Entrevista
"A Rede não é nem de direita nem de esquerda; busca mudar a política"
Clair da Flora Martins, ex-deputada federal e integrante da Rede no Paraná.
A ex-deputada federal Clair da Flora Martins é a única integrante da Rede no Paraná que já ocupou um cargo eletivo. Ex-filiada ao PT, ao PV e ao PSol, a advogada trabalhista ocupou uma cadeira na Câmara entre 2002 e 2007. Desde janeiro, a convite da ex-senadora Marina Silva, passou a trabalhar para consolidar a Rede no estado.
Por que a senhora aderiu à Rede?
Estive no PT, no PV e no PSol, sempre em busca de um partido que represente os interesses da população. Espero que a Rede dê uma resposta a isso. Eu já apoiava a Marina. Em janeiro, ela me pediu para assumir a organização no Paraná e ajudar a construir o programa e o estatuto. As mobilizações sociais mostraram que há uma crise de representatividade no país. E a Marina compartilha esse sentimento, no sentido de que os partidos são pouco representativos e não têm uma democracia interna, de participação dos militantes.
Como será o programa do partido?
Isso está em discussão; só vai se definir a partir da segunda quinzena de setembro.
Quais serão os critérios para a filiação?
A pessoa terá de assinar um documento concordando com as premissas do estatuto e do programa e passar por uma avaliação do conselho de ética. O perfil da Rede é de pessoas que ainda não tiveram um grande engajamento partidário, mas são pessoas engajadas politicamente, que querem mudanças estruturais e uma nova forma de fazer política.
Como evitar que, uma vez no poder, o partido adote as práticas comuns a outras siglas?
Temos pensado em alguns mecanismos, como um conselho de pessoas representativas da sociedade. Elas poderão acompanhar o partido e ver se ele está se conduzindo dentro dos princípios que o nortearam a assembleia de fundação. Temos um dispositivo que diz que, no prazo de dez anos, haverá uma ampla consulta referente à continuidade ou não do partido. Se ele não cumprir seu papel, vai se extinguir.
A Rede nasce como um partido de esquerda?
A Marina tem dito que a Rede não é nem de direita nem de esquerda; tem um conteúdo programático que busca mudanças substanciais na condução política, mudanças no sentido dos valores da sociedade.
Um partido sem quadros históricos ou políticos experientes, que nasceu no seio da esquerda, mas que não quer ficar preso ao dogmatismo das bandeiras vermelhas. E que pretende instituir uma "nova forma de fazer política", sem fisiologismos ou trocas de favores. Com essa plataforma, não serão poucos os obstáculos no caminho da Rede Sustentabilidade, da ex-ministra Marina Silva. O primeiro deles ainda não foi vencido: reunir 492 mil assinaturas em todo o país para formalizar a criação do partido até 4 de outubro pela lei eleitoral, os partidos devem estar registrados até um ano antes das eleições.
O caminho da Rede em busca do registro não tem sido dos mais fáceis. Marina chegou a fazer uma reclamação ao Tribunal Superior Eleitoral sobre a lentidão de alguns cartórios para validar as assinaturas dos apoiadores. Segundo o site da Rede, já foram coletadas quase 900 mil assinaturas, mas até a sextafeira apenas 345 mil haviam sido validadas. No Paraná, segundo coordenador estadual da Rede, Evandro Martini, foram coletadas cerca de 34 mil assinaturas, mas só 17 mil foram reconhecidas.
Desilusão e resgate
Dificuldades à parte, o que leva quase 900 mil pessoas a assinarem uma ficha em apoio à criação de um partido, em um momento de desilusão tão profunda com a política? Para os apoiadores da Rede, um dos atrativos é a figura de Marina a ex-ministra do Meio Ambiente teve 19,6 milhões de votos na eleição presidencial de 2010, quando concorreu pelo PV.
Mas não fica nisso: a avaliação é que as pessoas se cansaram da forma como se faz política no Brasil. Em sintonia com essa desilusão, a Rede já prevê a realização de um grande congresso daqui a dez anos que, segundo os militantes, poderá levar à extinção da sigla, caso ela se desvirtue da proposta original.
"A maioria das pessoas da Rede vem da iniciativa privada e dos movimentos sociais. São pessoas que se interessam, que não são políticos, mas são politizadas", diz o empresário Alfredo Parodi, coordenador da Rede Sustentabilidade em Curitiba. "Nenhum partido está acima dos demais, mas a nossa ideia é criar uma política sem conchavos, sem a adesão de políticos tradicionais."
O descontentamento com a política, que poderia ser um entrave, tem gerado efeito contrário e ajudado a aumentar o número de apoios. A possibilidade da criação de um novo partido ajudou a "resgatar" militantes que haviam desistido da vida partidária. "Participei da criação do PSB, mas me desfiliei logo depois, na primeira campanha presidencial do Lula [em 1989]. O PT começou a desandar e fui cuidar da minha vida", conta o empresário Claudino Dias, de Curitiba. "É preciso romper com os políticos tradicionais e criar uma possibilidade de mudança, fazer as reformas que o PT não fez."
Um novo caminho também era o que procurava Evandro Martini, coordenador da Rede no Paraná. "Sempre fui partidário das causas trabalhistas, mas a decepção foi grande. O PT não quis cortar na própria carne." Martini procura fugir das definições de esquerda e direita. "O principal é que o país tenha um projeto. Mas, se tivermos que tomar medidas de esquerda, vamos tomar."
Perguntas e respostas
Veja alguns pontos que marcam a Rede:
Esquerda ou direita?
Os membros da Rede procuram escapar das definições ideológicas, mas a maioria dos militantes está mais à esquerda. O nome de mais expressão do futuro partido, a ex-senadora Marina Silva, foi filiada ao PT e ministra do governo Lula. Além disso, há muitos ex-filiados do PT, PV e PSol. "Temos uma presença forte de ambientalistas e de gente dos movimentos sociais, além de desiludidos com o PT e ex-integrantes do PSol", diz o coordenador da Rede no Paraná, Evandro Martini. "Conservadores não temos. Se fôssemos definir, diria que seria mais centro-esquerda", diz Alfredo Parodi, coordenador em Curitiba.
Perfil
O perfil dos membros é heterogêneo: de estudantes a advogados, de empresários a ex-militantes de outros partidos. Mas uma característica é comum: a maior parte dos apoiadores não tem um histórico de atuação política. Segundo Parodi, 70% dos apoiadores nunca tiveram atuação partidária.
Fogo cruzado
Os apoiadores da Rede têm consciência de que o principal nome do futuro partido, a ex-ministra Marina Silva, enfrentará um fogo cruzado nas eleições de 2014. De um lado estará o PT, seu antigo partido, e do outro o PSDB, que tem aglutinado os setores mais conservadores nas últimas eleições. Recentemente, Marina se envolveu em uma polêmica ao defender o polêmico deputado federal Pastor Marcos Feliciano (PSC-SP).
Deixe sua opinião