O relógio do computador do juiz Edson Fachin marcava 22h28 de terça-feira (8) quando pôs a assinatura digital no documento: “Publique-se. Intime-se” , ordenou, seguindo o léxico protocolar.
Assim, com um despacho de 642 palavras, o professor de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), especializado em sucessão familiar, deteve a guerra do impeachment na Câmara dos Deputados logo depois do primeiro lance: a eleição da comissão especial que decidirá sobre a abertura, ou não, de um processo por crime de responsabilidade contra a presidente Dilma Rousseff.
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Gaúcho de Rondinha, vilarejo de seis mil habitantes onde paciência é sinônimo de conversa em torno de um porco assando no rolete, Fachin usou o poder monocrático para congelar governo e oposição com uma resolução “em caráter excepcional” — como ressalvou —, válida até a próxima reunião plenária do Supremo Tribunal Federal (STF), marcada para quarta-feira, dia 16, dois dias antes do início do recesso judiciário e parlamentar.
Ele negociou com os outros ministros do STF cada vírgula da sua deliberação sobre o assunto que nada tem de trivial, apear um presidente do poder usando-se as normas legais. Teve tempo. Há uma semana, analisava 74 páginas de indagações sobre o rito constitucional do impeachment apresentadas pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), na quinta-feira passada (3).
Quando o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara, avançou o sinal, sem esperar pela decisão do STF, Fachin suspendeu o jogo e remeteu o caso ao plenário de 11 ministros.
Sessão na quarta-feira
Em tese, na próxima quarta-feira (16) o tribunal ditaria o ritual correto para tramitação legislativa do caso. Porém, como sobram dúvidas a respeito do que é permitido pela Constituição, pela lei específica e pelo regimento interno do Congresso Nacional, mais provável é o adiamento da deliberação até à volta do recesso, em fevereiro. Poderá acontecer por iniciativa unânime do plenário ou pela ação de qualquer ministro, numa requisição dos autos para análise.
O resultado prático seria uma virtual aproximação do cronograma do STF, na decisão sobre o ritual do impeachment, do calendário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na deliberação do processo de cassação da chapa Dilma Rousseff (PT)/Michel Temer (PMDB), por suposto crime eleitoral na campanha do ano passado.
Sem o impeachment na agenda imediata do Legislativo, e com as sucessivas manobras para adiamento do processo de cassação de Cunha no Conselho de Ética da Câmara, não restariam motivos para o Congresso suspender o recesso a partir da próxima semana. Confirmando-se, as férias parlamentares desta vez tendem a ser diferentes: em lugar do ócio, o tempo vai ser gasto em negociação, atualmente a mercadoria mais escassa no mercado político.
Nos tribunais, o efeito tende a ser a garantia de um interlúdio para decisões em múltiplos inquéritos sobre pagamentos já comprovados de R$ 6,4 bilhões em propinas sobre contratos da Petrobras. Neles, se destacam 49 autoridades com foro privilegiado e vinculadas a PMDB, PT e PP — entre eles Eduardo Cunha.
Nessa etapa da crise brasileira, o mais evidente é o protagonismo crescente do Judiciário, circunstância que justifica uma pergunta recorrente na Praça dos Três Poderes, em Brasília: o país estaria avançando para uma “judicialização da política”?
Ministros do Supremo, como os professores de Direito Constitucional Luis Roberto Barroso e Cármen Lúcia, discordam. Faz parte da configuração do Estado moderno, repetem.
Futura presidente da Corte, Cármen Lúcia pesquisou a origem das ações diretas de inconstitucionalidade, porta pela qual o STF ganha proeminência em temas que afetam diretamente a vida política, como fidelidade partidária, propaganda eleitoral, número de vereadores, entre outros.
Constatou que, nos últimos 27 anos, uma de cada cinco ações foi protocolada por partidos políticos — como fez o PCdoB no processo que levou ao despacho de Fachin.
Por onde passa, ela se esforça para explicar: o acréscimo no fluxo de direitos, uma característica do mundo pós-Segunda Guerra, levou a uma situação no final do século XX em que não basta ter o direito positivado na Constituição, é preciso ter a garantia do cumprimento. Por isso o crescimento do Judiciário no mundo todo, com um protagonismo inédito no Estado moderno.
Avanço
Num país cuja história republicana está entrecortada por uma sucessão de golpes e conspirações, a novidade no centro do poder é que até a discussão sobre a derrubada de um presidente acabou constitucionalizada.
“É um avanço enorme”, diz o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), autor de algumas das principais ações diretas de inconstitucionalidade julgadas pelo Supremo. “ Antes, articulava-se golpe, decretava-se estado de sítio... Isso acabou. A democracia brasileira chegou ao civilizado estágio de recorrer à Justiça para resolver seus impasses políticos”.
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