Entrevista
Amauri Serralvo, advogado e membro do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral.
A demora na votação do projeto é proposital?
Não posso afirmar que seja proposital. Mas não estranharia nada que fosse uma decisão de caso pensado. É muito oportuno para alguns deputados protelar qualquer proposta que tornem mais rígidas as regras de inelegibilidade.
O que resta à sociedade fazer?
A maior pressão já foi feita, que são as 1,6 milhão de assinaturas a favor do projeto. Agora o jeito é pressionar um por um. É mandar e-mail, correspondência, coisa que o povo não acredita muito que funciona, mas que serve para marcar posição. É preciso mostrar aos deputados que estamos atentos. Não é uma questão de simplesmente querer uma nova lei, mas da necessidade de termos uma legislação mais rígida.
A proposta pode ser melhorada como sugere a maioria dos partidos?
Se for para melhorar do jeito que eles querem, qualquer cesta de lixo resolve. Vai melhorar o quê? Já negociamos tudo aquilo que podíamos, não houve intransigência nem quanto à condenação apenas em primeira instância. Eles não vão aprovar o projeto como queríamos, vão fazer uma porção de restrições. Além disso, já deixaram claro que será um processo bem demorado. (AG)
OAB e CNBB criticam adiamento
Folhapress
Brasília - Entidades do movimento de combate à corrupção criticaram ontem a decisão dos líderes partidários da Câmara dos Deputados de adiar para maio a votação, em plenário, do projeto que estabelece a "ficha limpa" para os candidatos às eleições. Para os representantes, a resistência ao texto mostra que os parlamentares agem em interesse próprio sem levar em consideração a vontade popular.
Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, a mudança de postura dos líderes que sinalizaram colocar o texto em votação na noite de ontem, mas decidiram alterar a proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), é motivado pelo corporativismo.
"Hoje (ontem) a Câmara frustrou mais de 1,5 milhão de brasileiros e mostrou que os interesses pessoais se sobrepõem ao interesse da sociedade. A Câmara perdeu a oportunidade e prestou desserviço a si própria. O projeto resgataria a boa imagem dos políticos do país e daria uma lufada de esperança aos brasileiros", disse Cavalcante.
Na avaliação do secretário-geral da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Dimas Lara, os deputados precisam entender que o projeto não é contrário aos políticos. "Esse é um projeto a favor da sociedade e não contra o parlamento."
Brasília - Mesmo após seis meses de debate, a maioria dos líderes partidários da Câmara dos Deputados quer mais tempo para colocar em votação o projeto Ficha Limpa. A proposta, que torna mais difícil a candidatura de políticos com problemas na Justiça, estava prevista para ser votada ontem em plenário, mas só deve entrar na pauta em três semanas. A demora inviabiliza que o texto já possa valer para as eleições de outubro. Para isso ocorrer, o projeto deve ser aprovado e sancionado até junho.
A expectativa de decidir o assunto rapidamente foi enterrada pela ação de nove partidos da base aliada ao governo Lula. Líderes do PT, PMDB, PP, PTB, PR, PSB, PCdoB, PDT e PMN se negaram a assinar o requerimento de urgência necessário para a matéria ser votada logo em plenário. Com isso, o texto foi encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A urgência, que agilizaria a votação em plenário, só contou com o apoio de PSDB, DEM, PPS, PSC, PSOL, PHS e PV.
O projeto de iniciativa popular que dificulta a candidatura dos chamados fichas-sujas foi organizado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e conta com 1,6 milhão de assinaturas. O texto original chegou à Câmara no dia 29 de setembro de 2009 e foi debatido por um grupo de trabalho com representantes de todas as legendas por 40 dias. O conteúdo foi modificado em alguns pontos e transformou-se em um substitutivo do relator, deputado Índio da Costa (DEM-RJ), que inclui a necessidade de condenação por um tribunal colegiado para estipular a inelegibilidade e não apenas a sentença em primeiro grau, como era previsto na primeira versão.
"Falar que não tivemos tempo para discutir é uma desculpa esfarrapada", disse o líder do PSOL, Chico Alencar (RJ). "Estamos passando por um processo nítido de enrolação", definiu Vanderlei Macriss (PSDB-SP), que acompanhou a reunião que retardou a votação. Embora tenha atuado em conjunto, a oposição precisaria do apoio da maioria para conseguir dar urgência ao projeto.
O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), prometeu que tomará uma atitude sozinho caso a proposta fique estagnada na CCJ. "Não se pense que isso é estratégia para retardar, para alterar (a proposta), porque a presidência da Câmara tem a disposição de que se deve votar esse projeto", declarou. Ele também ressaltou que cumpriu a promessa de colocar o texto em votação ontem, mas que o prosseguimento foi comprometido pela falta de um "acordo numérico" entre os líderes.
"Eu até vou anunciar mais ou menos uma data para a votação em plenário: será na primeira semana de maio, no mais tardar." Apesar da previsão, a manobra de ontem esfriou as expectativas sobre a proposta. "Se fosse votado agora já seria difícil de valer para as eleições de outubro, com esse atraso fica praticamente impossível porque o Senado não vai conseguir votar até as convenções partidárias de junho", disse o deputado paranaense Rodrigo Rocha Loures (PMDB).
Críticas
As críticas ao projeto estão relacionadas aos tipos de crimes e ao grau de condenação que leva à inelegibilidade. Partidos como o PR e o PP apresentaram extensos questionamentos sobre a constitucionalidade da matéria. Atualmente, as regras estão definidas pela Lei Complementar 64/1990, que estipula a inelegibilidade apenas para candidatos condenados com sentença definitiva (transitada em julgado).
Além disso, atualmente apenas sete tipos de crime impossibilitam a candidatura. Pelo substitutivo de Índio da Costa, crimes contra o meio ambiente, a saúde pública e a dignidade social também passam a ser motivo de inelegibilidade. "Como é que alguém que cortou uma árvore pode ser considerado inelegível?", criticou o líder do PP, João Pizzolatti (SC). Segundo ele, nenhum partido se colocou contra a aprovação da proposta, mas a maioria acredita que é possível aprimorá-la. "Ou vamos fazer política, ou vamos fazer um projeto legal, que proteja a instituição (Câmara)", disse Pizzolatti.
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Interatividade
Os critérios para inelegibilidade previstos no projeto Ficha Limpa ferem o princípio de presunção da inocência?
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