Um garoto com no máximo 16 anos senta-se na cadeira de couro da mesa diretora da Assembleia, saca o celular, estica o braço e faz uma selfie. O gesto seria repetido várias vezes por professores e manifestantes das mais diversas matizes ideológicas até a desocupação final do plenário da Assembleia Legislativa.
Veja fotos do protesto e do confronto com a polícia
Tomada por colchões, cobertores e tendas, e um cheiro azedo de suor, resultado de muita gente convivendo por ali há dias sem ventilação, a Casa do Povo presenciava momentos de acampamento. Na frente da mesa diretora, avolumavam-se garrafas pet de Coca-Cola, biscoitos de água e sal e maçãs.
Sem ventilador e ar-condicionado, a maioria usava bermuda e chinelo. Na sala de imprensa, onde ainda funcionavam poucos ventiladores, alguns professores aproveitavam para carregar seus celulares e notebooks. Enquanto isso, duas mulheres passam com sacos de lixo recolhendo garrafas plásticas de água, papéis e a sujeira possível de ser retirada do plenário. Os homens ficam olhando.
A desocupação começa quando o professor Osvaldo, diretor da APP, um dos integrantes do comando estadual de greve, toma o microfone. Reclama da falta de respeito de alguns que não o conhecem, se apresenta e aí sim agradece a todos. Mas o microfone não ajuda, a estática produz um ruído horrível e o discurso é interrompido no meio. Alguém gira uns botões, dá uns tapas no microfone e ele volta a funcionar. "Vocês ficaram o dia inteiro no Sol. Enfrentaram o terrorismo lá fora. Eu fui pisoteado pela polícia. Mas os deputados foram obrigados a chegar com o Choque. O comando ocupou este espaço com 20 mil pessoas. A greve continua. O acampamento continua lá fora. E se precisar ocupamos aqui de novo."
O deputado Tadeu Veneri (PT) sobe para falar. "Não vai mais ter comissão geral [o dispositivo que acelera a votação de projetos de lei sem a análise e discussão das comissões da Assembleia]. Isso é certo. O que vocês fizeram é algo impensável. Não aconteceu nem [na votação da privatização] na Copel." É aplaudido. Enquanto discursava, um sujeito com a camiseta da APP tirou três selfies ao lado dele.
Uma discussão começa. Parte dos manifestantes presentes grita palavras de ordem contra a direção da APP, diziam que não queriam desocupar o plenário, finalmente sobem à mesa diretora e conseguem pegar o microfone para falar. No fim de um dos discursos, porém, o microfone é desligado e a caixa de som é retirada. Não se dando por vencida, a manifestante toma o megafone, que tem um adesivo do PCB, com a foice e o martelo, colado ao lado, e começa a berrar: "o sindicato reproduz a mesma estrutura autoritária do estado."
É a vez de outra professora falar. Eliane Figura, professora de matemática de Dois Vizinhos, tenta apaziguar. "Temos que ver os pontos que 'foi errado' (sic)", diz, evidenciado sua vocação para os números, e não para as letras.
O grande ponto de discórdia é que um grupo gostaria de ter sido mais ouvido pelo comando de greve, "composto por umas 30 pessoas, no máximo", segundo o professor de sociologia Hatherton Santos, que dá aula no colégio estadual Marli Queiroz Azevedo, na Cidade Industrial. "Desde o início da greve, as tomadas de decisão não estão sendo discutidas com a base, são verticalizadas. A gente conseguiu cobrar que estas questões fossem colocadas mais democraticamente", afirmou.
Para o diretor de Relações Sociais da APP, professor Cafu, que dá aula de história no colégio estadual Homero Batista de Barros, no Capão Raso, "não faria sentido politicamente ficarmos aqui [ocupando o plenário]. Essa é uma reivindicação de uma série de movimentos que não têm prática de constituir comando, como o Movimento Passe Livre (MPL), Black Blocs, que odeiam partidos e odeiam sindicatos."
No final, todo mundo foi embora. Quando os policiais militares entraram para cuidar da desocupação, apenas o deputado Tadeu Veneri ainda conversava com meia dúzia de professores. O clima era amistoso, e se formou um inusitado papo entre o político, três policiais e os professores. O deputado reclamou que alguns policiais fizeram o gesto de "beijinho no ombro" para professores que estavam na área do plenário reservada para o público, ainda antes da ocupação. O tenente concordou com o deputado que o policial estava errado. "O policial pode até ter opinião, mas não pode fazer isso." Veneri foi além. "Não pode provocar a massa."
Em entrevista à Gazeta do Povo, Veneri disse que temeu pelo pior. "Se não houvesse a negociação na hora certa, haveria um massacre, uma carnificina. Fica a lição que ninguém pode votar como quer."
O sentimento entre os professores que vieram de longe e enfrentaram fome e péssimas condições de higiene durante dias era de vitória. "A gente conseguiu acabar com um projeto que na prática acabava com a carreira do funcionalismo público", comemorava Célio Rinaldin Sposito, professor de história do ensino fundamental e médio em Cianorte. Ele veio em um dos três ônibus lotados de professores da cidade interiorana que passou a semana na capital. Em todos esses dias, tomou banho uma única vez, na casa de um professor da APP. O almoço era sanduíche de queijo e presunto. "Mesmo assim valeu a pena ter saído de Cianorte." Seis professores que vieram com ele ainda ficariam acampados durante o carnaval.
O presidente do APP Sindicato, Hermes Leão, com uma faringite, mal conseguia falar no final desta quinta-feira. "Conseguimos impor uma derrota a dois poderes ao mesmo tempo. Uma derrota ao Executivo e uma derrota fragorosa aos deputados, que chegaram de camburão à Assembleia. Foram 33 deputados covardes que não tiveram coragem de passar entre o povo, sem capacidade de interpretar a situação. Lamento que tenha sido necessário ocupar a Assembleia duas vezes, mas duvidaram da força do movimento."
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