Em meio à recessão, não são só os estados e a União que estão quebrados. As prefeituras também fecharam as contas de 2015 à beira da colapso. O Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF), divulgado nesta quinta-feira (28) pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), recuou 7,5% ano passado em relação a 2014, atingindo 0,4432, o menor nível desde 2006. O IFGF varia de 0 e 1 (quanto mais perto de 1, melhor a situação fiscal do município) e sua série história começou há dez anos. Beneficiado pela instalação de uma fábrica da Klabin, o município paranaense de Ortigueira, nos Campos Gerais, lidera o ranking de boa gestão fiscal (leia mais no box).
Nos cálculos da Firjan, as prefeituras fecharam suas contas em 2015 com um déficit nominal (saldo negativo entre receitas e despesas, incluindo gastos com juros) de R$ 45,8 bilhões. A projeção da equipe de economistas da entidade empresarial é que esse rombo chegue a R$ 60 bilhões este ano.
Ortigueira, nos Campos Gerais do Paraná, lidera ranking de boa gestão fiscal
A boa gestão fiscal é uma coisa rara nas cidades brasileiras: apenas 23 cidades (0,5% do total) ficaram com indicador acima de 0,8 no IFGF de 2015.
Nessa ilha de excelência, há cinco cidades paulistas: São Pedro, Louveira, Indaiatuba, Ilhabela e Ilha Comprida. Ainda assim, o ranking do IFGF é liderado por Ortigueira, nos Campos Gerais do Paraná, que viu suas receitas e investimentos crescerem com a instalação de uma fábrica de celulose da Klabin na cidade, um investimento de R$ 8,5 bilhões.
Em segundo lugar, vem São Gonçalo do Amarante (CE), que também viu receitas e investimentos subirem na esteira da instalação do Complexo Industrial e Portuário de Pecém.
Segundo a Firjan, a terceira colocada, São Pedro, cidade de 34 mil habitantes a cerca de 170 quilômetros da capital, se destaca porque é um destino turístico e conseguiu nota máxima nos itens relacionados à capacidade de investimento e à gestão de caixa.
Ilhabela também alcançou nota máxima em quatro das cinco variáveis, mostrando que é possível alcançar bons resultados fiscais mesmo com baixa receita própria, segundo a Firjan.
Fora da lista das dez maiores do país, as maiores altas na passagem de 2014 para 2015 foram verificadas em São José do Rio Preto e Caraguatatuba. Segundo a Firjan, a primeira se destacou porque aumentou os investimentos, enquanto a segunda melhorou a gestão de caixa.
A capital não está entre as dez melhores do estado: ficou em 19º lugar, com 0,7207 ponto, 3,4% acima de 2014. No ranking nacional, São Paulo aparece na 100ª posição, mas é a sexta melhor capital. “São Paulo tem um interior muito desenvolvido”, diz Mercês.
Segundo ele, a capital avançou em 2015 porque pagou menos juros de sua dívida com a União, após a renegociação do indexador.
Ainda assim, nem em São Paulo a boa gestão das contas públicas é disseminada. A grande maioria (87,4% do total) das prefeituras paulistas está em situação fiscal difícil ou crítica (ou seja, com IFGF abaixo de 0,6 ponto).
O índice da Firjan sintetiza dados públicos sobre a capacidade de a prefeitura gerar receita própria, o peso dos gastos com pessoal, a capacidade de investir, a qualidade da gestão do caixa e o endividamento público.
Segundo o economista-chefe da Firjan, Guilherme Mercês, o grande vilão do desequilíbrio das contas das prefeituras foi o crescimento excessivo dos gastos com pessoal nos anos recentes de bonança na arrecadação, assim como no caso dos Estados. No domingo, o jornal O Estado de S. Paulo mostrou que o gasto com pessoal nos governos estaduais cresceu em pelo menos R$ 100 bilhões de 2008 para cá.
Com a recessão, que se agravou em 2015, a receita com tributos está em queda livre. Para se ajustar, as prefeituras só conseguem cortar gastos com investimentos em asfaltamento de ruas, iluminação pública, limpeza e postos de saúde, serviços essenciais para o dia a dia dos moradores.
No quadro geral, 87% dos municípios pesquisados têm IFGF abaixo de 0,6, com situações classificadas como “crítica” ou “difícil”. Apenas 23 cidades têm indicador acima de 0,8, nível considerado “excelente” pela Firjan.
Para o economista Raul Velloso, especialista em finanças públicas, é preciso separar a crise em dimensões conjuntural e estrutural. A mais importante é a conjuntural, com a recessão derrubando as receitas com impostos, diz Veloso. A parte estrutural é o peso dos gastos com pessoal e Previdência e, segundo o economista, é mais grave nos governos estaduais do que nas prefeituras.
“A crise tem raízes estruturais, mas não assumiria essa dimensão se não fosse o lado conjuntural”, diz Velloso.
Os municípios são mais atingidos pelo lado conjuntural da crise porque sua receita, na maioria dos casos, depende de repasses de tributos arrecadados pelos estados e pela União, como confirma o estudo da Firjan.
De acordo com Velloso, um agravante é que alguns dos tributos cobrados pelo governo federal e depois repartidos, como Imposto de Renda (IR) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), são os mais afetados pela recessão. Os principais tributos cobrados pelas prefeituras, o Imposto sobre Serviços (ISS) e o IPTU, sobre propriedade, caem menos em épocas de economia encolhendo.
Apesar disso, essa arrecadação é insuficiente para arcar com a administração das cidades, como mostra o IFGF. O componente que mede a capacidade de gerar receita própria é o mais baixo dos cinco que formam o índice de Firjan.
Mercês, da Firjan, critica a criação de municípios, segundo ele excessiva, o que acaba elevando custos administrativos. “Se a cidade não tem capacidade de se sustentar com receitas próprias, por que foi criada?”, questiona Mercês.
Segundo a Confederação Nacional de Municípios (CNM), foram criadas 1.446 cidades desde a Constituição de 1988, que reconhece os municípios como entes da federação. Na visão do presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, o problema da gestão pública nas prefeituras está na falta de equilíbrio no pacto federativo e não na quantidade de cidades ou no seu tamanho.
Ziulkoski ressalta que empresas e cidadãos geram produção e renda nas cidades, mas a maior parte dos tributos é cobrada pelo governo federal e pelos Estados, ainda que volte depois na forma de repasses. Segundo dados levantados pela CNM, do R$ 1,850 trilhão arrecadado em 2014, apenas 7%, ou R$ 125 bilhões, ficaram diretamente com as prefeituras.
“Dizem que as prefeituras vivem de mesada. É mentira. Quem vive de gigolô é a União”, afirma Ziulkoski. Para ele, somente um novo pacto federativo, com mais autonomia para as cidades, poderia resolver o problema.
Pior gestão fiscal
Os municípios com a pior gestão das contas públicas estão concentrados no Nordeste. Na lista das 500 piores cidades no IFGF do ano passado, 384 (76,8%) estão na região. O Sudeste vem em seguida, com 15% do total. Entre os dez piores, nove estão no Nordeste. Apenas Normandia, em Roraima, a quarta pior do ranking, está fora da região. As três últimas colocadas ficam na Bahia: Floresta Azul é a pior, seguida de São José da Vitória e Itapitanga.
Para Mercês, é preciso melhorar os instrumentos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), reforçando o que chama de regras de “comportamento”. “Precisamos de regras de comportamento, para que isso não volte a acontecer”, diz Mercês.
O economista também defende a proposta de emenda constitucional (PEC) elaborada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para criar um teto no crescimento dos gastos públicos. Para Mercês, a regra deverá valer para estados e municípios.
“O teto nominal é uma solução de médio prazo. No curto prazo, as penalidades da LRF precisam ser aplicadas. Os tribunais de contas têm de fazer auditorias”, diz Mercês.