Sem mandato político desde janeiro de 2015, quando chegou ao fim seu quinto mandato como senador, José Sarney continua exercendo sua influência em Brasília.
Os diálogos gravados pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado são a evidência mais recente disso. Antes da divulgação dos áudios virem à tona, o maranhense encontrou-se diversas vezes com o presidente interino Michel Temer e emplacou seu caçula, Sarney Filho, como ministro do Meio Ambiente.
Temer encontrou-se com José Sarney um dia antes de tomar posse. E, em 17 de maio, voltou a recebê-lo, já como presidente interino.
O encontro oficial, marcado na agenda, ocorreu horas antes de Temer receber o presidente atual do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), com quem tem um relacionamento mais distante.
E como um político de 86 anos, sem mandato, que já não tinha apoio popular quando estava no Senado, ainda mantém essa influência?
Um membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), da qual Sarney participa desde 1980, conversou com a Gazeta do Povo e fez uma avaliação. “É uma liderança tradicional, que se valia das práticas de clientelismo, mas que construiu uma longa carreira política na qual aprendeu a negociar. Sobretudo, no trato pessoal é muito gentil e afável, cativando os interlocutores”, resume.
Na avaliação do colega da ABL, Sarney é um “último exemplar” de uma linhagem política que tinha Antonio Carlos Magalhães como expoente.
“A elite, antigamente, era muito pequena, e Sarney e ACM faziam parte dessa elite culta, bem-educada, que usou a política como forma de negociação, em uma época em que ainda não havia ferramentas como redes sociais para as pessoas expressarem seu ódio, da forma como fazem hoje”, acrescenta.
O sociólogo Bruno Rogens, professor no Maranhão, afirma que Sarney construiu uma extensa rede de relações de poder durante a longa carreira, que começou em 1955, como deputado estadual. O ponto crucial, diz, foi durante a presidência, quando negociou a concessões de rádio e televisão em troca do apoio do Congresso para aumentar o mandato presidencial de quatro para cinco anos.
“Nesse momento ele ampliou a rede de contatos que já tinha, e agraciou aliados com retransmissoras, consolidando seu poder através de um curral eletrônico”, diz Rogens.
Ele cita ACM, Jader Barbalho e a família de Fernando Collor como beneficiários.
Segundo o coletivo Intervozes, a distribuição de outorgas sempre foi uma moeda de troca política em Brasília, mas que tomou grandes proporções no governo de José Sarney (1985-1989).
No período que antecedeu a aprovação da Constituinte (março de 1985 a outubro de 1988), foram 1.028 outorgas, das quais 25% em setembro, às vésperas da aprovação do texto.
O levantamento do Intervozes aponta que, dos 91 constituintes que foram premiados com ao menos uma concessão, 82 votaram favoráveis ao mandato de cinco anos.
Sarney também soube se movimentar nos círculos de poder. “Toda trajetória dele é marcada pela ausência de viés ideológico. Foi uma das raposas mais hábeis da política, que soube negociar com qualquer governo. Seu filho também foi ministro do Meio Ambiente de Fernando Henrique”, exemplifica. Com o fim da gestão de FHC, o maranhense apoiou José Serra nas eleições, mas logo se aproximou de Lula e manteve o apoio para Dilma Rousseff.
Poderio no Maranhão vem caindo
Apesar de ser um político com bom trânsito em Brasília, José Sarney vem perdendo espaço no seu estado de origem. A filha, Roseana Sarney, que assumiu o governo por decisão judicial em 2009, se reelegeu em 2010 com uma pequena diferença de votos e em meio a muitas denúncias. Em 2014, o grupo de Sarney perdeu o governo estadual para Flávio Dino (PCdoB) e também a cadeira do Senado em disputa.
Roseana Sarney foi citada durante as investigações da Lava Jato – ela teria recebido propina em troca da liberação de um precatório de R$ 134 milhões favorecendo a UTC Engenharia. Há outras denúncias da Justiça Estadual do Maranhão contra Roseana, como a que investiga desvios na área da saúde.
Na atual legislatura da Câmara dos Deputados, dos 18 deputados do Maranhão, apenas três são do PMDB. No período entre 2010 e 2014, eram 8.
Sarney começou na política prometendo “modernizar” o Maranhão
José Sarney foi eleito governador do Maranhão em 1965, após uma grande crise social no estado, que teve início em 1951.
Segundo o sociólogo Bruno Rogens, a oligarquia liderada por Vitorino Freire estava em decadência, e Sarney prometia mudar e modernizar o estado. O curta-metragem “Maranhão 66”, do cineasta Glauber Rocha, mostra a posse dele e a recepção popular.
“Ele gozava do apoio dos generais, que queriam resolver situações locais e manter a estabilidade nos estados. Fica claro, pelos indicadores sociais, que não houve melhoras no Maranhão, mas ele consolidou seu poder na ditatura, e se elegeu senador por dois mandatos”, relata.
Sarney iniciou a carreira no PSD, depois foi para a UDN e posteriormente para a Arena, que dava sustentação ao regime militar.
Na época das Diretas Já, ele, que tinha voltado para o PSD, rompeu com o partido e ajudou a criar o PFL. Foi indicado para a vice-presidência de Tancredo Neves e, com a morte deste antes da posse, assumindo a Presidência da República em 1985.
Em 1990, mudou o domicílio eleitoral para o Amapá e se elegeu senador por mais três mandatos, totalizando cinco. Foi eleito presidente do Senado quatro vezes.
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