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      Lula ainda ecoa em Brasília como sinônimo de poder, mas os primeiros seis meses da gestão Dilma Rousseff já mostram algumas diferenças na administração federal. O período serviu para assentar uma transição de estilos de governar, que mesclou continuidade com novas práticas. Apesar das turbulências políticas, a presidente conseguiu imprimir marcas próprias na economia, nas relações exteriores e na área social.

      Enquanto as relações com o Congresso Nacional ainda são marcadas por acordos estabelecidos por Lula, Dilma inovou no combate à inflação ao não insistir apenas na alta dos juros. Também impôs uma nova imagem internacional com o distanciamento do Irã e a reaproximação aos Estados Unidos. Além disso, encampou uma audaciosa meta de tirar da miséria 16,2 milhões de brasileiros até 2014.

      Graças à crise que provocou a demissão de Antonio Palocci da Casa Civil, também deu cara nova ao núcleo de poder do Palácio do Planalto, ao optar no mês passado pela paranaense Gleisi Hoffmann como gerente do governo e escalar Ideli Salvatti para as relações institucionais. As alterações são apontadas como o verdadeiro começo da "era" Dilma. Na prática, porém, muito dessa fase já começou.

      Depois da distribuição de renda, foco na miséria

      Lula chegou ao Palácio do Planalto em 2003 apresentando o Fome Zero como carro-chefe das propostas de assistência social. No final, a fama pela diminuição da desigualdade acabou creditada ao Bolsa Família. Em 2011, Dilma volta a calibrar o foco: a estrela do novo governo é o programa Brasil Sem Miséria, que tem a meta de erradicar a pobreza extrema no país até 2014.

      O primeiro desafio foi definir quem são os brasileiros mais miseráveis. Com base nas informações do Censo de 2010, foram delimitadas 16,2 milhões de pessoas com renda familiar mensal per capita de até R$ 70. O contingente representa 8,5% do total de 190,76 milhões de habitantes. Mais da metade do grupo (52,7%) vive no Nordeste e 715.961 (4,4%) no Sul.

      Na prática, o novo programa tem poucas inovações. O trabalho será conduzido em três eixos (transferência de renda, acesso a serviços públicos e inclusão produtiva) e vai funcionar como um esforço coordenado de ações já adotadas no governo Lula. Há chance de que o Bolsa Família beneficie mais pessoas, mas sem mudanças nas regras atuais.

      Na reorganização dessas políticas, Dilma deu mais protagonismo ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. A nomeação da nova ministra Tereza Campello (que substituiu a paranaense Márcia Lopes) foi uma das escolhas mais pessoais da presidente. A atenção ao social também ficou evidente na nova marca oficial do governo – saiu o "Brasil, um país de todos", entrou o "País rico é país sem miséria".

      Na opinião da professora Solange Fernandes, do curso de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Dilma acerta na ousadia da meta. Para ela, o Brasil Sem Miséria é uma inovação porque ultrapassa a questão de complementação da renda. "No Brasil, os miseráveis eram tão miseráveis que eram inalcançáveis por políticas sociais que exigiam, por exemplo, moradia fixa ou documentação, para inclusão dessas pessoas. Faz-se necessário incluí-los e promovê-los a alcançáveis – e é isso que políticas dessa natureza propõem."

      Combate à inflação fica menos focado nos juros

      As diferenças de estilo entre Lula e Dilma Rousseff são claras na política, mas discretas na economia. Apesar de não ter se esforçado para manter Henrique Meirelles no Banco Central (BC), a presidente continuou com Guido Mantega no Ministério da Fazenda. A linha de gestão permanece a mesma, mas há algumas mudanças sutis – em especial, nas escolhas dos instrumentos de enfrentamento à inflação.

      "No governo Lula, o BC seguiu uma cartilha mais conservadora, concentrada na alta dos juros para diminuir a inflação. Dilma combinou mais instrumentos, como o controle de crédito, o que foi uma mudança interessante e segue uma tendência internacional", avalia o economista André Biancareli, professor da Universidade de Campinas.

      Ao final do primeiro semestre de 2003, a taxa básica (Selic) era de 25,5% ao ano. Lula enfrentava pressões (em especial, do PT) para diminuí-la, mas a queda só começou no sétimo mês de mandato. A estratégia deu resultado e a inflação anual passou de 12,53% em 2002 para 9,3% em 2003.

      Dilma também subiu os juros no primeiro semestre de governo, de 10,75% para 12% ao ano, mas deu sinais de que a máquina pública também precisaria fazer a sua parte. Em fevereiro, anunciou o corte de R$ 50 bilhões no orçamento. A estimativa do BC é que a inflação encerre o ano em 5,8%, acima da meta de 4,5%, mas em um patamar considerado "tolerável" em uma economia aquecida.

      Assim como Lula, Dilma também tem conseguido fazer pouco em relação à sobrevalorização do real. A questão depende de negociações internacionais entre China e Estados Unidos. A presidente, no entanto, tomou uma medida dura para diminuir a onda de gastos dos brasileiros no exterior ao aumentar a taxa sobre compras com cartão de crédito fora do país de 2,38% para 6,38%.

      Coalizão ajudou Lula, mas complica Dilma

      Apesar de contar com o apoio de quase 80% dos congressistas eleitos no ano passado, as relações com o Poder Legislativo foram o calvário da presidente Dilma Rousseff nos primeiros seis meses de governo. A maioria dos acordos políticos que formaram uma base aliada de 18 partidos foi herdada da era Lula, mas os descontentamentos com a nova gestão não tardaram a aparecer. Com os cargos mais nobres da administração federal loteados ainda em 2010 e menos recursos devido aos cortes no orçamento, muitos "amigos" (inclusive petistas) acabaram se transformando em um incômodo.

      Nas primeiras votações, parecia que a maioria folgada garantiria vida fácil a Dilma, como na aprovação do reajuste do salário mínimo. Todos os 77 deputados peemedebistas votaram a favor da proposta de R$ 545, em sinal de fidelidade à presidente. Em maio, a maré começou a virar. Contrariando as ordens do Palácio do Planalto, o PMDB apresentou uma emenda ao projeto do novo Código Florestal que abre mais brechas para a ocupação de áreas de preservação permanente.

      As dificuldades de diálogo com o Congresso também colaboraram para a demissão de Antonio Palocci da Casa Civil, no mês passado. Outro substituído foi o ministro das Relações Institucionais, Luiz Sérgio, que ganhou o apelido de garçom – anotava os pedidos dos aliados, mas não tinha autonomia para atendê-los. Com Lula, as crises e demissões também atingiram o núcleo político do Planalto, mas demoraram mais – o auge do mensalão e a demissão de José Dirceu ocorreram em 2005, no terceiro ano do primeiro mandato.

      Para o cientista político Carlos Melo, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), a comparação entre os dois governos prova que há uma exaustão do presidencialismo de coalizão. "Quando Lula assumiu, precisava povoar o governo, tinha o que oferecer aos aliados. Já Dilma tem menos o que ofertar e mais gente querendo espaço", explica.

      Irã e EUA diferenciam relações internacionais

      Ao distanciar-se do Irã, receber em Brasília o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e emplacar o novo diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), os primeiros seis meses de Dilma Rousseff no governo marcam uma nova fase do Brasil nas relações internacionais. Enquanto Lula criou uma imagem de desalinhamento com o discurso dos países desenvolvidos, a presidente dá sinais de que será mais pragmática e que não criará barreiras ideológicas para resgatar parceiros econômicos.

      A visita de Obama ocorreu logo no terceiro mês da gestão Dilma e comprovou a suspeita de que o norte-americano esperou Lula deixar o poder para tentar uma aproximação com o poder. Apesar de ter chamado o ex-presidente de "o cara", Obama teve dificuldade em aceitar a participação brasileira nas negociações sobre o programa nuclear do Irã.

      O coordenador do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais da Universidade Federal do Paraná, Alexsandro Eugenio Pereira, diz que Dilma começou a se diferenciar quando condenou o tratamento dado pelo governo iraniano a Sakineh Ashtiani, mulher que seria executada a pedradas após ser condenada por adultério e conspiração na morte do marido. Além disso, em março, o Brasil votou pela primeira vez, desde 2003, contra os interesses do país persa na Organização das Nações Unidas, ao apoiar a designação de um relator para apurar supostas violações de direitos humanos no Irã.

      Para Pereira, no entanto, não é correto esperar uma posição de subserviência em relação aos EUA. "O governo Dilma indicou que pretende aumentar o diálogo com os Estados Unidos, o que não significa alinhamento automático às posições americanas."

      O professor também explica que a escolha de José Graziano da Silva para a direção-geral da FAO, no mês passado, deve ser creditada ao esforço de Lula. "A eleição de Graziano é resultado da gestão Lula e da imagem do Brasil no exterior, disseminada pelo presidente brasileiro durante os seus mandatos."

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