Estado pode ser igual a um cara que recebeu 100 pratas para se eleger, ser colocado no mesmo bolo. Está ficando tudo igual. Não dá para misturar Chico.”
Senador Aécio Neves (PSDB-MG), em conversa com o deputado federal Chico Alencar (PSol-RJ).
“Essa decisão de considerar doação declarada em propina é um caminho aberto para tentar atingir o PT, em relação ao qual existe um pedido de cassação do registro baseado em supostas doações feitas no exterior.”
Rui Falcão, presidente do PT.
“Certamente em várias oportunidades, no país inteiro, os partidos políticos receberam doações que não registraram”. “Isso aí, evidentemente, ocorreu em todo o país e ocorre há muito tempo. Deve ter ocorrido recentemente também nas campanhas eleitorais.”
Tarso Genro (PT), em depoimento ao juiz federal Sergio Moro, em fevereiro.
“Vai haver um esforço muito grande para o Supremo fazer a distinção do que foi propina, do que foi doação legal, do que foi caixa 2. Não sei como vai conseguir. É uma anomalia.”
Deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA)
A articulação ganhou corpo na quinta-feira (9), com parlamentares ainda perplexos com a decisão da Segunda Turma do STF de acatar tese do Ministério Público — dinheiro ilegal de doação oficial é crime — e transformar o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) em réu.
A ideia que começou a tomar corpo no Congresso é votar uma mudança na legislação eleitoral junto com o pacote das 10 Medidas de Combate à Corrupção, na Câmara. O pacote terá que ser votado novamente, também por determinação do STF.
“Pelo que ouvi vão botar isso na votação das 10 medidas. Eles aprovam as medidas de combate à corrupção sem distorcer o objetivo e junto, no pacote, a anistia às doações de caixa 2. Com o pavor que tomou conta da Casa, depois que passar na Câmara, passa fácil no Senado. Esse é o movimento em curso”, contou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Segundo a coluna Panorama Político, do jornal O Globo, a cúpula do PMDB já tem discurso pronto para a aprovação da anistia ao caixa 2. Diz que a ideia pouco difere da repatriação de recursos, com a segunda rodada prestes a ser aprovada no Senado. “É também uma espécie de anistia. Não se sabe a origem do dinheiro”, diz um senador.
Logo após a decisão do Supremo, na última terça-feira, o líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), comandou uma longa reunião da bancada no Senado onde o caso de Raupp foi exaustivamente debatido. O clima era de revolta, perplexidade com a mudança de paradigma em relação às doações de campanha, e de solidariedade a Raupp.
“Agora qualquer tipo de doação pode ser considerado propina”, protestou o senador Jader Barbalho (PMDB-PA), investigado na Operação Lava Jato.
Antes mesmo da decisão do tribunal, políticos de vários partidos já defendiam a separação do “joio e do trigo”, argumentando que doação para fins eleitorais era diferente de doação embolsada como propina ou com intenção de enriquecimento ilícito. Essa argumentação foi usada de forma recorrente pelo PT durante o julgamento do mensalão. Embarcaram no coro o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e o deputado Efraim Filho (DEM-PB), entre outros. O senador Aécio Neves (PSDB-SP) e Rui Falcão, presidente do PT, reclamaram da criminalização da doação oficial.
Na noite de segunda-feira, em um encontro da elite política de Brasília, até o deputado federal de oposição Chico Alencar (PSol-RJ) deu apoio a Aécio Neves, que reclamava que todos os políticos passaram a ser considerados “bandidos”. Devido à má repercussão, Alencar divulgou um vídeo na quinta-feira para se desculpar por “erros” cometidos no jantar. Ele negou a participação dele e do PSol em qualquer tipo de pacto para salvar os políticos envolvidos na Lava Jato.
10 medidas
Por determinação do STF, a proposta das 10 medidas retornou à Câmara para a verificação das assinaturas. Se as assinaturas da proposta de iniciativa popular forem confirmadas pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ), o projeto poderá voltar diretamente para o Senado, segundo entendimento do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). Mas se a proposta de anistia for incluída, terá que ser votada também na Câmara. A manobra já chegou a ser articulada na Câmara, mas foi abortada na época.
No Senado, a pressão maior vem do PMDB e do PSDB. O discurso é que não se pode confundir propina com caixa dois. O movimento para retomar essa discussão — que começou antes de o Senado devolver o pacote à Câmara — ganhou força depois dos sinais do Supremo de que não compactuará com caixa dois em campanhas, ao tornar réu o senador Valdir Raupp num processo a respeito.
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