Na presidência da Câmara está sentado um desafeto da presidente da República e na presidência do Senado um inimigo do ministro-chefe da Casa Civil. Que situação.
Junte-se a isso o fato de o PT ter sido relegado ao patamar das quase irrelevâncias pelos deputados da própria base de sustentação do governo e em tese o cenário seria de terra arrasada para o Palácio do Planalto no day after do vexame sem precedentes de domingo.
A eleição de Severino Cavalcanti não conta, foi um incidente prontamente corrigido pelo destino. A votação pífia do petista Arlindo Chinaglia frente a Eduardo Cunha (PMDB) e até ao terceiro colocado, Júlio Delgado (PSB), foi resultado de uma obra de incompetência solidamente construída.
Mas, na política, costuma-se dizer que o fundo do poço tem mola. A questão é localizá-la e saber manejar os instrumentos corretos nos momentos certos para acioná-la. Essa é a tarefa do governo de agora em diante. E, por governo, evidentemente, entenda-se também o PT.
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, é desafeto da presidente Dilma Rousseff porque ela assim o quis. Em várias ocasiões, por reiteradas vezes, colocou-se em posição de confronto a ele em declarações feitas por intermédio de sua assessoria.
Os atritos do ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, com o presidente do Senado, Renan Calheiros, são públicos e remontam à época em que os dois eram colegas de Senado. Consta que esse resquício de amargor incentivou Mercadante a levar adiante o plano de enfraquecer o PMDB no segundo mandato de Dilma.
Não deu certo e lá estão os dois no comando do Legislativo, hoje politicamente mais forte que o Executivo. Isso não quer dizer, entretanto, que Calheiros e Cunha conduzirão o Congresso como imaginam alguns, com "a faca nos dentes". Nenhum dos dois é bobo, nenhum dos dois nasceu ontem, nem a Câmara nem o Senado se equiparam a grêmios estudantis.
Na política de gente experiente não há espaço para retaliações pessoais. Ambos conseguiram o que queriam. Daqui em diante terão de administrar o ganho. O presidente do Senado, a despeito da questão com Mercadante, foi eleito com ajuda do governo e os votos do PT porque, para o Planalto, antes ele que um presidente apoiado pela oposição.
Nos próximos dois anos talvez a vida de Renan Calheiros não seja tão fácil no colegiado, onde a bancada oposicionista está bem mais forte. Notícia disso deu a votação do senador Luiz Henrique, 31 votos. Os costumeiros atropelos regimentais a serviço do Planalto serão, no mínimo, de difícil execução. Ele poderá caminhar na corda bamba.
Na Câmara, possivelmente fiquem decepcionados os que acreditaram na versão do "ferrabrás" Eduardo Cunha. O deputado se notabilizou pela fidelidade da palavra. Pois bem. Fez campanha dizendo que não faria oposição. No discurso logo após a vitória repetiu que seu lema seria a independência. O que não significa insurgência.
Se as palavras ditas realmente correspondem às intenções pretendidas, as condições para uma relação civilizada entre os dois poderes estão dadas. Não há a menor necessidade de se incluir no roteiro daqui em diante chantagens, retaliações, vinganças, brigas de foice no escuro ou composições que apequenem ainda mais a imagem do Parlamento.
É preciso não perder de vista que o novo presidente da Câmara é governo. Não tem como (nem vai) romper com ele. Mas vai usar seu poder para mostrar ao Planalto que aliados são parceiros. Não são subordinados, muito menos escravos ou simples mercadorias movidas ao ritmo de edições de Diários Oficiais.
Pode ser que haja aqui um engano decorrente de esperança ingênua. Mas delas sempre decorre uma oportunidade que não se deve dispensar.
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