Desde que assumiu o governo do estado em 2003, Roberto Requião (PMDB) procurou manter um canal de comunicação mais aberto e direto com a população paranaense. No site oficial do governo (www.cidadao.pr.gov.br), o tradicional link "Fale conosco" ganhou o nome de "Fale com o Governador", por meio do qual é possível enviar mensagens ao chefe do Executivo estadual.
Segundo a assessoria de imprensa do Palácio iguaçu, o próprio Requião lê a maioria dos textos e responde pessoalmente a boa parte deles.
No entanto, o que era para ser uma ferramenta de aproximação entre o governante e seus governados parece ter perdido parte da finalidade inicialmente imaginada.
No fim de março, um leitor entrou em contato com a Gazeta do Povo para contar que havia recebido uma resposta grosseira do governo estadual após ter encaminhado uma crítica por meio do link "Fale com o Governador". Na mensagem endereçada a Requião, o cidadão que prefere não ser identificado questionava alguns pontos da minirreforma tributária implantada recentemente pelo governo. Menos de uma hora depois do envio do e-mail, veio a resposta com uma ofensa.
Como poderia se tratar de uma falha isolada cometida por quem respondeu à mensagem, a reportagem da Gazeta do Povo criou dois e-mails fictícios para encaminhar mensagens ao governador os mesmos que foram utilizados para se comunicar com o presidente Lula, o prefeito de Curitiba Beto Richa e parlamentares.
Em ambos os textos encaminhados a Requião, a reportagem questionou o governo sobre o preço da gasolina, que havia subido em razão da minirreforma tributária. Após as duas semanas em que Requião saiu de férias e viajou com a família à Europa, entre os dias 6 e 17 de abril, a reportagem criou dois novos e-mails e voltou a enviar mensagens ao "Fale com o Governador".
Todas as respostas, tanto ao leitor quanto aos e-mails fictícios, continham expressões grosseiras ou irônicas como "Não seja imbecil", "Jesuis!", "Jesus te ama apesar de tudo", e "Reduzimos o ICM de 95 mil itens. Vc acha pouco?".
Somente dias depois, dois dos e-mails encaminhados foram novamente respondidos, dessa vez com as devidas explicações às questões levantadas na mensagem.
Num deles, a pergunta sobre o valor cobrado pela gasolina que havia sido retornada de maneira agressiva uma semana antes foi respondida adequadamente pelo diretor da Coordenação da Receita Estadual, Vicente Luís Tezza, atendendo a um pedido feito por Requião ao secretário da Fazenda, Heron Arzua.
Uma fonte da Companhia de Informática do Paraná (Celepar) confirmou que o próprio Requião é quem acessa as mensagens enviadas ao "Fale com o Governador", com o auxílio de um assessor. Ele próprio responde aos e-mails inclusive por meio do celular pessoal e, eventualmente, quando há necessidade de esclarecimentos mais detalhados, encaminha os textos à secretaria responsável pelo assunto.
No entanto, para se pronunciar a respeito dos e-mails citados na reportagem, a assessoria alegou que precisaria ter acesso ao conteúdo dos textos, para poder rastreá-los e saber exatamente de quais computadores foram escritos.
Ainda de acordo com a assessoria, a equipe do gabinete do governador pode, em determinadas ocasiões, repassar mensagens às secretarias de estado sem o conhecimento prévio de Requião, dependendo do assunto abordado nos textos. O prazo máximo para retorno dos e-mails é de 15 dias.
Ao ser comunicado pela reportagem que o governador pode ter respondido pessoalmente ao seu e-mail, o leitor ofendido se disse feliz ao menos pelo fato de Requião ter lido a mensagem. "Mas, ao mesmo tempo, fico duplamente indignado. Primeiro, por receber uma resposta como a que eu recebi. Depois, por ter votado no Requião", desabafou. "Com toda a sinceridade, me sinto envergonhado de ser paranaense."
Desrespeito
Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo afirmam que as respostas recebidas nos e-mails demonstram despreparo e falta de controle por parte do governador Roberto Requião ou dos assessores que tenham escrito as mensagens. Segundo eles, o conteúdo dos textos vai na contramão da proposta do link "Fale com o Governador" e, em vez de aproximar os paranaenses da administração pública, desestimula a população a procurar o governo para fazer críticas, sugestões ou mesmo elogios.
O cientista político Ricardo Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), lembra que, cada vez mais, a internet tem se tornado uma importante ferramenta de comunicação entre a população e o estado. Por outro lado, respostas "atravessadas" como a de Requião apenas desestimulam os cidadãos a procurar o governo para externar eventuais dúvidas ou sugestões. "Se é para ter respostas assim, melhor fechar esse canal. Afinal, as pessoas esperam um retorno sério e não uma injúria", diz. "É inadmissível acontecer algo desse tipo. Até porque, como contribuintes, todos fazem parte da gestão do governo."
Na opinião do diretor-executivo da organização não governamental Transparência Brasil, Claudio Abramo, o conteúdo dos e-mails manifesta total falta de equilíbrio por parte de Requião. Para ele, a atitude deixa claro que o canal de comunicação criado pelo governo aprova apenas as mensagens elogiosas e que exaltem a qualidade da atual administração. "Se existe esse canal e as respostas são nesse tom, qual estímulo a pessoa terá para enviar uma nova mensagem?", questiona. "Jamais se responde dessa forma a um cidadão."
Segundo Abramo, a discussão sobre quem foi o autor do e-mail se Requião ou algum funcionário do governo é a menos importante. O diretor da Transparência Brasil defende que qualquer contribuinte tem o direito de receber uma resposta adequada, independentemente de ter enviado uma crítica ou um elogio. "O governo deveria responder civilizadamente ao cidadão, se acredita que está sendo criticado sem razão", defende.
Já o cientista político Carlos Luiz Strapazzon, do Centro Universitário Curitiba (UniCuritiba), acredita que a discussão em torno do conteúdo das mensagens não irá contribuir em nada para o debate político no Paraná. Na visão dele, links do tipo "Fale conosco" são suscetíveis a desencontros em qualquer ramo e, além disso, não há como atribuir os e-mails diretamente ao governador Roberto Requião. "É claro que ninguém gosta de receber respostas atravessadas, mas não se pode generalizar e achar que se trata de uma política de comunicação adotada pelo governo", afirma. "O que tem de ser feito é uma revisão e um controle melhor sobre essas mensagens."
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