Um grupo de 12 auditores fiscais e um contador, réus nas ações penais da Operação Publicano, está tentando trancar as ações sob a alegação de que a delação premiada de Luiz Antônio Souza é “prova manifestamente ilegal”. Essa tentativa se dá por meio de um pedido de habeas corpus junto ao Tr ibunal de Justiça do Paraná (TJ-PR). A ação é assinada pelos advogados Arthur Travaglia, Vinícius Medeiros e Edgar Herrara.
A delação premiada de Luiz Antônio de Souza
O acordo de delação premiada com o auditor fiscal Luiz Antônio de Souza, firmado em maio deste ano, é um dos pilares das investigações do Gaeco de Londrina na Operação Publicano. A Promotoria de Patrimônio Público e o Gaeco tentam investigar denúncias contra auditores fiscais há uma década, mas as investigações só se aprofundaram recentemente. O primeiro marco aconteceu no começo do segundo semestre do ano passado, quando um grupo de auditores tentou cooptar um policial do Gaeco em troca de informações privilegiadas sobre eventuais investigações.
As investigações levaram à prisão em flagrante de Souza em janeiro deste ano, quando ele entrava em um motel com uma adolescente. Nessa época, o hoje delator era inspetor regional de fiscalização da Delegacia da Receita Estadual em Londrina, cargo considerado chave para o suposto esquema de corrupção envolvendo auditores, contadores e empresários.
Delação
Com a perspectiva de pegar algo em torno de 100 anos de prisão só nos casos em que é réu sob a acusação de exploração sexual de adolescentes e estupro de vulneráveis, o auditor fechou um acordo de delação. Pelo acordo, em troca da colaboração tanto nas investigações sobre crimes sexuais quanto nos casos de corrupção, Souza teve redução de pena. Ele também já devolveu ao poder público duas fazendas no Mato Grosso, estimadas em R$ 20 milhões. Qualquer que seja o tempo somado das condenações, ele fica em regime fechado um ano e meio (até o julho do ano que vem) e depois passa para regime domiciliar e para o regime aberto, com restrições de direitos até 2030.
A delação premiada de Souza é considerada um ponto importante pelo Gaeco, porque, a partir dela, as investigações se aprofundaram consideravelmente. Souza detalhou o funcionamento da “organização criminosa” e as investigações chegaram, inclusive, a auditores que comandaram a Receita Estadual recentemente. A partir da delação, o Gaeco também apontou o empresário Luiz Abi Antoun, parente distante do governador Beto Richa (PSDB), como o “lastro político” da “organização criminosa”.
Para o hoje procurador de Justiça Cláudio Esteves, que coordenava o Gaeco em Londrina no início das investigações, existe um “antes e depois da delação”. A delação permitiu, segundo ele, que os investigadores conhecessem em profundidade o grupo acusado. “O balanço é extremamente positivo”, avaliou, quando a operação completou seis meses, em setembro passado. (FS)
Na Operação Publicano, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) investiga a denúncia de que auditores fiscais, contadores e empresários teriam formado uma “organização criminosa” para facilitar a sonegação de impostos mediante o pagamento de propina. As duas fases deflagradas resultaram na prisão de dezenas de pessoas. Mais de cem respondem a ações penais, dentre as quais 62 são auditores fiscais.
De acordo com Travaglia, que não revelou o nome dos seus clientes, “se comprovada a ilicitude da delação”, essa decisão “contaminará todas as provas relacionadas” com as denúncias feitas por Souza. A delação premiada do auditor fiscal é considerada um fato fundamental dentro das investigações pelo Gaeco.
“Irregularidades”
Dentre as supostas irregularidades da delação premiada, Travaglia enumerou o “oferecimento de prêmios não amparados pela lei, a ofensa ao princípio da personalidade e a violação da voluntariedade da delação”.
No que diz respeito ao “oferecimento de prêmios não amparados pela lei”, o advogado afirmou que a negociação da prisão domiciliar não está prevista na legislação que trata da delação premiada. Ele argumentou que a lei fala em perdão judicial, redução da pena de privação da liberdade em dois terços ou substituição do regime fechado por pena restritiva de direito. “Estamos alegando que não há nada na lei que permita oferecer esse tipo de prêmio [prisão domiciliar].”
No caso do princípio da personalidade, o advogado alegou que a amarração da delação de Souza com os acordos feitos com familiares dele seria irregular. “O princípio da personalidade diz que a pena não pode passar da pessoa do condenado.” Por isso a delação premiada também precisa ser tratada de forma individual.
Outro lado
O advogado Eduardo Duarte Ferreira, que defende Souza, disse que “todo ato de defesa tem de ser respeitado”, mas que considera “remota” a chance de a delação premiada do seu cliente ser anulada. “A delação foi homologada por dois juízes e o procedente do Supremo Tribunal Federal no caso do Alberto Youssef [na Operação Lava Jato] é que a intervenção na delação premiada por outros réus não deve ser considerada.”
Ferreira negou que a delação de Souza e de seus familiares tenha sido feita em conjunto. “É um ato que envolve Ministério Público, Judiciário e defesa.” A reportagem não conseguiu contato com os promotores que estão à frente da Operação Publicano na sexta-feira (2).