O ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, um dos principais delatores na Operação Lava Jato, disse em vídeo gravado pela PGR (Procuradoria Geral da República) que o ex-senador e ex-presidente do PSDB Sérgio Guerra (PE), morto em 2014, pediu “uma recompensa” para não efetivar uma CPI da Petrobras no Congresso.
Costa contou ainda que recebeu do chefe de gabinete do então presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli (PT), Armando Tripodi, um sinal verde para levar a negociação adiante.
Segundo Costa, Guerra lhe pediu pessoalmente um total de R$ 10 milhões como propina, durante reunião da qual participou o atual deputado federal Eduardo da Fonte (PP-PE). No vídeo, gravado em fevereiro pela PGR no Rio de Janeiro com autorização do STF, Costa contou que o valor foi pago por meio do empresário lldefonso Colares, da empreiteira Queiroz Galvão --escolhida para a operação porque tem como origem o mesmo Estado do senador, Pernambuco.
“‘Serviço realizado’. Sim. E a CPI não foi feita”, afirmou Costa. Voltando-se para seu advogado, o ex-diretor afirmou: “PSDB, doutor”.
Segundo Costa, o diálogo com o senador, ocorrido em um hotel no Rio de Janeiro, foi o seguinte: “[Sérgio Guerra falou:] ‘Paulo, nós estamos aqui para discutir um assunto que é interesse da Petrobras e tal, não sei o quê’. [Eu disse] ‘Qual é o assunto?’. ‘Não, temos a possibilidade de não efetivar a CPI da Petrobras’. Lá em 2009, 2010. Eu falei ‘mas como é que isso?’ ‘Não, se tiver uma recompensa aí a gente...’“
As declarações de Costa abrem dúvidas sobre o exato ano dessas negociações, pois no ano de 2009 o Senado chegou a abrir e tocar uma CPI sobre a Petrobras, embora Costa tenha dito que a CPI “não foi feita”. A CPI de 2009, que foi curta (de julho a dezembro) e encerrada laconicamente sem grandes revelações, teve como relator outro investigado na Lava Jato, o senador Romero Jucá (PMDB-RR).
Sérgio Guerra foi membro titular da comissão no bloco da minoria.
Um dos focos alegados da CPI foi a construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, sob investigação do TCU. Porém, nenhum dos empreiteiros que participaram das obras foi ouvido na comissão. No depoimento à PGR, Costa disse não saber detalhes de como o dinheiro foi pago pela Queiroz Galvão a Guerra, se em caixa dois ou em doações eleitorais oficiais.
Nas eleições de 2010, empresas do grupo Queiroz Galvão doaram um total de R$ 11,6 milhões para o PSDB, divididos entre a direção nacional e os diretórios estaduais do partido. Naquele ano, Sérgio Guerra era o presidente nacional do PSDB. No mesmo ano, a construtora repassou R$ 13,5 milhões a diretórios nacional e estaduais do PT.
Na campanha eleitoral do ano passado, quando a Folha de S.Paulo revelou as declarações de Paulo Roberto Costa sobre o suposto pagamento de propina a Guerra, o PSDB emitiu nota na qual afirmou que o partido “defende que todas as denúncias sejam investigadas com o mesmo rigor, independente da filiação partidária dos envolvidos e dos cargos que ocupem”.
Francisco Guerra, filho do ex-senador, afirmou na época: “Eu não tenho absolutamente nenhuma declaração a dar. Eu não tenho como falar com alguém que já não está mais aqui. Mas eu preservo o legado do meu pai com muita honra”.
Em petição ao STF no inquérito que investiga sua eventual participação em delito sob investigação na Operação Lava Jato, o deputado Eduardo da Fonte negou qualquer irregularidade. “Inicialmente esclareço que nunca compactuei ou pratiquei atos de corrupção em minha vida e que estou à inteira disposição de Vossa Excelência e desse egrégio Supremo Tribunal Federal para esclarecer quaisquer elementos referentes”.
Procurada pela reportagem no último dia 9 de março, a Petrobras afirmou que reitera que Armando Tripodi “nega ter tratado sobre a suposta tentativa de obstruir o funcionamento da CPI” criada para investigar a Petrobras com o ex-diretor Paulo Roberto Costa, com qualquer parlamentar específico ou empresa fornecedora da companhia”.
“Tripodi coordenou os trabalhos para a produção de esclarecimentos solicitados pela CPI na época e teve contatos com o ex-diretor sobre os assuntos pertinentes à área de Abastecimento”, informou.
Leia a seguir os principais trechos do vídeo em que Costa narra suas negociações com Fonte e Guerra:
Paulo Roberto Costa: Eduardo da Fonte pediu para conversar comigo num hotel lá na Barra da Tijuca. Eu já conhecia Eduardo da Fonte, PP, aquele negócio todo. Cheguei lá no hotel, vai no apartamento --acho que era no Sheraton ali da Barra-- vai no apartamento tal. Para surpresa minha, quem que tava no apartamento? Eduardo da Fonte e Sérgio Guerra. Os dois no apartamento...
Procurador: É hotel Sheraton?
Costa: É. Se não me engano era o Sheraton da Barra.
Procurador: É um perto do outro. Era Sheraton e tem um depoimento que era Windsor, é um dos dois, é um perto do hotel, agora tem que checar.
Costa: Muito bem, um do lado do outro.
Procurador: Parece que teve uma reunião no Sheraton e outro no Windsor sobre esse tema?
Costa: Foi mais de uma reunião, mas agora não posso te precisar, acho que foi uma reunião em um hotel e outra em outro. [...] Eduardo da Fonte junto com Sérgio Guerra. Fonte era PP e Sérgio Guerra era PSDB.
Procurador: Era senador?
Costa: Senador e presidente do partido, acho que na época era presidente do partido. [Falou] ‘Paulo, nós estamos aqui para discutir um assunto que é interesse da Petrobras e tal, não sei o quê’. [Eu disse] ‘Qual é o assunto?’. ‘Não, temos a possibilidade de não efetivar a CPI da Petrobras’. Lá em 2009, 2010. Eu falei ‘mas como é que isso?’ ‘Não, se tiver uma recompensa aí a gente...’ Isso dito pelo S...
Procurador: Isso quem falou foi Dudu da Fonte ou o Sérgio Guerra?
Costa: Não, Sérgio Guerra. Porque ele é que tinha força para isso. O Dudu da Fonte aí foi um intermediário. Eu falei: ‘Eu não posso lhe dar essa resposta de bate-pronto, não tenho como te responder. Vou dar uma pensada, vamos conversar e tal’.
Procurador: Ele já falou o valor nessa ocasião?
Costa: Não, na primeira vez acho que não falou o valor. Aí voltamos, depois teve outra reunião, onde foi conversado o valor, aí ele colocou esse valor na mesa. Essa outra reunião, mesma coisa, Dudu da Fonte e Sérgio Guerra. [...] No meu conhecimento, Ciro Nogueira não participou dessa reunião - podia estar por trás - mas não participou dessa reunião.
Procurador: Esse “analisar a situação” envolve conversar com alguém, pedir autorização?
[...]
Costa: É. Eu cheguei a levar esse assunto para o chefe de gabinete do presidente da Petrobras, do presidente [José Sérgio] Gabrielli. [...] Levei esse assunto para ele e falei “está acontecendo isso e isso”. Ele falou “Paulo, era bom que resolvesse, né”. Eu falei: “É, era bom, né, era bom”. [risos]
[...]
Procurador: “Sim, seria bom que isso foi resolvido”, ele falou aí?
Costa: Ninguém queria que tivesse uma CPI da Petrobras naquele momento.
Procurador: Ele falou isso e falou o quê, “vou conversar com o presidente”?
Costa: Não, não falou nada. Falou só que seria bom que fosse resolvido. Obviamente que ele deve ter conversado com o presidente, mas eu não tive uma resposta dele nesse sentido, ele não me falou nesse sentido.
Procurador: Ao falar isso, o senhor entendeu que era para seguir adiante, né?
Costa: Claro, claro, lógico. Tivemos a segunda reunião, onde foi colocado então o valor de R$ 10 milhões pelo Sérgio Guerra.
Procurador: O chefe de gabinete chegou a perguntar qual...?
Costa: Não, quando eu falei com ele não tinha o valor ainda.
Procurador: Mas o chefe de gabinete chegou a perguntar “quanto é eles estão querendo”?
Costa: Não, que eu me lembre não, falou só que era bom resolver. Armando Trípodi era o nome dele! Pode pôr aí. Armando Trípodi.
[...]
Costa: [voltando-se para seu advogado] “PSDB, doutor!”
Advogado: Mudam as siglas mas não mudam os homens.
Costa: [concordando] Não mudam os homens.
Advogado: Os homens mudam de siglas como mudam de camisa.
[...]
Costa: Em cima disso eu procurei o Ildefonso Colares, que era da Queiroz Galvão, que tinha contratos muito grandes lá na Rnest [refinaria Abreu e Lima da Petrobras] de Pernambuco. Por que Queiroz Galvão? Porque Sérgio Guerra era pernambucano. Então seria mais fácil Pernambuco com Pernambuco. Procurei a Queiroz Galvão, o Ildefonso, e pedi para que ele fizesse essa transação. Obviamente que isso ele tirou isso do caixa do PP. Do que seria de comissão para o PP, obviamente que ele tirou.
Procurador: Uma curiosidade, quando tira assim do caixa como é que fica para pagar aquelas despesas correntes, o mensalão dos deputados? Porque é uma despesa extraordinária, não prevista, tem que explica isso para todos os deputados?
Costa: Mas todos eles tinham interesse de que não tivesse CPI da Petrobras naquele momento.
Procurador: Mas é isso que estou perguntando, avisava que ‘nós próximos meses não vai ter porque usamos lá para barrar’...
Costa: Sim, sim, sim.
[..]
Costa: [voltando-se para seu advogado] E dessa maneira a CPI de 2010 não foi feita. Não aconteceu. [risos] Isso vai para o livro, vai para o livro!
[...]
Procurador: E o senhor sabe como é que foi pago?
Costa: Também não. Eu...
Procurador: O senhor só acionou o Ildefonso?
Costa: O Ildefonso acionei e ele fez o pagamento e a CPI não ocorreu.
Procurador: E ele avisou depois o senhor quando ele fez?
Costa: ‘Serviço realizado’. Sim. E a CPI não foi feita.