Crítica
Para especialistas, condicionar repasses à execução fiscal é ilegal
Caroline Olinda
A decisão de condicionar o repasse de R$ 100 milhões para o Judiciário à arrecadação por meio de execuções fiscais pode ser considerada ilegal, na avaliação do especialista em Direito Administrativo André Barbi. De acordo com Barbi, o orçamento não pode fazer previsões de despesas baseadas em uma receita que não há certeza se será arrecadada.
"O Judiciário, na sua programação orçamentária, não pode trabalhar desta maneira. É preciso ter certeza se haverá ou não o dinheiro", afirma. O orçamento de 2011 para o Judiciário prevê despesas de R$ 1,1 bilhão, mas por enquanto há certeza apenas da arrecadação de R$ 1 bilhão. Os outros R$ 100 milhões dependem da arrecadação feita por meio de execuções fiscais, o que pode ocorrer ou não.
Alerta
O professor de Direito Financeiro Rodrigo Kanayama, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), ainda alerta que o dinheiro proveniente de execuções fiscais exceto aquele relativo ao pagamento de taxas que já têm destinos determinados não pode ser carimbado para uma função específica. Segundo ele, esse dinheiro deverá primeiro compor o caixa do tesouro do estado para depois ser distribuído.
Além dos problemas formais na elaboração do orçamento, a vinculação de parte do repasse ao Judiciário a execuções fiscais também pode gerar um conflito de interesses. Isso porque o responsável pelo julgamento dos pedidos de execução fiscal elaborados pelo Estado é o próprio Judiciário. Apesar disso, o presidente da Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar), Gil Guerra, não vê na existência da condicionante uma forma de pressão para que juízes tomem decisões favoráveis ao governo.
"Não enxergamos a existência de qualquer tipo de pressão. Mesmo porque cada um dos juízes que trabalham na área vai julgar da maneira como considera correta", afirma Guerra. O presidente da Amapar afirma que a a regra prevista para o próximo ano está dentro da normalidade. "O que se buscou foi estabelecer de forma clara a fonte de recurso de onde virão esses R$ 100 milhões", diz. De acordo com ele, a arrecadação desses R$ 100 milhões está dentro da média dos últimos anos.
Os aumentos aprovados ontem pelos deputados estaduais só foram possíveis porque a Comissão de Orçamento da Casa chegou a um acordo com o Ministério Público Estadual (MP) e com o Tribunal de Justiça (TJ) para resolver como seria o orçamento das duas instituições no próximo ano.Aliados do futuro governo Beto Richa (PSDB) haviam apresentado emendas que cortavam R$ 351 milhões do MP e do Judiciário. Um entendimento fechado na última segunda-feira permitiu que os valores voltassem ao teto anterior, condicionando, porém, o valor máximo a um aumento de arrecadação. O acordo é considerado ilegal por especialistas.
O desentendimento começou quando o deputado estadual Duílio Genari (PP), aliado de Richa na Assembleia, apresentou uma emenda ao orçamento retirando o dinheiro do Fundo de Participação dos Estados (FPE) do bolo usado para calcular os repasses ao MP e ao TJ. O Judiciário perderia R$ 270 milhões com a mudança e o Ministério Público, R$ 81 milhões. As duas instituições chegaram a cogitar uma ação judicial para conseguir reverter a decisão, caso a emenda fosse aprovada. A emenda, porém, foi retirada ontem por Genari.
A ideia básica do acordo é que a maior parte do repasse será mantida de qualquer forma. Uma parte, porém, fica condicionada às execuções fiscais que sejam realizadas pelo Estado em 2011. Assim, ficam pendentes R$ 100 milhões do orçamento de R$ 1,1 bilhão do Judiciário paranaense. E, do Ministério Público, o orçamento de R$ 454 milhões fica com R$ 28 milhões dependentes das execuções.
As execuções fiscais são o resgate, por parte do Estado, de dívidas de cidadãos e de empresas. É o que acontece, por exemplo, quando uma pessoa jurídica tem o seu débito de ICMS colocado em dívida ativa do Estado. O juiz determina a execução e o Estado a realiza. Atualmente, o Paraná tem a receber cerca de R$ 11,4 bilhões em créditos não pagos à Receita Estadual.
Repasse
Aliados de Beto Richa vinham dizendo que o repasse integral ao MP e ao TJ seria inviável com a arrecadação prevista para o próximo ano. A declaração chegou a ser feita pelo secretário-chefe da Casa Civil indicado por Richa, o atual deputado estadual Durval Amaral (DEM).
Questionado se condicionar parte do orçamento do TJ ao cumprimento de execuções fiscais em 2011 não levaria o tribunal a decidir em favor da cobrança em ações que venha a julgar, o futuro líder do governo Richa na Assembleia Legislativa, deputado estadual Ademar Traiano (PSDB), afirmou não ver problemas na medida. "É uma dívida consumada. Então, trata-se de um débito existente e que o Estado tem a arrecadar. Grande parte disso já é coisa executada", afirmou. "Não há como o Judiciário colocar isso como imposição. Não é uma imposição fiscal. Se entrar no caixa do estado, o TJ recebe. Do contrário, não."
Missão
Segundo o tucano, governo e Judiciário terão uma "missão de corresponsabilidade" no recebimento das execuções fiscais. O intuito é criar mais quatro varas de Fazenda Pública no estado para acelerar os processos, que hoje demoram dois anos apenas para serem instruídos.
Relator da Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2011, o deputado Nereu Moura (PMDB), também defendeu o acordo fechado com o TJ e o MP. "O Paraná tem um crédito monstruoso de dívida ativa. O que o Judiciário tem que fazer é cobrar o que há a receber", afirmou. "Mas até o Judiciário tem que obedecer o que está escrito na lei. Portanto, não poderá cometer nenhuma ilegalidade ou isso será derrubado por instâncias superiores."
No total, a LOA para 2011 prevê receitas brutas de R$ 27,8 bilhões. Nesse cenário, Beto Richa terá 7% da receita líquida cerca de R$ 1,75 bilhão para utilizar como quiser, sem a necessidade de pedir autorização à Assembleia.
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