Há pouco mais de uma semana no cargo, o ministro das Relações Exteriores, José Serra, quer deixar como marca de sua gestão um Itamaraty combativo e com uma posição mais relevante na Esplanada dos Ministérios do que nos últimos 13 anos do governo petista.
Com aval do presidente interino, Michel Temer, a estratégia de Serra é rebater duramente as críticas de países contrários ao afastamento de Dilma Rousseff do cargo e, ao mesmo tempo, buscar apoio interno e externo para ampliar a relevância do Brasil no cenário internacional, por meio de acordos com maior foco comercial e menor peso ideológico.
Serra teve que ser convencido por Temer a aceitar o Itamaraty. Só concordou em assumir a pasta depois de receber a secretaria-geral da Câmara de Comércio Exterior (Camex) e a Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), ambos até então ligados ao Ministério do Desenvolvimento (MDIC). Na última sexta-feira (20) ouviu do ministro do Planejamento, Romero Jucá, que o governo pagará cerca de US$ 800 milhões que deve a organismos internacionais. Foi uma vitória importante, que agradou os diplomatas.
José Serra é senador pelo PSDB de São Paulo. Foi deputado, governador e duas vezes candidato à Presidência da República. Na visão de fontes diplomáticas e especialistas ouvidos pela reportagem, o fato de o novo ministro das Relações Exteriores ser um político do calibre de Serra trará dividendos para o ministério e lhe garante interlocução direta com o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional.
“Um político do calibre de Serra atrai para o Itamaraty uma visibilidade maior.”
Um ponto delicado na avaliação dos especialistas, no entanto, é o fato de o governo Temer ser interino. Na prática, a visão das chancelarias estrangeiras é que existem dois chefes de Estado no momento, uma vez que Dilma Rousseff é presidente afastada. Isso dificulta a execução de uma intensa diplomacia governamental, que passaria pela organização de uma ampla agenda de viagens do ministro das Relações Exteriores. Só que várias nações titubeiam em organizar esses encontros neste momento.
Por enquanto, o único destino certo do ministro é a Argentina. Neste fim de semana, Serra desembarcará em Buenos Aires para um encontro com a chanceler do país vizinho, Susana Malcorra. Segundo uma fonte, “será uma viagem simbólica”.
“O atual governo não se instalou de forma definitiva. Isso faz com que haja pouco espaço para a diplomacia. Não dá, por exemplo, para esperar o reconhecimento dos demais países, até que o processo de impeachment seja consumado. Ao observarmos que não houve declarações de nações como a Rússia e a China, percebemos que eles estão aguardando uma definição”, destacou Kalout.
Com aval de Temer, Serra passou a rebater, em duros comunicados para o padrão diplomático, as críticas de países contrários ao afastamento de Dilma Rousseff da Presidência da República, com destaque para Venezuela, Bolívia, Equador, Cuba e Nicarágua. Fontes próximas ao ministro revelaram que ele fez questão de escrever pessoalmente as notas, com algumas anotações do próprio presidente interino.
“É quase consenso nacional que não podemos submeter os valores e interesses brasileiros a afinidades ideológicas de um partido. Deixamos de fazer muitos acordos bilaterais e regionais por causa dessa predisposição”, disse Sérgio Amaral, ex-ministro da Indústria e do Comércio do governo Fernando Henrique Cardoso e um dos embaixadores que têm assessorado Serra.
Crítico contumaz do Mercosul, Serra agora defende a renovação do bloco. Existe a percepção de que o bloco unido poderá expandir o leque de acordos com outros países, com menos divergências internas.
“É importante retomar as relações com as grandes potências democráticas. Falo de EUA, Europa, Canadá, Japão e Austrália. Temos em comum a defesa da democracia liberal e dos direitos humanos. Devemos rejeitar atitudes colonialistas, mas não hostilizar EUA e Europa como potências imperiais, como fazia o PT. A Guerra Fria acabou. No mundo globalizado, é preciso negociar soberanamente com o mundo todo.”
Para o consultor internacional Nelson Franco Jobim, o país precisa de uma política externa independente, soberana e flexível. Quanto ao Mercosul, Jobim acredita que seria importante resgatar a proposta original do bloco de regionalismo aberto.
“Um grupo de países que se une para ter voz mais forte e maior poder de barganha em negociações e foros internacionais. A Venezuela de Maduro atrapalha, mas de que servem Mercosul, Unasul (União de Nações da América do Sul) e Celac (Comunidade dos Estados Latinos e Caribenhos), se não forem capazes de negociar uma transição pacífica na Venezuela. É o problema mais urgente no nosso entorno”, enfatizou o consultor.
Logo ao assumir, Serra indicou que gostaria de rever custos com embaixadas e a África seria o foco. Porém, pessoas próximas ao ministro dizem que qualquer escolha de fechamento de embaixadas será feita criteriosamente, uma vez que o continente africano é um mercado importante e está em desenvolvimento. Até pouco tempo, empreiteiras brasileiras, enfraquecidas após a Lava Jato, disputavam com empresas chinesas as contratações de obras de infraestrutura e logística na região.
“O ministro não vai fechar as portas para a África. Nem vai deixar de olhar para direitos humanos a meio ambiente. Mas vai enfocar o pragmatismo”, disse um interlocutor com acesso ao ministro.