O advogado Alcidino Bittencourt Pereira não é um diplomata de carreira. Mas o é de fato. Desde 2003, passam por sua sala no antigo Complexo Banestado, bairro Santa Cândida toda sorte de conflitos vividos por Curitiba e seus 25 vizinhos, da falta de água à falta de segurança. À frente da Coordenação da Região Metropolitana, a Comec, na qual é secretário especial de estado há um ano, ele assiste ao ringue em que se transformou a mais controvertida mancha urbana do país.
Formasse um organismo independente, a região faria frente a todo o estado e seria uma ameaça ao governador. Concentra 30% da população, o equivalente em ri-quezas e uma área de 15 mil quilômetros quadrados, o que a transforma na maior área integrada do país, à revelia de ser a menos habitada nas bordas. Não há divisa que Alcidino não conheça, o que o transformou, com folga, numa autoridade natural, a quem paranaenses dos quatro costados recorrem a cada vez que se vêem diante da mais difícil das questões a integração de municípios próximos, administrados como se fossem muralhas medievais, mas cujas fronteiras evaporam como antiácido na água.
Pois o secretário não tem uma resposta. Tem várias. Em entrevista à Gazeta do Povo, para fechamento da série Retratos de Curitiba sobre as relações da capital e da RMC, Bittencourt reafirmou sua verve diplomática. Não bateu na mesa. Não atirou pedras em ninguém. Antes, reafirmou as bandeiras pelas quais ficou conhecido. Uma delas, sozinha, seria o bastante para balançar os palanques nesse período eleitoral a transformação da Urbs num consórcio intermunicipal, encerrando a liderança da prefeitura de Curitiba à frente da empresa.
"Quando não se tem a dimensão metropolitana, a administração tende a ser mesquinha", comenta, ao apresentar seus senões ao atual gerenciamento dos transportes. Para Alcidino, a Urbs perdeu a ca-pacidade de enxergar as necessidades dos usuários da RMC, pois a política que a rege não visa à integração dos municípios. A falta de ônibus tem inibido o desenvolvimento de bairros da RMC, o que agrava a pobreza na vizinhança.
Ao ler as propostas dos candidatos para a região metropolitana publicadas domingo na Gazeta as convicções do secretário se confirmaram. "Está tudo muito aquém do que já foi discutido", admite, lembrando que faz tempo que tramita entre os prefeitos a proposta de criar um consórcio para o sistema de transportes. O assunto anda a passos de tartaruga, repetindo aqui uma dificuldade mundial. O modelo municipalista é resistente a pauladas. Resta ter estratégias.
Alcidino tem as suas, acumuladas em mais de três décadas dedicadas às regiões metropolitanas. A primeira de que se ocupou foi em Argel, na Argélia, em 1970, quando ainda era exilado político. "Foi meu primeiro grupo interdisciplinar", lembra o homem que estudou Ciência Política na Sorbonne (Paris, França), Engenharia Urbana em Berlim (Alemanha) e desembarcou no Brasil, depois da Anistia, para trabalhar com José Richa e Maurício Fruet, que o ajudaram a não se desvincular mais da causa metropolitana. Virou seu ofício.
É de cadeira que sugere aos prefeitos procurar soluções nos próprios municípios, evitando a mera importação de modelos de gestão praticados em cidades diferentes, onerosos e artificiais. Por fim, aconselha os administradores dos 26 municípios que formam a região a entender de uma vez por todas o que implica fazer parte de uma zona metropolitana. Em miúdos, a área gigantesca onde vivem 3,1 milhões de habitantes não pode ser governada de forma paroquiana.
"Grande parte da população não faz idéia de que pertencem a uma região metropolitana. A discussão de nossos problemas comuns passa pela ação dos gestores, aumentando o grau de conscientização. Não vejo outro caminho para que nos tornemos um todo", diz.
Mas a fala idealista de Alcidino logo desce ao rés-do-chão. Ele convoca ao compromisso nome pelo qual pode ser chamado o calhamaço de 304 páginas batizado de Plano de Desenvolvimento Integrado da RMC, documento com o qual a Comec trabalha. Ali estão informações que fariam muito bem se passassem pela mesa de cabeceira dos candidatos, a exemplo do uso do solo. Uma projeção até 2020 garante que a ocupação tem espaço de sobra para acontecer, sem criar maiores danos ao meio ambiente. É só um exemplo.
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