O juiz do trabalho Hugo Cavalcanti Melo Filho, integrante do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), tornou-se notícia no Paraná quando, no início do mês passado, determinou afastamento, do governo do estado, de Luiz Fernando Delazari, secretário estadual de Segurança. Delazari é promotor de Justiça licenciado e membros do Ministério Público, pela lei, não podem exercer cargos no Executivo.
Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, Cavalcanti explica em detalhes as razões pelas quais Delazari não pode permanecer no governo e afirma que irá pedir punições ao secretário por ele insistir em permanecer no governo. Cavalcanti também comenta outro assunto que tem sido amplamente discutido no Paraná: o nepotismo. Desqualifica os argumentos de quem fala que parentes qualificados de políticos podem ocupar cargos na administração pública e cobra do MP paranaense mais firmeza para garantir o fim do nepotismo no estado.
Foi com base nos princípios constitucionais da impessoalidade e moralidade que o CNMP decidiu coibir a prática do nepotismo. Mas o governo e prefeituras questionam essa interpretação da Constituição. Há outro argumento em relação ao qual o CNMP se baseia para dizer que o nepotismo é ilegal?
Se não não há quebra do princípio da impessoalidade em alguém escolher o filho ou seu parente para trabalhar no serviço público, em um universo de 180 milhões de pessoas [população brasileira], não sei o que isso é. O STF, quando examinou essa questão, disse que os princípios da moralidade, que estão na Constituição, são mais do que suficientes para impedir a nomeação de parentes na administração pública.
As autoridades devem exonerar os parentes mesmo sendo eles qualificados?
Se o parente é qualificado, que faça concurso público. Conheço muita gente qualificada. Nem por isso, essas pessoas têm parentes para lhes dar cargos. Essa questão da qualificação é uma conversa fiada. A Constituição resolve esse problema. Os cargos de provimento efetivo são acessíveis por concurso público. Então, no concurso é aferida a competência das pessoas. E uma vez titular de cargo público efetivo, a pessoa pode exercer os cargos comissionados.
Por que o Ministério Público, nos estados, age de forma diferente, dependendo da instância governamental, em relação ao nepotismo? Aqui no Paraná, por exemplo, o MP age de forma rápida em relação ao nepotismo nos municípios do interior, mas para coibir a prática na capital e no governo do estado há lentidão.
Se isso está existindo, é lamentável. A diferença de tratamento entre as esferas da administração pública pelo MP é um caso de se lamentar. Deveria haver um tratamento igual para todos. Por que o governador e o prefeito da capital podem ter parentes empregados na administração pública? Nenhum deles pode.
O presidente do Tribunal de Contas do Estado (TC), Nestor Baptista, diz que para se demitir os parentes tem de haver uma lei específica. Aí, a prefeitura de Curitiba disse que consultaria o TC antes de demitir os parentes do prefeito e de secretários municipais. Já o MP apenas recomenda a exoneração dos parentes. É apenas recomendação. Poderia haver forma mais incisiva, que exigisse o fim do nepotismo?
A sugestão [de exoneração] tem de ser acompanhada de uma conseqüência. Se o MP só recomenda e a recomendação não é atendida, ela é inútil. Nós sabemos que o apego ao patrimonialismo é muito grande. Quando o presidente do TC no Paraná diz que não vai exonerar ninguém é porque deve ter filhos ou parentes no órgão. Isso aconteceu no Judiciário também. Os desembargadores disseram que não iriam exonerar os parentes. E, depois, quando perceberam que o negócio era para valer, não teve jeito. No MP foi a mesma coisa. Se não houver ninguém com interesse de pôr para frente e buscar conseqüências mais drásticas, fica difícil.
Quais as punições que poderiam haver para quem não cumprir a a sugestão?
Nesse caso, caberia uma ação judicial específica do MP com base na própria posição do STF. E não tem porque não entrar com uma ação. Uma coisa é entrar com a ação e ela ser julgada improcedente. Outra coisa é nem entrar com a ação.
Mudando de assunto: por que o CNMP decidiu que promotores de Justiça não podem exercer cargos no Executivo?
Isso não é criação do CNMP. A Constituição diz isso. Ela diz que é vedado a membros do MP exercer qualquer cargo, salvo de magistério. A ressalva dessa vedação é para os que entraram antes de 1988 no MP. O CNMP está apenas exigindo o cumprimento da Constituição, pois ninguém cumpria.
No caso do Paraná, o secretário de Segurança, Luiz Fernando Delazari, alega que está de licença do MP, sem vencimentos. Por isso poderia ficar no governo. O fato de ele, mesmo em licença, estar no quadro do MP poderia ser interpretado como acúmulo de funções?
A justificativa do secretário, com todo respeito que tenho por ele, convenhamos, é para dissimular. É uma manobra jurídica, mas que não pode surtir efeito. Não há interrupção do vínculo. Ele continua nos quadros do MP e continua exercendo as perrogativas de membros do MP. Ora, se o vínculo estivesse interrompido, ele não poderia estar exercendo o direito de estar em licença. A licença, aliás, foi concedida liminarmente, de forma precária. E, evidentemente, a licença não autoriza a descumprir a Constituição. Pelo argumento dele [Delazari], ele poderia agora passar a advogar. E não pode, pois a vedação é a mesma. A mesma vedação que existe para advogar existe para exercer outro cargo. Só esse exemplo mostra o absurdo que é a tese dele. Só quem está livre é quem entrou antes de 1988 no MP, o que não é o caso do Delazari. E mais: a lei orgânica do MP do Paraná é expressa ao dizer que, no gozo de licença, promotor não pode exercer as suas funções de promotor e nenhuma outra, pública ou privada. Por qualquer ângulo que se examine a questão, o secretário está descumprindo a lei.
A única opção do secretário Delazari é recorrer ao STF?
Não sei o que ele vai fazer. O recurso dele no CNMP foi incabível em termos de regimento interno do MP. O que sei é que ele continua ilegalmente exercendo o cargo de secretário.
O que o MP pode fazer em relação a Delazari?
Ele já enfrenta, no Paraná, um processo disciplinar. E eu vou apresentar uma reclamação disciplinar contra ele. Isso deve ocorrer até a próxima sessão [do CNMP], no dia 7 de maio. E verei a gradação na lei para ver qual a penalidade a ser pedida.
O promotor Delazari é o único no Brasil a desrespeitar a norma?
Que eu tenha conhecimento, sim. Ele é o único.
Hugo Cavalcanti Melo Filho, integrante do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
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