Os brasileiros se manifestaram contra a ditadura, como a Passeata dos Cem Mil, no Rio de Janeiro, em 1968 em protesto à morte do estudante Edson Luís. Mas historiadores dizem que a sociedade deu bastante suporte ao regime| Foto: AE

Muito já se sabe sobre os generais que, sob o comando do presidente Costa e Silva, impuseram à nação, em 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional nº 5 (AI-5). Mas esta é muito mais do que uma história de vilões e heróis. Na semana em que o país lembra os 40 anos do gesto mais extremo da ditadura, um grupo de historiadores desafia os próprios colegas ao trazer para o debate o papel desempenhado pela sociedade civil no processo. O AI-5 não foi produto exclusivo dos quartéis. Ele teve o apoio de diversas associações e entidades de classe.

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Os militares não estavam sozinhos quando decidiram mergulhar o Brasil no período mais sombrio de sua história, marcado por expurgos, tortura e mortes nos porões de quartéis e delegacias. Assim como quando quiseram cassar o deputado Márcio Moreira Alves, autor de dois discursos ofensivos às Forças Armadas. O pedido de licença para processar o parlamentar, antes de chegar à Câmara, teve o aval do Ministério Público Federal e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Os historiadores também mostram que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), mais tarde decisivas no enfrentamento do regime, calaram-se ou procuraram um convívio pacífico no momento em que o país ingressava no período mais obscuro da ditadura militar.

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"A dimensão militar da ditadura está bem estudada. Mas ainda falta, e muito, estudar e refletir sobre a dimensão civil da ditadura. Pois a ditadura brasileira, sem nenhuma dúvida, em todos os seus momentos, foi uma ditadura militar e civil. Sem os civis, ela simplesmente não teria existido", sustenta um desses pesquisadores, o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Daniel Aarão Reis.

A historiadora Denise Rollemberg, também da UFF, afirma que poucos setores da sociedade eram totalmente contra os militares. A maior parte, diz ela, intercalou momentos de apoio e de contestação, sem assumir uma posição clara. "Fala-se em anos de chumbo. Mas para quem? Para os que apoiaram e ganharam com isso, foram anos de ouro. Lançou-se um foco grande em relação à resistência, mas não à colaboração. A sociedade, depois que tudo passou, reconstruiu um passado de forma a se afastar do comprometimento com o regime. Mas a maior parte da sociedade estava em uma espécie de zona cinzenta", diz.

OAB

O regime militar soube reconhecer o apoio dos aliados civis. Como prova, nomeou, quatro dias após a decretação do AI-5, o advogado Carlos Povina Cavalcanti para integrar a Comissão Geral de Investigações (CGI). Ele era conselheiro nato da OAB e seu presidente nos primeiros anos após o golpe.

Segundo Denise, entre 1964 e 1974, a OAB oscilou entre a sustentação ao regime, o silêncio e a crítica discreta às prisões arbitrárias e restrições às prerrogativas profissionais. Nos primeiros meses após o 13 de dezembro de 1968, diz a autora, reinou o silêncio da Ordem. O estudo põe em xeque a memória construída em torno de uma importante organização civil sob a ditadura, até então concentrada na idéia de que a classe dos advogados não vacilara um só instante no enfrentamento do regime.

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O advogado Wander Bastos, que está finalizando o livro "A Ordem dos Advogados no Estado de Segurança Nacional", diz que o marco da ruptura ocorreu no VI Encontro da Diretoria do Conselho Federal da OAB, em 1972, quando foi redigido um documento que firmou a entidade na luta pela redemocratização.

"Na época, havia o sentimento de que comunismo era inimigo da nação. Por isso, na sua visão mais conservadora, a Ordem apoiou a quebra da democracia, embora os advogados, na sua grande maioria, tenham atuado diariamente na denúncia do arbítrio e da tortura. Mas a história precisa ser contada, quer gostemos ou não. Não condeno quem apoiou o golpe. O problema é quem usufruiu", diz o atual presidente do Conselho Federal da OAB, Cezar Brito.