Peluso e Marco Aurélio: os dois ministros vão apresentar votos hoje| Foto: Carlos Humberto/STF

Entrevista

Fernando Gustavo Knoerr, coordenador do curso de Direito das Faculdades Opet.

O fato de a lei ser resultado de uma iniciativa popular a torna mais importante?

Sim. O fato de a sociedade civil ter tido esse trabalho de mobilização, que não é pequeno, com um grande número de assinaturas, dá a ela um peso maior.

Por que a lei está sendo tão questionada?

A sociedade se mobilizou, apresentou o projeto, mas até em função dessa pressão da sociedade civil, o projeto não tramitou da forma como deveria no Congresso Nacional. Pontos do texto considerados inconstitucionais não foram analisados nas comissões internas do Poder Legislativo e isso resultou em um texto de lei que tem sua constitucionalidade questionada por diversos aspectos.

Não há mais dúvida de que, assim que o texto em sua íntegra for analisado pelo STF, ela vale para as eleições deste ano?

Para estas eleições cabe o artigo 16 da nossa Constituição, que diz que a lei que alterar o processo eleitoral não se aplica à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência. Não poderia ser aplicável em 2010 por ter sido aprovada poucos meses antes das eleições de outubro.

Outro ponto questionado é o que torna inelegível quem renunciou ao cargo. O que o senhor acha dessa norma?

Como se trata de uma situação em curso, com a renúncia, essa norma seria uma presunção de culpa. Essa culpa só poderia ser demonstrada depois de decisão definitiva, que é uma garantia nossa como cidadãos. Penso que essa norma só se aplica em denúncia surgida após a promulgação da lei.

Mesmo com a aprovação do texto integral pelo STF, o que deve ser sentido com a aplicação dela nessas eleições?

Deveremos ter um número maior de impugnações a pedidos de registros de candidatura, que é o principal momento de questionar a elegibilidade do candidato. Além disso, durante o processo eleitoral, esta lei vai gerar muita controvérsia. A principal é o fato de ela ferir o princípio de presunção de inocência, admitindo punição antes do trânsito e julgado.

Isso tudo em função do texto aprovado no Congresso?

Sim. O texto aprovado sem questionamentos, com omissão, sem o controle prévio que não foi feito pelo Congresso, gerou a necessidade da atuação do Supremo. Creio que, até em função da pressão popular, foi um ato corajoso do STF ter decidido que a lei não valia para as eleições passadas.

(Daniela Neves)

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O Supremo Tribunal Federal (STF) encaminhou-se ontem para a validação da Ficha Limpa a partir das eleições municipais de 2012. Após quatro votos a favor da constitucionalidade da lei e apenas um contra, o julgamento deve ser encerrado hoje. Faltam os pareceres de seis ministros, dentre eles pelo menos mais dois que já se manifestaram favoráveis ao texto anteriormente – Carlos Ayres Britto e Ricardo Lewandowski.

Promulgada em 4 junho de 2010, a Ficha Limpa nasceu de um projeto de iniciativa popular apoiado por quase 2 milhões de brasileiros e torna inelegíveis candidatos com condenação proferida em segundo grau (por um colegiado de juízes). Antes dela, o impedimento atingia apenas os condenados com sentenças definitivas (com trânsito em julgado). A constitucionalidade da lei, no entanto, já foi alvo de várias ações no STF e ainda divide a corte.

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Em quatro julgamentos anteriores, dois acabaram empatados em cinco a cinco. Em março de 2011, os ministros decidiram por seis a cinco que as regras não poderiam ser válidas para as eleições de 2010. A maioria interpretou que o texto fere o artigo 16 da Constituição, o qual estipula que mudanças na legislação eleitoral só têm eficácia se forem promulgadas um ano antes do pleito.

Desta vez, o Supremo está julgando três processos que tocam o eixo central da lei e podem inviabilizá-la definitivamente para eleições futuras. Os principais dispositivos em análise tratam da retroatividade para crimes cometidos antes da entrada em vigor da lei (4 de junho de 2010) e da possibilidade de punir políticos que ainda não foram condenados em definitivo. Em linhas gerais, o STF irá responder se esses pontos devem ser considerados como uma pena ou um requisito para participar da disputa eleitoral.

Dos cinco ministros que se manifestaram até agora, só José Antonio Dias Toffoli interpretou que a lei é inconstitucional por violar o princípio da presunção de inocência ao não permitir que o réu esgote todas as possibilidades de recurso, limitando a inelegibilidade a uma decisão de segundo grau. "O exercício e o gozo dos direitos políticos perfazem um dos direitos fundamentais mais importantes para o cidadão", disse Toffoli. Ele também atacou o processo de elaboração da Ficha Limpa, que seria "uma das leis recentemente editadas de pior qualidade de redação".

Do outro lado, estão a favor do texto Luiz Fux, Joaquim Barbosa, Rosa Weber e Carmen Lúcia. Fux, que já havia proferido o voto no ano passado, travou um debate exaltado com Gilmar Mendes sobre a pressão exercida pela opinião pública a favor da Ficha Limpa. "A sociedade não nos pauta, mas nós temos de ouvi-la. Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido", disse Fux.

Já Mendes, que em todos os julgamentos anteriores votou contra a Ficha Limpa, defendeu que o STF precisa exercer um papel contramajoritário. "Se não, faríamos plebiscito a toda hora e mudaríamos a Constituição. A pena de morte seria aprovada." Segundo ele, o tribunal não deve ter medo de se tornar impopular e encarar o desafio de "proteger o indivíduo de si mesmo".

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Tanto Mendes quanto Toffoli votaram contra a lei em todos os julgamentos anteriores. Devem acompanhá-los o presidente do STF, Cezar Peluso, além de Celso de Mello. Há dúvidas sobre o posicionamento de Marco Aurélio Mello, que até agora foi contra a constitucionalidade do texto, mas pode mudar de lado.

Por enquanto, o voto mais decisivo foi o de Rosa Weber, que assumiu uma cadeira no STF neste mês. "O homem público, ou que pretende ser público, não se encontra no mesmo patamar de exigência do homem comum", disse ela, referindo-se à ficha limpa como uma prerrogativa obrigatória para os candidatos. "Inelegibilidade não se traduz em sanção penal", acrescentou.

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