Repercussão
Corte "perdeu bonde da história", diz OAB
Folhapress
Brasília - O presidente da OAB, Ophir Cavalcante, afirmou em nota que o Supremo Tribunal Federal "perdeu o bonde da história ao não revisar a Lei da Anistia para que torturadores fossem punidos por seus crimes na ditadura (1964-85).
À reportagem, quando ainda acompanhava o julgamento dentro do plenário do tribunal, ele disse: "Ouvi aqui hoje [ontem] o mesmo discurso do passado [em 1979, quando a lei foi elaborada], o discurso do medo. A entidade que protocolou ação no STF questionando a legislação em 2008, a OAB, contudo, apoiou a elaboração do texto da Lei da Anistia em 1979.
No Congresso, os deputados federais José Aníbal (PSDB-SP) e João Almeida (PSDB-BA), vítimas da ditadura militar, afirmaram ser favoráveis à manutenção da lei. O também deputado federal José Genoíno (PT-SP), que viveu na clandestinidade durante três anos e outros cinco na prisão, disse apenas ser favorável ao "direito da memória e da verdade, princípios fundamentais da democracia. Para o constitucionalista Ives Gandra Martins a "decisão foi perfeita".
Brasília - A anistia é ampla, geral e irrestrita. O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu ontem que a Lei de Anistia é válida e, portanto, é impossível processar penalmente e punir os agentes de Estado que atuaram na ditadura e praticaram crimes contra os opositores do governo como tortura, assassinatos e desaparecimentos forçados.
Depois de dois dias de julgamento, a maioria dos ministros do STF rejeitou uma ação proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) nacional que questionava a concessão de anistia a agentes da ditadura e propunha uma revisão da lei. No debate, venceu, por 7 votos a 2, a tese defendida na quarta-feira, primeiro dia de julgamento, pelo relator da ação no STF, o ministro Eros Grau, ele próprio uma vítima da ditadura.
Eros Grau disse não caber ao STF alterar textos normativos que concedem anistias. O ministro observou que a Lei de Anistia resultou de um amplo debate que envolveu políticos, intelectuais e entidades representativas de classes, dentre as quais, a própria OAB.
Na sessão de ontem, os ministros Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso seguiram o voto de Eros Grau. Os ministros Carlos Ayres Britto e Ricardo Lewandowski concluíram que a Lei de Anistia não poderia perdoar crimes hediondos e equiparados.
"O torturador experimenta o mais intenso dos prazeres diante do mais intenso dos sofrimentos alheios", disse Ayres Britto. "O torturador é uma cascavel que morde o som dos próprios chocalhos", acrescentou o ministro. Para Ayres Britto, os torturadores são "tarados", "monstros" e "desnaturados".
Os ministros que votaram reconhecendo a validade da Lei de Anistia fizeram questão de deixar claro que reprovavam os atos de tortura praticados e que a sociedade brasileira tem o direito de saber o que aconteceu na história. Mas eles afirmaram que a anistia garantiu uma transição mais rápida e pacífica para o regime democrático.
"O Brasil é devedor desses companheiros, não de armas, mas da política. Aqueles que realmente acreditaram na via do diálogo e na política como forma de construir soluções", afirmou o ministro Gilmar Mendes que, até a semana passada, era presidente do STF.
A ministra Cármen Lúcia disse que era necessário levar em conta o contexto do período em que foi negociada a anistia. "Não vejo como julgar o passado com os olhos apenas de hoje", afirmou. O decano do STF, Celso de Mello, afirmou que a anistia brasileira foi bilateral. "A improcedência da ação não impõe qualquer óbice à busca da memória", disse.
A ministra Ellen Gracie afirmou que a anistia, inclusive dos que praticaram crimes "nos porões da ditadura", foi o preço pago para acelerar o processo de democratização. "Não se faz transição pacífica entre um regime autoritário e a democracia sem concessões recíprocas", afirmou. "Não é possível viver retroativamente a história. Uma nação deve encarar com coragem o passado para não repetir os erros cometidos", disse.
O ministro Marco Aurélio era contra o STF julgar a ação da OAB. Ele disse que, independentemente do resultado, o julgamento não traria efeitos práticos. "A nossa discussão é estritamente acadêmica, para ficar nos anais da corte", afirmou.
O presidente do STF, Cezar Peluso, disse que é da tradição brasileira conceder anistias. "A amplitude da norma é óbvia", afirmou Peluso. "Ela abrange crimes de qualquer ordem", acrescentou. "É inútil argumentar que os agentes da repressão não teriam cometido crimes políticos porque a anistia também apanha os chamados crimes comuns", disse. Peluso ainda afirmou que, mesmo que o STF julgasse procedente a ação da OAB, não haveria efeito porque os crimes já estariam prescritos
O advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, e o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, defenderam no STF a tese de que a anistia foi ampla e irrestrita e, portanto, beneficiou os agentes de Estado e os opositores da ditadura.
A aplicação da Lei de Anistia em benefício de torturadores provocou um racha no governo recentemente. O ministro de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, era contra. Mas o ministro da Defesa, Nelson Jobim, dizia que a lei vale para todos. Segundo ele, o acordo político em torno da norma tinha de ser cumprido.