Autor do livro Nas ruas: a outra política que emergiu em junho de 2013, o sociólogo e cientista político Rudá Ricci tem participado de debates pelo país para discutir a onda de manifestações. Ele acredita que os protestos só vão atrair mais público se houver uma derrota precoce na Copa.
Qual sua avaliação sobre os eventos de quinta-feira da semana passada?
Tivemos a confluência de três blocos de protestos. Um é o pessoal liderado pelos comitês populares da Copa, que têm como questão central defender os atingidos pelas obras. A eles se agregam os anarquistas e os meninos de junho. O segundo grupo é composto por organizações do século 20, os sindicatos. E aí há um ponto: o funcionalismo público vem tomando a frente do movimento sindical. Existe uma disputa de outras centrais, ligadas ao PSol e ao PSTU, com a CUT, que liderava esses sindicatos de funcionalismo público. Por isso, eles [os sindicatos] estão raivosos, com medo das oposições crescerem, e têm radicalizado. E o terceiro bloco são os movimentos sociais dos anos 80, principalmente o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), um braço urbano do MST.
Quais são os conflitos entre eles?
O MTST faz uma política que não rompe com o campo tradicional. Eles sempre se dirigiram ao Estado, negociaram com governantes. E entraram no jogo fazendo uma espécie de mediação, porque os meninos de junho colocaram a culpa em todos os governos. Há uma disputa entre esses dois grupos pela liderança das lutas sociais na cidade.
Os sindicatos em greve não se apresentam contra a Copa. Esse grupo tem se aproveitado do momento?
Grande parte dessas greves tem a ver com uma disputa política no interior do sindicalismo. É óbvio que, quando você faz uma campanha salarial, se tem algum evento que cria constrangimento para o seu contratante, você tenta fazer algo próximo, para deixá-lo o mais constrangido possível e obrigado a ceder.
Como a nova classe média reage aos protestos?
As manifestações estão influenciando (e muito) a forma como os que ascenderam pelo consumo estão vendo a política. Até então, esse pessoal, que estava recebendo desde Bolsa Família até aumento do salário mínimo e acesso ao crédito popular, tinha uma postura de indiferença no campo político. Desde junho, a impressão que nos passa ainda precisamos fazer muita pesquisa sobre isso é que essas manifestações de rua desmontaram essa postura. Você percebe que a população começa a desconfiar de todo o sistema partidário.
Como fica a situação nessa eleição?
Acho que há um clima que é propício para a liderança carismática. Os candidatos muito identificados com a estrutura partidária estão no bojo dessa crítica e têm pouco espaço. Eles não merecem muita confiança desse eleitor insatisfeito. Os candidatos que têm perfil carismático são Lula e Marina. Eu acho que eles serão as eminências pardas desta eleição. Aécio Neves e Eduardo Campos são dois homens da política partidária, dois caciques, e a Dilma não tem carisma algum. Se Lula e Marina não entrarem na disputa, pode acontecer de tudo: uma vitória da Dilma, porque não vão aumentar os votos da oposição e, com grande quantidade de brancos, nulos e abstenções, ela teria baixa legitimidade; e pode ter ainda segundo turno, e Aécio ou Campos vencerem, mas também com baixa legitimidade.
Por que só agora, às vésperas do começo da competição, surgem protestos contra a Copa?
Você não organiza manifestação de rua do dia para a noite. Tem que fazer contato com os atingidos. Eles precisam sentir que não é conversa mole para se mobilizarem.
O que faz com que as manifestações agora tenham muito menos gente do que em junho do ano passado se uma pesquisa do Datafolha mostrou que 55% da população acredita que a Copa trará prejuízos ao país?
O motivo mais importante é a violência, tanto do Estado como dos black blocs. Eu falei em muitas universidades depois que lancei o livro e ouço os jovens falando: eu saí em junho, mas acho que não vou sair mais porque a coisa desvirtuou, está tendo muita violência.
A tendência é que o público dos protestos aumente quando se aproximar a Copa?
O brasileiro pode não estar gostando [do que está acontecendo fora de campo], mas ele gosta de futebol. Se o Brasil perder a Copa, aí a humilhação pode dar vazão para aumentarem os protestos com multidão. Se não, vai ser isso que nós estamos vendo, só que com um grau muito mais intenso. Vamos ter o que aconteceu na última quinta-feira quase todos os dias.
Qual a outra política que emergiu dos protestos de junho que você cita no título do seu livro?
Nós estamos falando de jovens universitários, de 20, 30 anos, em que a infância e a adolescência foram forjadas em comunidades fechadas. Nos últimos 20 anos, a composição das famílias mudou de forma muito radical. Essas famílias têm cada vez menos tempo de convívio. Então, onde esses jovens aprenderam a falar e a se vestir? Nas tais tribos urbanas. Quando surgem os smartphones, essas comunidades ganham um lugar para se expressar. Foram essas comunidades que ocuparam as ruas em junho do ano passado. Eles não sabem o que é espaço público. Por isso, é muito comum os jovens fazerem confissões pessoais nas redes sociais. Eles têm esse sentimento de abandono. Eles se firmam contra a autoridade, contra os abusos e têm uma cultura muito mais próxima do anarquismo. O que vimos em junho é uma crítica profunda das organizações de liderança, verticais. Nós não conseguimos entender. Qual é a reivindicação? São todas aquelas que estão nos cartazes. Cada tribo somada dá uma multidão, mas cada tribo é uma manifestação em si.
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