Nações Unidas cobram mudança na legislação brasileira
Genebra - O Brasil precisa lidar com seu passado e ter leis de anistia que não podem proteger a torturadores. Esse é o recado da ONU diante da polêmica no país em relação às sugestões de criação de uma comissão de verdade para avaliar crimes durante a ditadura militar.
Pontos de discórdia
Proposta da Secretaria de Direitos Humanos é considerada "revanchista" pelos militares.
O que pretende o plano
- Identificar e sinalizar locais públicos que serviram à repressão ditatorial, bem como locais onde foram ocultados corpos e restos mortais de perseguidos políticos.
- Criar grupo de trabalho para discutir com o Congresso a revogação de leis remanescentes que sejam "contrárias à garantia dos Direitos Humanos ou tenham dado sustentação a graves violações".
- Propor legislação proibindo que logradouros e prédios públicos recebam nomes de pessoas que praticaram crimes de lesa-humanidade e a alteração dos existentes.
O que dizem os militares
- Imaginam que o resultado seja a depredação ou até a invasão de instalações militares que supostamente tenham abrigado atos de tortura.
- A proposta é interpretada como brecha para uma revisão geral da Lei da Anistia (1979).
- Não admitem a retirada de nomes de oficiais de avenidas pelo país afora. Em Brasília, por exemplo, há a Ponte Costa e Silva e o Ginásio Presidente Médici presidentes no regime.
O decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na semana passada criando o Programa Nacional de Direitos Humanos provocou uma crise no governo e levou o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e os três comandantes militares a entregarem uma carta de demissão ao presidente. Os militares ficaram irritados com o trecho do programa que prevê a investigação dos atos cometidos por agentes do Estado durante a ditadura. Segundo o texto, isso deverá ser feito pela Comissão Nacional da Verdade, que ainda depende de aprovação no Congresso para ser criada. Além disso, o texto abre espaço para revisão da Lei de Anistia, o que pode levar à condenação de oficiais daquela época.
Lula não aceitou o pedido de demissão do ministro e dos comandantes militares. Argumentou que não tinha conhecimento do completo teor do programa e prometeu rever a parte do decreto que gerou o descontentamento. Lula ainda prometeu adiar o envio ao Congresso do projeto que cria a Comissão Nacional da Verdade.
Se confirmada a decisão do presidente em rever o decreto, o ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, sai enfraquecido. Ele é o mentor do programa e está irredutível. Ele também ameaça sair do governo caso haja recuo. Até o início desta semana, a opção de Lula para minimizar a crise era uma saída de meio-termo: não mexer no texto, mas orientar as comissões técnicas encarregadas de executá-lo a ignorar, na prática, os pontos mais críticos.
Crítica
A atitude de Jobim e dos comandantes militares em relação ao Programa Nacional de Direitos Humanos foi criticada pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto.
"O Brasil não pode se acovardar e querer esconder a verdade. Anistia não é amnésia. É preciso conhecer a história para corrigir erros e ressaltar acertos. O povo que não conhece seu passado, a sua história, certamente pode voltar a viver tempos tenebrosos e de triste memória como tempos idos e não muito distantes", declarou.
A OAB defende ações no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal Militar para abertura dos arquivos da ditadura e punição aos torturadores. Já o ministro da Defesa disse que a busca pela verdade não pode significar "revanchismo.
Panos quentes
O ministro Tarso Genro (Justiça) tentou minimizar ontem o embate entre os ministros Jobim e Vannuchi em torno do Plano Nacional de Direitos Humanos. "Não há nenhum tipo de pedido de demissão ou controvérsia insanável entre Ministério da Defesa e Secretaria de Direitos Humanos. Isso (o presidente Lula) vai resolver com a sua capacidade de mediação na volta das férias", afirmou Tarso.
No Congresso, os comandantes militares e o ministro Jobim contam com o apoio dos parlamentares da base aliada e da oposição para a manutenção da Lei de Anistia. "A anistia é para os dois lados e não tem que ser revista", defendeu ontem o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. "Tenho um pé atrás com essa revisão da Lei de Anistia. É impensável rever ou extinguir a lei", corroborou o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), presidente da Frente Parlamentar de Defesa Nacional.
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