A grande aposta do governo federal para garantir investimentos em infraestrutura devem ser as concessões. Essa é a opinião do economista Gil Castello Branco, fundador da Associação Contas Abertas, que acompanha a execução orçamentária e financeira da União. Segundo ele, há uma dificuldade histórica do governo em investir e, com as contas cada vez mais engessadas, deve haver uma análise das prioridades. "As despesas governamentais se elevaram muito e a capacidade de investimento foi reduzida, por isso temos uma infraestrutura degradada", avalia. Nesta entrevista à Gazeta do Povo, o economista afirma que a mudança da cultura do brasileiro em relação à transparência dos gastos públicos e as respostas às manifestações que ocuparam as ruas do país não serão alcançadas em curto prazo. "Mas, até que ponto a sociedade que está indignada e clamando por soluções rápidas vai ser capaz de entender que não vamos recuperar esse passivo de uma hora para outra?", questiona.
Por que o Brasil tem tantos problemas para investir?
Há uma dificuldade histórica. Nos últimos dez anos, deixaram de investir R$ 160 bilhões nas cinco áreas prioritárias que envolveram as manifestações de junho. Por isso, precisamos analisar quais são os investimentos prioritários. O trem-bala que vai ligar Rio, São Paulo e Campinas , por exemplo, está orçado em R$ 38 bilhões. Em mobilidade urbana, foi investido, de 2002 a 2012, apenas R$ 1,3 bilhão. Em saneamento básico, R$ 9,8 bilhões entre 2001 e 2012. Ou seja, o trem-bala custa mais de três décadas de saneamento básico. Outro exemplo: serão investidos R$ 7,1 bilhões nos estádios da Copa do Mundo. Enquanto isso, aplicamos, de 2005 a 2013, R$ 4,8 bilhões na transposição do Rio São Francisco, que é uma obra histórica que pretende minimizar a seca no Nordeste.
Quais são os gastos do governo federal que mais cresceram?
Apesar de a quantidade de funcionários na administração pública ter crescido, o gasto com pessoal diminuiu percentualmente de 1995 a 2012 na relação com o Produto Interno Bruto (PIB). Em 1995, era pouco mais de 5% do PIB e hoje está abaixo dos 5%. Nesse período, houve um crescimento moderado dos investimentos, mesmo com o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]: passaram de menos de 1% do PIB para pouco mais de 1%. Os investimentos das estatais também aumentaram um pouco [de 1,6% para 2,2%]. Mas o grande vilão no crescimento dos gastos públicos são as chamadas "outras despesas correntes" que passaram de 11% para 17%. Essas despesas abrangem aposentadorias, pensões, transferências constitucionais a estados e municípios, o Bolsa Família, o Bolsa Pesca e outros. Todas são despesas atualizadas pelo salário mínimo. Como o salário mínimo cresceu em uma proporção maior do que a inflação e o PIB, a grande diferença no crescimento do gasto público federal está nessas despesas correntes. Não é uma crítica aos programas sociais, mas uma constatação. As despesas governamentais se elevaram muito e a capacidade de investimento foi reduzida. Por isso, temos uma infraestrutura degradada. A falta de investimentos acumulada ao longo de vários governos é um problema grave.
Isso pode chegar a um nível de descontrole?
É preciso racionalizar as despesas para termos um pouco mais para investir. Mesmo assim, a capacidade de investimento está esgotada. Por isso que todas as apostas do governo devem ser nas concessões [à iniciativa privada]. Esse é um programa que já está atrasado porque a taxa de retorno não tem sido aceita pela iniciativa privada. As manifestações, a queda a popularidade da presidente Dilma na véspera de ano eleitoral e a desconfiança sobre as contas públicas também fazem com que o empresário se sinta receoso. A iniciativa privada não vai fazer um favor social; ela quer saber o quanto vai lucrar e esse cenário de incertezas gerou desconfiança. As autoridades estão preocupadas porque precisam dar uma resposta às manifestações e não têm recursos. O empresário pode até entrar com investimentos, mas quer uma margem de segurança grande. A dificuldade é casar o interesse público com o privado diante desse cenário nebuloso que estamos atravessando. O que vai acontecer ainda é uma incógnita.
Sem isso, não temos saída?
Não vejo saída. Não há como recuperar a capacidade de investimento porque não há como reduzir as despesas com pessoal ou as despesas correntes. Não há também como acabar com os benefícios sociais incorporados. O orçamento federal está engessado, ainda mais agora com as emendas parlamentares individuais obrigatórias. A margem do governo é muito pequena para poder elevar os investimentos com recursos próprios.
Nas manifestações de junho, a população cobrou por mais direitos, como o de ter transporte público de qualidade e com menor preço. Como fazer com que isso seja viabilizado?
As respostas às demandas que surgiram nas manifestações jamais serão oferecidas no curto prazo. Mas até que ponto a sociedade que está indignada e clamando por soluções rápidas vai ser capaz de entender que não vamos recuperar esse passivo de uma hora para outra? As duas áreas em que existem mais dificuldades para investir são mobilidade urbana e saneamento. Faltam projetos de qualidade; as licitações e licenças ambientais demoram a sair; há muitos órgãos de fiscalização e existe a corrupção. Um estudo do Banco Mundial aponta que, da decisão de se realizar um investimento até o início da obra, se passam 38 meses. Na mobilidade urbana e no saneamento, temos outros problemas além desses. Para começar, as obras nessas áreas são intervenções em cidades que já estão consolidadas. Em várias cidades brasileiras não há um mapeamento correto do subsolo, por exemplo. Além disso, às vezes, há problemas para a remoção de pessoas, o que pode acarretar discussões judiciais eternas.
O brasileiro, tanto o cidadão quanto o político, está acostumado com a transparência pública?
Não. No Brasil, a cultura do sigilo ainda está enraizada. Isso não se muda com duas leis, como a Lei Complementar 131, que obrigou os governos a colocarem suas contas na internet; e com a Lei de Acesso à Informação, que entrou em vigência efetiva em maio de 2012. Esse tempo ainda é pouco para mudar uma cultura. Tem de passar pela educação. A lei de Acesso à Informação do Reino Unido, por exemplo, foi implantada em um período de cinco anos e ainda ocorrem problemas. No Brasil, ainda há a sensação do burocrata de que informação é poder. Ele não tem consciência de que é apenas um gestor temporário da informação e que o proprietário da informação é a sociedade. A transparência é a principal inimiga da corrupção e, sem ela, não há controle social. Temos que vencer algumas dificuldades históricas porque ainda há passividade social, apesar das manifestações populares recentes. Por termos passado por uma ditadura militar e por uma inflação alta durante muitos anos, o cidadão perdeu o interesse pelos gastos públicos. Hoje, com a democracia e a inflação no padrão internacional, a tendência é que o cidadão volte a participar.
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