Artigo
Verborragia e falta de consenso
A conclusão das teses da defesa no processo do mensalão demonstra uma matriz comum no tocante à acusação de lavagem de dinheiro: não houve por parte dos acusados a intenção de ocultar ou dissimular o recebimento dos valores, muito menos o conhecimento da sua origem delitiva. Isso ficaria comprovado com os saques efetuados à plena luz do dia nas instituições financeiras. A justificativa residiria no pagamento de dívidas contraídas na campanha eleitoral, argumento recepcionado pelos tribunais em oportunidades anteriores como um mero exaurimento do crime antecedente.
O devido reconhecimento deve ser externado em favor da atuação do defensor-geral da União, Haman Córdova. Com objetividade e ponderação, conseguiu demonstrar que o seu cliente havia sofrido prejuízos de natureza processual, ao não poder acompanhar o depoimento de outras testemunhas, pois as intimações da Secretaria da Corte foram expedidas ao advogado que não mais o representava. O seu assistido foi o único dos réus a obter o desmembramento do processo e a remessa dos autos à primeira instância. Esse resultado impõe uma releitura sobre a importância da Defensoria Pública no Estado de Direito. Não obstante seu orçamento precário, essa instituição não tem medido esforços em favor da manutenção das garantias individuais dos cidadãos.
Quanto ao momento mais esperado, a defesa do deputado Roberto Jefferson direcionou os holofotes à ausência do ex-mandatário na denúncia, carregando toda sua verborragia contra uma suposta inoperância do procurador-geral. Sabido é que esse mesmo defensor havia insistido nesse pedido em inúmeras outras oportunidades e que os ministros do Supremo, por unanimidade, a haviam rejeitado. Por tal razão, talvez tenha sido essa a defesa com maior conteúdo político, atingindo uma agremiação que até então declarava ser detentora de um monopólio ético na atividade partidária.
É de se lamentar que a semana que passou tenha trazido a público entrevistas do delegado da Polícia Federal que acompanhou as investigações, no sentido de criticar a denúncia do procurador-geral, considerando-a insuficiente em relação à abrangência da acusação, demonstrando um oportunismo mediático e uma clara ingerência na função persecutória exclusiva do Ministério Público. Por outro lado, reiterada manifestação da Corregedora Nacional de Justiça, clamando pelo estabelecimento de valores morais e éticos a partir deste julgamento, não contribui com o ansiado resultado técnico, pois não é a Corte que estará em julgamento.
Já a divergência criada a respeito da maneira de exposição dos votos do relator e revisor, se em bloco ou integralmente, expressou a inexistência de um prévio consenso entre os membros do Supremo, denotando um prejuízo para a discussão do mérito da imputação.
Rodrigo Sánchez Rios, advogado e professor de Direito Penal da PUCPR
Além de não correr risco de prisão, réus do mensalão que forem considerados culpados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas cujas penas já prescreverem, dificilmente serão atingidos pela Lei da Ficha Limpa. Os casos que se encaixarem nessa hipótese devem ser debatidos pela Justiça Eleitoral após o julgamento. Decisões recentes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no entanto, indicam que a tendência é que eles permaneçam com condições de disputar campanhas.
Em outras hipóteses de condenação sem prescrição no processo, a inelegibilidade prevista na Ficha Limpa é de oito anos após o cumprimento da pena. Dos 37 réus na Ação Penal 470, 15 exerceram ou estão no exercício de mandatos políticos. Dentre eles, três ex-deputados federais que renunciaram para evitar a cassação devido ao escândalo já sofrem os efeitos da legislação José Borba (PP-PR), Paulo Rocha (PT-PA) e Waldemar da Costa Neto (PR-SP) estão inelegíveis até 2015. Borba foi eleito prefeito de Jandaia do Sul, no Norte do Paraná, mas não pode disputar a reeleição em outubro deste ano.
Os três deputados que tiveram os mandatos cassados pelos colegas entre 2005 e 2006 José Dirceu (PT-SP), Pedro Correa (PP-PE) e Roberto Jefferson (PTB-RJ) também não podem disputar eleições pelo mesmo período. Em vigor desde julho de 2010, a Lei da Ficha Limpa foi considerada constitucional pelo STF apenas em 2012, mas tem efeitos retroativos. Em linhas gerais, a lei determina a inelegibilidade de políticos que tenham sido condenados por tribunais colegiados (como o STF), mesmo que o processo ainda não tenha sido encerrado e ainda caibam recursos da decisão.
No mesmo ano da sanção da lei, no entanto, a ministra do STF e do TSE Carmen Lúcia liberou a participação de Benício Tavares (PMDB-DF) nas eleições para deputado distrital. Envolvido no escândalo do mensalão do DEM em Brasília, ele havia sido barrado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal por ter sido condenado por apropriação indébita de recursos da Associação dos Deficientes Físicos de Brasília. Ele não cumpriu qualquer punição porque a pena estava prescrita.
Carmen Lúcia, que é atualmente presidente do TSE, citou a jurisprudência anterior à Ficha Limpa e declarou que "o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva de forma retroativa afasta a incidência da hipótese de inelegibilidade, pois possui os mesmos efeitos da absolvição ou da reabilitação". "Não vejo possibilidade de esse tipo de posição anterior ser revertida", diz Luiz Fernando Pereira, presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral.
De acordo com o Código de Processo Penal, a prescrição está ligada à duração do caso, que tem como data-base o recebimento da denúncia, em agosto de 2007. Pelas regras, uma condenação à prisão por dois anos prescreve em quatro anos a partir do início da ação. Por exemplo: se parte dos 37 réus for punida com apenas dois anos de reclusão por alguma das práticas citadas no processo (como formação de quadrilha, peculato, corrupção e evasão de divisas) a pena já estaria prescrita em agosto de 2011.
"Nesses casos, prescrição é mesmo igual à absolvição", reitera o professor de Direito da UFPR Jacinto Coutinho, especialista em Processo Penal. A questão, porém, não está considerada encerrada pelo juiz eleitoral Marlon Reis, um dos idealizadores da Ficha Limpa. "A lei se interessa pela condenação, não pelo efetivo cumprimento da pena", diz ele.
OsascoCom pedido de condenação, petista disputará a eleição
Dos atuais 37 réus do mensalão, apenas o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) participa das eleições de 2012. Ele concorre a prefeito de Osasco (SP). Na quinta-feira, o relator do mensalão no STF, Joaquim Barbosa, pediu a condenação do parlamentar por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato. O ministro viu os crimes na relação entre o petista e os três ex-sócios da agência de publicidade SMP&B, Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollberbach, que também foram considerados culpados por peculato e corrupção ativa.
De acordo com o advogado eleitoral Luiz Fernando Pereira, mesmo que seja condenado sem ter a pena prescrita, Cunha terá condições de disputar a eleição. Ele só poderá ter a inelegibilidade declarada com base na Ficha Limpa, caso vença a campanha, em um prazo de três dias após a diplomação. A condenação, contudo, ainda depende dos votos dos demais ministros, que devem ser apresentados a partir da segunda-feira. Cunha não deu sinais até agora de que vai desistir de concorrer.
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