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Curitiba – A expectativa de se obter resultados concretos após meses de investigações por parte das CPIs que atuam no Congresso traz em si o risco de que se superestime a capacidade e o alcance legal de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. De acordo com a Constituição de 1988, que recuperou a atribuição investigativa do Poder Legislativo, os limites da CPI são claros: pode-se investigar, mas a punição cabe exclusivamente ao Poder Judiciário. A exceção fica por conta de processos contra parlamentares, que podem ser punidos pelo próprio Legislativo com a cassação – castigo leve se comparada às penas de caráter criminal.

A Gazeta do Povo ouviu juristas que se especializaram no estudo das CPIs e publicaram livros a respeito do assunto. Há um consenso entre eles: há muitos casos em que a CPI dá a impressão de que terminou em "pizza", quando na verdade conseguiu cumprir seu papel de levantar dados para uma ação judicial. Foi o caso da CPI do Banestado que, mesmo sem ter votado seu relatório final, contribuiu decisivamente para o Ministério Público conseguir indiciar 462 pessoas, das quais 23 já foram condenadas.

Para o ex-procurador-geral do Mato Grosso do Sul José Wanderley Bezerra Alves, mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e com especialização em Serviço Público na Espanha, a ligação direta entre a CPI que investigou o esquema PC Farias e o impeachment do ex-presidente Fernando Collor não pode ser considerado uma regra. Na maioria das vezes, o principal mérito da CPI é apenas recolher dados que possam vir a ser utilizados posteriormente para uma denúncia por parte do Ministério Público. Por isso, defende que os integrantes da CPI atuem sempre em parceria com promotores e procuradores.

Na análise do jurista, existem alguns elementos que estão dificultando os trabalhos das atuais comissões, como a falta de foco da CPI dos Correios, que começou investigando casos pontuais de corrupção na estatal, passando por contratos de publicidade do governo até a denúncia de mesada para deputados votarem com o governo. Além disso, considera que o grande número de requerimentos para depoimentos e quebras de sigilos bancário, fiscal e telefônico diminui a capacidade de aprofundamento nas questões centrais. Ele critica ainda o fato de que, deslumbrados com a possibilidade de serem o centro das atenções, deputados e senadores que integram a CPI dediquem mais tempo a fazer palanque do que em efetivamente conduzir uma investigação.

Apesar dessas dificuldades, Alves considera fundamental o papel da CPI em uma democracia, dentro de uma sistemática de "freios e contrapesos" – uma referência à proposta teórica desenvolvida por uma corrente americana de pensadores, com base no conceito da repartição tripartite de poderes, do filósofo francês Montesquieu. Os freios e contra-pesos são os instrumentos que cada um dos poderes utiliza para limitar os demais, buscando um equilíbrio total do sistema.

A mesma opinião tem o procurador do estado de São Paulo Luís Carlos dos Santos Gonçalves, professor do curso jurídico CPC Marcato e mestre em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Ele explica que, apesar de não ter prerrogativas judiciárias, a CPI tem duas características que considera "extraordinárias": a primeira é a possibilidade imediata de convocar depoentes, pedir quebra de sigilo e solicitar documentos a órgãos públicos. Como exemplo, cita o fato de que os documentos com a movimentação financeira do Banco Rural chegaram à CPI em poucos dias, enquanto num processo judicial isso levaria meses para ocorrer. Da mesma forma, a CPI tem uma maior facilidade para a convocação de depoentes – o que, para o Ministério Público demandaria mais tempo e ainda necessitaria o convencimento de um juiz.

A segunda grande vantagem, na visão de Gonçalves, é a visibilidade que a CPI proporciona para uma investigação – e a conseqüente fiscalização por parte da opinião pública sobre um determinado assunto. Essa vantagem, para ele, é relevante o suficiente para minimizar as desvantagens causadas pela constante tentativa de "mostrar serviço" por parte dos parlamentares. Segundo ele, os depoimentos são a parte menos importante de uma investigação. "O réu sempre tem uma história para contar", explica. "E o discurso da justificação é inerente ao funcionamento de uma casa parlamentar".

O jurista explica que as CPIs existem como instrumento de investigação desde a Constituição de 1934, mas foi somente com a Constituição de 1988 que ganharam um importância no sistema democrático. Ele considera que o legislador conseguiu atingir um equilíbrio saudável quando determinou que a composição das comissões seguissem os mesmos critérios de proporcionalidade da composição partidária da Câmara, mas permitindo, em contrapartida, que fosse necessário apenas um terço de assinaturas para instalar uma CPI. Assim, a minoria tem meios de exigir uma investigação no caso de haver uma base governista forte, enquanto o critério de proporcionalidade previne a casa de uma eventual "pressão conspiratória" por parte das CPIs.

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