O histórico de transferências voluntárias do governo do Paraná para a prefeitura de Curitiba dos últimos dez anos segue uma lógica partidária. Nos anos em que os ocupantes dos respectivos cargos são aliados, há aumento nos repasses; quando são inimigos políticos, o volume é baixo e, algumas vezes, até nulo. É isso o que mostram os dados do Portal da Transparência do Executivo municipal para os anos de 2006 a 2016.
INFOGRÁFICO: veja o valor dos repasses feitos nos últimos dez anos.
Entre 2006 e 2009, quando Beto Richa (PSDB) era prefeito e Roberto Requião (PMDB) governador do Paraná, não houve transferências, segundo os registros. Em 2010, quando Orlando Pessuti (PMDB) já tinha assumido o governo, foram feitos repasses para três convênios: pavimentação e recape de vias urbanas, repasse como contrapartida para reforma do Estádio Joaquim Américo para a Copa do Mundo e outro repasse para investimentos no evento de futebol. O valor repassado para essas rubricas somou R$ 42,9 milhões.
Governo estadual alega falta de certidões
Questionado sobre o ritmo de transferências voluntárias à prefeitura de Curitiba, a gestão de Beto Richa (PSDB) negou retaliação política. Em nota enviada pela assessoria de imprensa, o problema é atribuído à falta de certidões.
“O governo do Paraná atende a todos os 399 municípios, resguardando sempre os preceitos da legalidade, da moralidade e da ética. O fato é que a prefeitura de Curitiba não possui as certidões necessárias, exigidas por lei, para receber transferências voluntárias do governo do estado desde o ano de 2014. No referido ano, somente em dois momentos, registrados nos meses de junho e novembro, a Prefeitura esteve apta a receber recursos a título de transferência voluntária”, diz a nota.
O Tribunal de Contas do Paraná (TC), confirma que a prefeitura está sem certidão liberatória, pois tem pendências com o Sistema Integrado de Transferências (SIT). Segundo TC, as pendências datam de 2012 – período que abrange a gestão de Luciano Ducci.
Contestação
A prefeitura de Curitiba alega que tinha um problema técnico que foi sanado. Diz que havia incompatibilidade entre os sistemas usados pelo município – fornecido pelo Instituto Curitiba Informática (ICI) – com os do TC. A prefeitura diz que contou com cinco certidões provisórias, mas que mesmo assim não houve realização de convênios recentemente. Contesta ainda o atraso do governo na transferência de recursos para a as áreas de saúde, educação e assistência social, que não poderiam ser interrompidas, mesmo sem a certidão, segundo o Artigo 25 da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Em 2011, com Beto Richa no Palácio Iguaçu e Luciano Ducci como prefeito de Curitiba, foram feitos repasses para convênios firmados nas áreas de assistência social, transporte escolar e de infraestrutura e logística. Com isso, a prefeitura recebeu R$ 35,3 milhões.
Em 2012, ano em que Ducci concorreu à reeleição para a prefeitura, as transferências voluntárias atingiram o ápice: R$ 76,1 milhões à época. O maior repasse foi do convênio entre a Coordenadoria da Região Metropolitana (Comec) e Urbs, como subsídio do transporte público: R$ 52 milhões, nos valores da época. O segundo maior repasse foi para pavimentação de vias: R$ 15,1 milhões.
No ano seguinte, com Gustavo Fruet como prefeito de Curitiba, os repasses voluntários tiveram queda de 37%. O município recebeu R$ 47,2 milhões, praticamente apenas o convênio entre Comec e Urbs, que ainda estava em vigor (R$ 46,7 milhões).
Em 2014, as transferências estaduais secaram: caíram para R$ 624 mil em valores nominais. Não houve mais transferência da Comec. O maior valor repassado foi de R$ 365 mil, de um convênio firmado com a Secretaria da Família e Desenvolvimento Social. No ano seguinte, essa parceria se manteve, mas os recursos repassados foram apenas de R$ 5,8 mil. Esse foi o valor total recebido pela prefeitura do governo estadual em transferências voluntárias. Agora, em 2016, ainda não houve repasse.
Investimentos
As transferências voluntárias são recursos repassados a outro ente da federação para cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação legal e que não seja direcionada para o Sistema Único de Saúde.
Segundo o juiz José Maurício Conti, professor de Direito Financeiro na USP, a maioria dos municípios brasileiros depende desses convênios para fazer investimentos. “Geralmente o dinheiro arrecadado via tributo vai para o custeio da máquina, e os investimentos dependem da verba repassada pela União e estados”, diz.
Parcerias e adversidades não pesam no voto, diz especialista
Segundo o cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), a maioria das pessoas vota de forma pragmática, e a possível aliança ou desavença entre políticos não costuma ser levada em conta.
“As pesquisas mostram que a pessoa atribui ao responsável daquele nível de governo a solução dos problemas. Por exemplo, querem que o prefeito resolva o problema do transporte público. Não ficam pensando se para isso precisa de dinheiro do governo federal, se vai conseguir ou não”, relata Monteiro.
Outro tipo de voto é o programático, que leva em conta a ideologia dos candidatos e dos eleitores. “Nesse cenário, a motivação de votar em tal ou tal pessoa não vai mudar conforme as futuras alianças”, acrescenta.
Desestímulo
O juiz José Maurício Conti, especialista em Direito Financeiro, pondera que a falta de critério técnico nas transferências pode desestimular o bom gestor. “Aquele que faz um esforço grande para economizar um pouco pode ficar desestimulado porque outro gestor, beneficiado pelas transferências, conseguirá fazer mais e pode ter mais benefícios”, diz.
Sistemática é nacional, mas nunca às claras
As transferências voluntárias são previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), mas não há uma regulamentação específica, critica o José Maurício Conti, juiz e especialista em Direito Financeiro. Segundo ele, o ideal é que as transferências obedeçam a critérios técnicos. “Quando se lança um programa, o ideal seria exigir que as prefeituras cumprissem alguns requisitos para ter acesso ao dinheiro. Acontece que quando é um aliado, sempre se dá um jeitinho para burlar algum dos critérios. Por outro lado, quando é caso de oposição, sempre há como alegar que falta uma documentação”, observa.
Segundo Conti, esses movimentos são bastante comuns em todo o Brasil, e nunca são feitos às claras. “Isso não é explícito. Por isso é essencial a transparência. Quanto mais dados disponíveis, mais difícil será fazer manobras de favorecimento”, afirma.
O professor em gestão pública Ivan Beck Ckagnazaroff, da UFMG, segue a mesma linha. “A transparência e accountability, com responsabilização dos atos dos governantes, é essencial para forçar um comportamento diferente dos políticos, para que façam transferências de acordo com regras e necessidades dos municípios”, avalia.
Um obstáculo, diz Ckagnazaroff, é que a grande maioria dos portais de transparência não trazem todas as informações necessárias. “Se os políticos fossem mais inteligentes, poderiam usar a transferência mais igualitária em seu favor. Dizer que não discriminam gestores de outros partidos deveria fazer parte do currículo. Mas a tendência é favorecer só quem é aliado”, acrescenta.
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