O Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou que as autoridades perdem o direito ao foro privilegiado ao se aposentarem. Dois desembargadores, que respondem por delitos cometidos no exercício da função, tiveram seus recursos extraordinários negados na última quinta-feira. Para os analistas consultados pela Gazeta do Povo, a decisão é considerada um avanço de cidadania e indício de maturidade da democracia brasileira, um reflexo das demandas impostas pela sociedade nos últimos anos.
As defesas dos desembargadores do Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE) e do Tribunal do Distrito Federal (TJ-DF) buscavam reconhecer que as ações penais deveriam ser apreciadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), alegando que o cargo de desembargador é vitalício. Porém, o ministro Ricardo Lewandowski, relator dois dois recursos, afirmou que, ao contrário do que os advogados pretendiam, a prerrogativa não pode ser confundida com privilégio. "O foro por prerrogativa de função do magistrado existe para assegurar o exercício da jurisdição com independência e imparcialidade", afirmou.
O voto de Lewandowski foi seguido, em ambos os recursos, pelos ministros Joaquim Barbosa, Ayres Britto, Marco Aurélio, Rosa Weber, Cármem Lúcia e Celso Mello. Para o magistrado do TJ-CE, os ministros Eros Grau, Menezes Direito, Gilmar Mendes e Cezar Peluso foram vencidos. No julgamento do desembargador do TJ-DF, o posicionamento dos ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Cezar Peluso perdeu para a maioria.
Inconstitucional
Na opinião do mestre e doutor em Direito Administrativo Daniel Ferreira, o julgamento em instâncias superiores acontece para evitar interferências dos acusados no processo. "A medida é para proteger o processo, não a pessoa. Se não for assim, é grosseiramente inconstitucional. Quando o desembargador está aposentado, não há mais ascendência na carreira", diz ele, que é professor do mestrado de Direito do Unicuritiba.
No entanto, em instâncias superiores, os casos têm trâmite mais lento, chegando a prescrever. "A capacidade dos tribunais superiores está esgotada pela enxurrada de processos. Por isso, a morosidade no julgamento faz com que haja grande tendência de prescrição", diz. "O ideal seria encontrar o equilíbrio entre celeridade e isenção."
Legislativo
Na avaliação de Lewandowski, o mesmo raciocínio aplicado aos desembargadores deve se estender aos cargos do Legislativo, "por se tratar de uma prerrogativa da instituição judiciária, e não da pessoa". Ferreira tem opinião semelhante à do ministro. "O foro por função é inconstitucional. Desqualificar esse privilégio é igualar as pessoas em suas responsabilidades", diz. Atualmente, no Brasil, assim como membros do Judiciário, autoridades dos três poderes, como o presidente da República e parlamentares, só podem ser investigadas e processadas em tribunais superiores.
Segundo o professor de Sociologia e Ciência Política da Marco Rossi, da Universidade Norte do Paraná (Unopar), a decisão do STF reflete uma evolução democrática do país. "A maturidade da democracia é um processo lento, que não acontece de forma natural. Ele ocorre em razão de um conjunto de lutas políticas que foram se estabelecendo nos últimos 30 anos", diz. "Nesse percurso, a sociedade foi criando demandas, fazendo exigências e abrindo espaço nos meios de comunicação", afirma.
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