Durante a viagem do prefeito Gustavo Fruet (PDT) ao México na semana passada, a vice-prefeita de Curitiba, Mirian Gonçalves (PT), aproveitou a interinidade para adotar medidas que não estavam acordadas e nem eram endossadas por Fruet.
O ato de maior impacto foi a declaração de utilidade pública em uma área de 210 mil m² na Cidade Industrial de Curitiba com o objetivo de desapropriá-la para fins de habitação de interesse social. Entretanto, por falta de entendimento com a equipe de Fruet e por uma manutenção no sistema que publica os atos oficiais da prefeitura, os decretos não saíram no Diário Oficial.
Sem esconder as discordâncias ideológicas com Gustavo Fruet, a vice-prefeita faz um balanço da gestão que termina no fim do mês e avalia o legado petista deixado na cidade.
Por que a senhora editou esses decretos? Na sua avaliação, a atual gestão foi inepta na política habitacional?
Eu venho trabalhando com essas comunidades desde 2013. Nós estamos chegando em um momento em que elas estão em profundo risco social. Várias situações podem determinar o iminente despejo dessas pessoas, então é o último respiro.
Fruet viaja e vice assina decreto que visa à desapropriação de área de 210 mil m² na CIC
Leia a matéria completaPodia ter sido feita antes? Podia. Houve negociações, houve tratos, a própria Cohab esteve junto, tentou, mas tinha que ter uma vontade política de fazer; eu tive e fiz.
Não posso renegar os meus ideais e o que eu defendo e sempre defendi. Nunca, em momento algum de ausência do prefeito eu tomei qualquer atitude que pudesse colocar em conflito, ou em desagrado. Estou fazendo isso agora porque realmente é a oportunidade que tenho no exercício do mandato e se eu não fizesse, seria desmoralizada perante a todos os que confiam em mim e nos meus princípios.
Essa decisão pode agravar ainda mais uma crise que já vinha acontecendo entre o PT e Fruet, a senhora vê isso como um problema?
Não vejo. Não estou abaixando o valor da passagem, não estou fazendo algo absurdo, não estou gastando um centavo da prefeitura em nada. Há diferenças ideológicas? Óbvio. Agora eu duvido que mesmo pessoas que não tenham esse entendimento que eu tenho do que deve ser habitação popular hão de concordar comigo, que a gente não pode colocar 1.300 famílias na rua. Se você for considerar que durante essa eleição apareceu muito que a capital já tem seu sistema de albergamento de pessoas absolutamente comprometido, lotado, eu quero saber para onde vão as famílias, as crianças?
As divergências ideológicas foram mais complicadas na prática do que pareciam em 2012?
Sim. Eu acho que nós tivemos um momento que foi mais tranquilo, foi antes de todo esse processo que envolveu o PT e a presidenta Dilma, acho que aí complicou, embora a presidente sempre teve em relação a Curitiba e ao prefeito um apreço, um cuidado, esteve aqui várias vezes. Eu acho que isso talvez pudesse ter sido mais considerado.
A crise no governo federal e a falta dos repasses que foram prometidos podem ter desgastado a relação de Fruet com o PT?
Curitiba recebeu bastante dinheiro. Claro que ficou mais para receber. O prefeito fala isso insistentemente, inclusive, que as Unidades de Saúde tinham uma previsão de entrada de recursos [que não se concretizou] e que a prefeitura teve que colocar [recursos próprios].
Não acho que uma relação desse tipo deva se ter por conta de verba. Não mandou não é porque não quis. Se fosse um boicote político da liberação de verbas, aí você reclama, mas não houve isso, ao contrário. O prefeito tinha liberdade de falar com quem fosse: com a presidenta Dilma, seus assessores mais próximos. Ora, a Gleisi era da casa aqui. Estava sempre com o prefeito, mesmo quando foi chefe da Casa Civil, estreitou relações.
Qual a sua avaliação da gestão?
A gente fez uma composição em cima de um programa. Algumas coisas foram cumpridas, algumas coisas não foram cumpridas. Há divergências ideológicas, fato que é conhecido, não era desconhecido nem por mim nem pelo Gustavo, portanto nós aceitamos estar juntos.
Sofri preconceito aqui dentro. Preconceito de gênero, inclusive. As pessoas pensam que quem está nos cargos mais altos não sofre, sofre sim. As pessoas confundem gentileza com fraqueza, isso é lamentável. Se estou aqui nesse momento me elegi por um partido e é um partido que fez coligação. Como eu sempre digo: político não faz acordo desnecessário. Se o PT não precisasse do Gustavo para se eleger, não teria feito; o Gustavo também, se não precisasse, não faria.
O PT conseguiu imprimir alguma marca nesses quatro anos?
Não sei te dizer. Nós não conseguimos fazer o orçamento participativo. Foram feitas, sim, sem dúvidas, todas aquelas consultas públicas, mas está longe daquilo que a gente acredita. Eu acho que o que o PT pode ter deixado nisso tudo é a resistência, a eleição de uma política que não é profissional, eu saí do meu escritório [de advocacia] e para lá eu volto.
O que há para se lamentar, o que queria ter feito, mas não fez?
Eu acho que uma das coisas que eu lamento é não ter feito antes o que eu fiz nesses dias. Eu queria muito ter deixado isso mais avançado. Queria ter conseguido implementar o entendimento que tenho de que o vice-prefeito tem que ser um colaborador, não um substituto. Se fosse só para substituir a gente fica em casa, é mais agradável. Tem que ter um gabinete que funcione, que atue com a comunidade, isso eu fiz o máximo que pude.
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