Lula prometeu "desencarnar" da Presidência, mas nunca disse que abandonaria a política. Na primeira crise enfrentada pelo governo Dilma Rousseff, coube a ele articular a defesa do ministro da Casa Civil, Antonio Palocci. A volta ao cenário retoma a polêmica sobre a falta de traquejo da atual presidente e a suposta dependência do antecessor.
"Houve uma invasão de competência que só fragiliza o governo e comprova o que imaginávamos", aponta o senador Alvaro Dias (PSDB). Dois anos antes da campanha de 2010, líderes da oposição já tentavam rotular a então pré-candidata como um "poste". As críticas miravam o perfil intransigente de Dilma.
Antes de concorrer ao Palácio do Planalto, ela nunca havia disputado uma eleição e gerava certa desconfiança mesmo entre os petistas seu partido original era o PDT. Com o aval de Lula, superou essas resistências e fez prevalecer o perfil de gerente de governo, menos afeita à política e mais disposta ao trabalho.
O sucesso foi comprovado pela aprovação popular. Segundo o Ibope, os primeiros três meses do governo Dilma foram aprovados por 56% dos brasileiros. O índice é superior aos aferidos no mesmo período das gestões Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Lula (2003-2010).
Nessa fase, Dilma chamou a atenção inclusive pelo desempenho político. Primeiro, na recepção ao presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Depois, pela vitória expressiva na votação do salário mínimo no Congresso Nacional, quando conseguiu o apoio do PMDB e de partidos da base aliada.
A maré virou nas últimas três semanas. Primeiro, com as denúncias sobre a evolução patrimonial de Palocci, que cresceu 20 vezes entre 2006 e 2010 de R$ 356 mil para R$ 7,5 milhões. Depois, com a derrota na votação do Código Florestal na Câmara dos Deputados e a pressão da bancada religiosa no Congresso contra a distribuição de um kit contra a homofobia preparado pelo Ministério da Educação.
Para o cientista político Cláudio Gonçalves Couto, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP), há uma crise de gestão da coalizão que apoia Dilma, que detém cerca de 80% da representação do Parlamento. "Quem foi que falou que ter uma base aliada tão grande é bom? O governo está pagando justamente pelo excesso de apoio", opina.
O cientista político Carlos Melo, do Instituto de Ensino e Pesquisa de São Paulo (Insper), concorda com o problema. Por outro lado, destaca uma falha de estratégia de Dilma. "Ela concentrou toda articulação política nas mãos do Palocci. Era evidente que isso o tornaria alvo preferencial de qualquer ataque contra o governo", explica Melo.
Segundo ele, a falta de sintonia entre os aliados também se estende a algumas alas do PT. "Há setores que não tragam o Palocci, outros que têm ciúmes, além de disputas na Câmara dos Deputados que ficaram mal resolvidas." Até dezembro do ano passado, o deputado paulista Cândido Vaccarezza era dado como certo entre os petistas para presidir a Câmara, mas acabou perdendo a eleição interna para o gaúcho Marco Maia.
Couto e Melo também concordam sobre o significado da participação de Lula na operação para proteger Palocci. "Era esperado que Lula interviesse em algumas situações de crise política. É natural porque ele deixou a Presidência, mas continua sendo uma figura política importante dentro e fora do PT", diz o cientista político da FGV-SP.
Na visão de Melo, a situação era clara desde a campanha presidencial. "Lula foi o personagem político das eleições. Sabia-se que ele poderia ocupar um espaço de articulação no governo e foi o que aconteceu. Se isso é bom para as instituições democráticas, aí já é outra história."
Já o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília, isenta Dilma das ações do ex-presidente. "Esse episódio no fundo só mostra que o Lula ainda não se convenceu de que está fora do Planalto. Não acredito que esse constrangimento tenha partido da Dilma."
Nogueira ressalta, porém, que esses "incidentes" são normais para uma democracia jovem como a brasileira. "Ainda estamos nos acostumando com a alternância do poder. Sobretudo, estamos aprendendo sobre como deve ser o comportamento de um ex-presidente."
Com Lula e FHC, crises foram mais tardias
Os dois antecessores de Dilma Rousseff também viram seus principais ministros envolvidos em escândalos. Ambos os casos, no entanto, ocorreram mais de dois anos após as posses de Fernando Henrique Cardoso, em 1995, e Lula, em 2003.
Em 1997, o então ministro das Comunicações, Sérgio Motta, foi o pivô de um escândalo que envolvia a suposta compra de votos na Câmara dos Deputados para a aprovação da emenda da reeleição. Responsável pela privatização da Telebras, Motta foi mantido no cargo e morreu de infecção pulmonar em abril de 1998.
No governo Lula, a crise envolvendo o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, começou em 2004. Na época, gravações divulgadas pela imprensa mostraram que Waldomiro Diniz, então assessor da Casa Civil e braço direito de Dirceu, havia cobrado propina do bicheiro Carlinhos Cachoeira, em 2002, para financiar as campanhas de petistas como Benedita da Silva (RJ) e Geraldo Magela (DF).
O escândalo motivou a instalação da CPI dos Bingos e desencadeou outras investigações, que levaram à CPI dos Correios e ao pagamento de "mesada" para parlamentares votarem a favor do governo no Congresso Nacional, o mensalão.
José Dirceu pediu demissão em junho de 2005, voltou ao cargo de deputado federal, mas acabou cassado pelos colegas em dezembro. Em 2006, a mesma CPI dos Bingos começou a investigar a participação do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, em reuniões de lobistas em uma mansão em Brasília, a chamada "República de Ribeirão Preto".
O caseiro da propriedade, Francenildo da Costa, confirmou que Palocci participava dos encontros. Francenildo teve o sigilo bancário quebrado ilegalmente para que se tentasse comprovar que ele recebeu dinheiro para prestar o depoimento o que não aconteceu. Em março, Palocci deixou o governo e meses depois se elegeu deputado federal.