País só tem 4 leis de iniciativa popular
Vinte e três anos após a promulgação da Constituição Federal, a Lei da Ficha Limpa foi apenas o quarto projeto de iniciativa popular a ser aprovado pelo Congresso. O número reduzido é reflexo da falta de participação da população na política, agravada pelo número reduzido de mecanismos que possibilitem que isso ocorra.
Eleições 2010
Mesmo sem valer, legislação barrou políticos
Apesar de não ter valido para 2010, a Lei da Ficha Limpa já teve efeito nas eleições do ano passado. A própria existência da lei, cuja validade para o ano passado ainda era questionada durante a campanha eleitoral, desestimulou a participação de candidatos com condenações em segunda instância judicial. Alguns desistiram da candidatura, outros de fazer campanha (e tiveram votações ínfimas).
Nacionalmente, o caso mais famoso foi o de Joaquim Roriz (PSC), candidato a governador do Distrito Federal. Cinco dias antes da sanção da lei, o candidato, que já havia governado Brasília por quatro mandatos, abdicou de sua candidatura em favor de sua esposa, Weslian Roriz (PSC). Despreparada, ela acabou fazendo mais sucesso por suas gafes em debates do que por suas propostas. E acabou perdendo no segundo turno para Agnelo Queiroz (PT).
No Paraná, ocorreu um caso parecido com o deputado estadual Luiz Fernandes Litro (PSDB). Problemas com a Justiça dos tempos em que era vereador em Dois Vizinhos fizeram com que o deputado renunciasse à sua candidatura e lançasse sua mulher, Rose Litro (PSDB). Ela foi eleita e hoje exerce mandato na Assembleia Legislativa do Paraná. Os ex-deputados estaduais Jocelito Canto (PTB) e Dobrandino da Silva (PMDB) também desistiram de se candidatar à reeleição.
Mesmo com o risco de perder os mandatos na Justiça, alguns candidatos se arriscaram e levaram a campanha até o fim. Jader Barbalho (PMDB-PA) foi um deles. Recebeu votos suficientes para se eleger senador, e hoje aguarda a diplomação como a lei ainda estava em discussão no STF, o ex-senador foi considerado inelegível e não tomou posse.
A Lei da Ficha Limpa completou na última quinta-feira dois anos de existência, desde que a proposta foi entregue ao Congresso como projeto de lei de iniciativa popular. Apesar de sua legalidade ainda ser alvo de contestação no Supremo Tribunal Federal (STF), é possível dizer que a Ficha Limpa já trouxe um legado importante para a política brasileira. O processo de proposição da lei, levado adiante pela sociedade civil com apoio de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), mostrou que um projeto tem mais chances de ser aprovado rapidamente no Congresso quando há pressão popular.
Ao todo, 1,3 milhão de brasileiros assinaram um documento apoiando a proposta, que teve uma tramitação ágil no Legislativo: a entrega da proposta ao Congresso foi feita em 29 de setembro de 2009 e a sanção presidencial ocorreu em 4 de junho de 2010.
Nas primeiras eleições logo após a aprovação da lei, no ano passado, sua aplicação ficou pendente: havia um debate se a legislação poderia ou não ser considerada válida, pois foi aprovada menos de um ano antes das eleições, como prevê outra lei. A questão foi decidida no STF apenas em março deste ano: por seis votos a cinco, a Lei da Ficha Limpa foi considerada inválida para as eleições de 2010.
De acordo com a lei, candidatos com condenações em órgãos judiciais colegiados perdem o direito de participar de eleições por oito anos. Antes disso, era necessário que as ações transitassem em julgado ou seja, um candidato poderia se eleger caso a ação ainda tramitasse em órgãos superiores, como o STF ou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Conscientização
Jovita Rosa, diretora do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), entidade que comandou a formulação da lei, diz que só a conscientização das pessoas a respeito dos problemas de irregularidades de políticos já pode ser considerado um ponto positivo de toda a mobilização. "A lei gerou debates e questionamentos a respeito da situação do país", diz ela. Além disso, Jovita cita a esperança como um aspecto fundamental de todo o processo. "As pessoas ficavam indignadas com a corrupção, mas não tinham um caminho por onde iniciar essa luta. A Lei da Ficha Limpa trouxe essa esperança."
A diretora do MCCE cita também a importância do efeito cascata da lei. "Vários órgãos estaduais e municipais estão aplicando a lei para cargos de confiança", exemplifica. Já existem propostas de estender a legislação para todos os funcionários comissionados da União, do Paraná e do Distrito Federal, por exemplo.
Questionamento jurídico
Apesar da pressão popular, o STF ainda não decidiu se a Lei da Ficha Limpa valerá para 2012. Com a aposentadoria da ministra Ellen Gracie, em agosto, o plenário do Supremo está com apenas dez ministros. Essa situação preocupa o MCCE: no ano passado, a corte demorou para decidir a validade da lei para as eleições de 2010 por causa de um empate. A questão foi fechada apenas em março, quando o ministro Luiz Fux assumiu a vaga deixada por Eros Grau, também aposentado.
Existem dois questionamentos jurídicos principais em relação à lei: primeiro, sobre sua constitucionalidade. Alguns juristas argumentam que, ao impedir que cidadãos possam concorrer a eleições mesmo sem condenação em última instância, a lei fere o princípio da presunção da inocência o que tornaria a legislação inconstitucional. Segundo, existe uma dúvida se a lei vale também para candidatos que buscam a reeleição. Ao todo, existem cerca de 56 ações relativas a essa lei, e três questionam sua constitucionalidade.
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