“Eu, sinceramente, estou assustado com a ‘República de Curitiba’”, disse o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à presidente Dilma Rousseff, inaugurando um novo e simbólico Estado brasileiro e evidenciando a irritação de Lula e as tensões provocadas pela operação Lava Jato. A declaração foi feita no dia 4 de março, em conversa telefônica interceptada pela Polícia Federal com autorização judicial.
A origem do mal-estar tem nome: Sérgio Moro. “A partir de um juiz de primeira instância, tudo pode acontecer nesse país”, afirmou o ex-presidente.
Lula falava do alcance das investigações da operação Lava Jato que, comandada por Moro, completa dois anos nessa quinta-feira (17) como uma espécie de divisor de águas na aplicação da Lei Anticorrupção.
Desde seu início, a operação se agigantou a partir de Curitiba. Segundo dados do Ministério Público Federal do Paraná, até o dia 12 de março, somente na primeira instância, a Lava Jato já instaurou 1.114 procedimentos; realizou 484 buscas e apreensões; expediu 117 mandados de condução coercitiva e cumpriu 133 mandados de prisão, sendo 64 prisões preventivas, 70 temporárias e cinco em flagrante.
Até o momento, 179 pessoas foram acusadas criminalmente por corrução, crimes contra o sistema financeiro, tráfico transnacional de drogas, formação de organização criminosa e lavagem de ativos.
Direto da “República de Curitiba”, sobrou para todo mundo
No diálogo com Dilma, Lula disse que as instituições estão acovardadas e que parlamentares estão se sentindo ameaçados com o andamento da operação, embora as investigações que correm em Brasília não aconteçam no mesmo ritmo das comandadas por Moro.
“Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, temos um Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado e um Parlamento totalmente acovardado. Nós temos um presidente da Câmara fodido, um presidente do Senado fodido, não sei quantos parlamentares ameaçados, e fica todo mundo no compasso de que vai acontecer um milagre e que vai todo mundo se salvar.”
A declaração de Lula evidencia o incômodo causado pelo avanço da Lava Jato que, sediada em Curitiba, tem chegado a políticos do primeiro escalão em Brasília.
Até o momento, 94 suspeitos com prerrogativa de foro são investigados no âmbito da operação; desses, 21 já foram denunciados, entre eles Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara dos Deputados e primeiro parlamentar a ser transformado em réu da Lava Jato. É também a primeira vez que um presidente da Câmara se torna réu no Brasil.
Pela denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e aceita pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) no início de março, Cunha é suspeito de receber propina de R$ 5 milhões relativa a um contrato entre a estatal e a Mitsui. Ele responderá por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O dia em que o governo Dilma ruiu
Leia a matéria completaJá o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), é investigado em seis inquéritos no âmbito da Lava Jato. Na semana passada, a Procuradoria-Geral da República enviou ao STF o sétimo pedido de abertura de inquérito contra o senador, com base na delação premiada de Carlos Alexandre de Souza Rocha, o Ceará, entregador de valores do doleiro Altero Youssef.
De Curitiba para Brasília
O próprio Lula, como se sabe, é alvo de investigação da Lava Jato por suspeita de ter recebido vantagens indevidas de empreiteiras envolvidas no esquema de corrupção – entre elas, obras pagas pelas empresas em um sítio em Atibaia e um tríplex no Guarujá.
Com a sua nomeação para o cargo de ministro da Casa Civil, Lula não escapa da investigação, mas agora deixa de ser investigado pelo Ministério Público Federal, que passa para a PGR; o julgamento de uma possível denúncia contra o ex-presidente sai das mãos do juiz federal Sérgio Moro e passa para os ministros do STF.
“República de Curitiba” sob ameaça
Em conversa com o deputado federal do PT Wadih Damous, Lula diz acreditar que se a bancada petista estiver animada, “ela pode fazer diferença nesse processo com o Moro, com a Lava Jato, com qualquer coisa.”
O ex-presidente ainda faz uma espécie de convocação para que deputados da base reajam às declarações da força tarefa da Lava Jato. “... Um filho da puta desses qualquer, que fala merda, ele tem que dormir sabendo que no dia seguinte vai ter dez deputados na casa dele enchendo o saco, no escritório dele enchendo o saco, vai ter uma representação no Supremo Tribunal Federal, vai ter qualquer coisa.”
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