As estatais brasileiras têm participação societária em pelo menos 234 empresas privadas e nelas injetam recursos públicos sem fiscalização pelos órgãos de controle. O levantamento inédito, elaborado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e obtido pela reportagem, faz parte de um processo aberto para mapear a extensão dos negócios paralelos das empresas públicas. O objetivo principal é identificar casos de contratação ilegal desses empreendimentos pelas próprias estatais.
A participação societária de uma estatal em empresas privadas não significa necessariamente que existam irregularidades. O problema está na estatal participar da estruturação dessas empresas privadas para depois contratá-las sem licitação. O TCU quer fiscalizar todas essas operações financeiras, em especial as participações minoritárias, quando a estatal formalmente não é a controladora da empresa.
O plenário do TCU já determinou o encerramento de sociedades estruturadas pela Caixa Econômica Federal e pelos Correios, por ter identificado ilegalidades nas parcerias com empresas privadas, principalmente a contratação — ou a intenção de contratar — os empreendimentos sem licitação. Agora, um pente-fino busca encontrar novos casos a partir do levantamento concluído neste mês.
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Leia a matéria completaO ministro Bruno Dantas, do TCU, foi o relator dos processos que analisaram empresas integradas por Caixa e Correios. Partiu dele a iniciativa de propor o levantamento completo das participações de estatais nas empresas privadas, que agora servirá de base para novas fiscalizações. Procurado pela reportagem, Dantas não quis falar das empresas que integram a lista, mas defendeu a investigação.
“O trabalho do TCU vem revelando uma nova fronteira na busca de flexibilização [dos negócios]. É um modelo que vem servindo de escudo contra a fiscalização por órgãos de controle e que vem permitindo contratações sem licitação. Esse modelo vem se repetindo em diversos casos e precisa ser fiscalizado”, disse Dantas.
Banco do Brasil
No mesmo dia em que determinou o fechamento da empresa paralela criada pela Caixa Econômica, em 22 de abril deste ano, o TCU aprovou a realização do levantamento de todos os casos em que estatais figurem como sócias minoritárias em empresas já existentes.
O pente-fino deveria incluir também as chamadas sociedades de propósito específico (SPEs), estruturas permitidas por lei e bastante comuns na iniciativa privada.
Segundo o levantamento do TCU, o Banco do Brasil e subsidiárias participam minoritariamente de 19 empresas. Em uma dessas, o banco tem metade das ações. O BNDESPar, criado para capitalizar empreendimentos controlados por grupos privados, figura como sócio em 42 empresas, com participações que variam de 0,01% a 50% do total de ações. A CaixaPar, vinculada à Caixa, é sócia de 12 — uma delas, a Branes Negócios e Serviços, foi anulada pelo TCU após ter sido contratada pelo próprio banco, sem licitação, para serviços de crédito imobiliário da ordem de R$ 1,2 bilhão.
A P etrobras Distribuidora (BR) informou ser sócia de seis empresas na área de energia, com participações que variam de 33% a 50%. A Gaspetro, outra subsidiária da Petrobras, é sócia de mais três empreendimentos. Não há na lista do TCU informações sobre as participações societárias da Petrobras, nem das SPEs da petrolífera que continuam na ativa.
Desde a década de 1990, a Petrobras já constituiu 24 SPEs, com investimentos na ordem de US$ 22 bilhões em obras como gasodutos, plataformas e refinarias. O caso mais emblemático é o da rede de gasodutos Gasene. A SPE criada para construir os gasodutos era uma empresa de fachada, administrada por um laranja. Um superfaturamento superior a 1.800% foi identificado nos contratos, conforme auditoria do TCU. O tribunal já chamou diretores da Petrobras para se explicarem sobre as supostas irregularidades.
As estatais da área de energia são recordistas em participações em empresas privadas — muitas delas SPEs criadas para construir empreendimentos na área. Eletrobras, EletrobrasPar, Eletronorte, Chesf, Furnas e Eletrosul têm ao todo 150 participações em empresas, com índices de 0,01% a 50% do total das ações.
A reportagem questionou ao Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Dest), vinculado ao Ministério do Planejamento, se considera elevada a quantidade de participações societárias das empresas públicas. “Alguns segmentos da economia vivem um processo de conglomeração, por outro lado, uma série de leilões da Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica] utilizou-se do mecanismo de SPEs, como também a ANP [Agência Nacional de Petróleo] impôs ajustes regulatórios que geraram impactos societários. O número deve ser lido à luz desse contexto. Em geral, os leilões da Aneel exigem que se constitua SPE para a execução da obra e a operação dos serviços”, respondeu o departamento, por meio da assessoria de imprensa do ministério.
O Dest tem um cadastro das participações societárias, com informações declaradas anualmente pelas estatais, mas não torna públicos os dados. “Tanto a estatal quanto as SPEs devem ter auditorias externas”, sustenta o departamento. Ainda segundo o Dest, as participações societárias devem estar registradas em balanço: “Se não constarem, estão irregulares.”
O órgão diz fornecer informações a instituições de controle e afirma que “onde houver recurso público deve haver fiscalização”, acrescentando que “qualquer participação societária de empresa estatal deve estar prevista em sua lei de criação. A estatal só pode ter participações se for autorizada pelo Congresso e dentro de modelos previstos por lei, regulamentos da CVM [Comissão de Valores Mobiliários] e práticas de mercado.”
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