Um eventual governo do vice-presidente Michel Temer deve ser tratado como ilegítimo. A opinião é do ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo. Ex-ministro da Justiça e responsável pela defesa da presidente Dilma Rousseff, Cardozo falou ao Estado de São Paulo os motivos pelos quais considera o processo de impeachment contra a petista é um golpe e admitiu que o governo pode levar o caso novamente ao Supremo Tribunal Federal, mesmo antes da votação na Câmara dos Deputados, que será realizada neste domingo, 17.
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A partir de segunda-feira, seja qual for o resultado, podemos esperar alguma estabilidade política no País?
Se vier a se prolongar não há estabilidade possível porque qualquer governo não terá legitimidade. Seja o vice-presidente, seja o presidente da Câmara. O mundo nos observa. Aos olhos do mundo isso vai ser um golpe. Tanto que em um mês caiu muito o número de pessoas a favor do impeachment.
Até este domingo ainda é possível alguma nova ação na Justiça para tentar barrar o processo de impeachment?
Estamos acompanhando passo a passo o processo de impeachment e sempre que julgarmos necessário faremos a judicialização. Se faremos ou não até a votação é algo que será avaliado a cada dia e a cada momento.
O senhor não vai abrir sua estratégia.
É claro que não (risos).
Qual a importância política de o Supremo ter delimitado o objeto do impeachment em dois pontos específicos, pedaladas fiscais e decretos de crédito incompatíveis com a meta fiscal?
Porque a inclusão de outras questões foi política. Abriram um processo com duas denúncias e depois passaram a criar um clima político com qualquer fato novo que acontecia. Chamaram o professor Miguel Reale Jr. e a professora Janaína (Paschoal) para prestarem um depoimento sobre tudo. Depois juntam a delação do (senador) Delcídio Amaral. Ou seja, cria-se um clima e, para nós, é uma situação muito estranha. Como é que você vai se defender se não sabe exatamente qual a acusação? Eu teria que responder à toda a delação do Delcídio ponto a ponto? A todas as acusações feitas, até pelo que estava fora do mandato? Tanto que várias vezes usei a expressão “processo kafkiano”. Você cria uma confusão e turva o processo.
Por que o senhor chama a abertura do processo de impeachment na Câmara de chantagem?
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, praticou desvio de poder. Ele abriu o processo todo mundo sabe como. Ameaçou o governo dizendo que, se nós não déssemos os votos na Comissão de Ética, ele abriria o processo de impeachment. Aí o PT disse que não faria, e ele abriu. Nem disfarçou. É um fato notório, mas a palavra mais expressiva é do próprio Miguel Reale Jr., que chamou textualmente de chantagem. O nome disso em Direito é desvio de finalidade. Isso é nulo. Até o advogado dele (Cunha) assessorou o relator (deputado Jovair Arantes, PTB-GO).
O fato de Cunha ser réu na Lava Jato tem algum peso jurídico?
Não. E ele nem foi condenado. Também não podemos prejulgar ninguém. Mas do ponto de vista político fica claro que existem dois pesos e duas medidas. O processo dele no Conselho de Ética caminha a passos de tartaruga. No caso da presidente, o processo corre a toque de caixa. As acusações contra ele são severas, enquanto a presidente pode ser cassada por uma questão contábil. São duas situações que sempre foram feitas por governos e, quando mudou a posição do TCU (Tribunal de Contas da União), se parou de fazer. Veja que situação paradoxal.
Não é um equívoco achar que só corrupção é crime? A presidente não cometeu uma irresponsabilidade fiscal que hoje afeta de forma negativa a vida de toda a população?
É sim um equívoco achar que só corrupção é crime. Estou apenas comparando os pesos. Acontece que no presidencialismo a Constituição dá uma série de garantias ao presidente para manter a estabilidade institucional. Exatamente por isso o impeachment é uma situação excepcionalíssima. A Constituição deixa claro que os crimes de responsabilidade devem ocorrer no caso de o presidente praticar atos atentatórios à Constituição. Atentado. Não é uma irregularidade nem uma ilegalidade. É um fato gravíssimo. Tem que ter um ato comprovado, doloso e estar tipificado como atentado à Constituição. Quais são os dois fatos que estamos discutindo? O primeiro é decreto de suplementação (orçamentária). Não tem nada a ver com a meta fiscal. Se você fizer a suplementação de um item do Orçamento e contingenciar outro não está ferindo a meta fiscal, pois não está aumentando o gasto. Fizemos o maior contingenciamento da história em 2015. O que gerou o problema da meta fiscal foi a queda da receita. O Congresso aprovou a mudança na meta. Não tem ilegalidade. Mesmo que tivesse havido dolo da presidente? Não. Sempre foi feito. Não há má-fé. A prova de que não está errado é que o TCU pediu a mesma coisa para ele próprio. Quando o TCU mudou de opinião, o governo não baixou mais nenhum decreto. Isso é um atentado à Constituição? Não é.
E as pedaladas?
A pedalada que está em pauta é do Plano Safra 2015. O Banco do Brasil pagou os produtores e depois repassa o valor para o banco. Eles alegam que é um empréstimo porque o governo atrasou os repasses. Mas neste caso não é empréstimo. Se fosse, quando o empregador deixa de pagar o empregado poderia dizer que o empregado emprestou dinheiro ao empregador. Isso é correto? Quando o TCU mudou de opinião sobre isso, o governo também deixou de fazer. E tem outra característica. Pela lei, quem é que gerencia o Plano Safra? É o ministro da Fazenda e o Conselho Monetário Nacional. Não tem nenhum ato de gestão da presidente. Ela não assinou nada. Não foi nem julgado pelo TCU.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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