Origem na Idade Média
O nepotismo como conceito de favorecimento de parentes em detrimento de pessoas mais qualificadas tem origem na Igreja Católica da Idade Média. Muitos papas entre os séculos 9 e 13 tinham por hábito conceder cargos e favores a familiares. A fonte etimológica da palavra nepotismo é o termo em latim "nepos" ou "nepotis", que significa sobrinho. "Nepos" também pode ser interpretado como descendente ou ainda como devasso, pródigo e perdulário. No século 18, a palavra ficou popular com Napoleão Bonaparte. Ele chegou a nomear três de seus irmãos para governar países invadidos pela França. (AG)
A Constituição Brasileira completa 20 anos em outubro, mas só na semana passada ficou claro que o texto da Carta Magna impede a contratação, sem concurso, de parentes de autoridades e políticos nos três poderes. Pode até parecer uma decisão tardia do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas as duas décadas de desrespeito ao texto constitucional é um pequeno tempo se for levado em conta que o nepotismo está arraigado no serviço público desde o período colonial e que a prática se consolidou na cultura política nacional há exatos 200 anos, com a chegada da família real ao Rio de Janeiro, em 1808.
"O nepotismo está na genética da política brasileira", diz Laurentino Gomes, autor do best-seller 1808, que narra a transferência da corte portuguesa para o Brasil. Na pesquisa para o livro, o escritor esbarrou com inúmeros episódios curiosos e chocantes de enriquecimento pessoal e favorecimento de familiares à custa dos cofres públicos.
Troca de favores
Nos 12 anos em que permaneceu no Brasil, o rei dom João VI se notabilizou pela política do toma-lá-dá-cá e inchou a máquina estatal em troca de favores pessoais. Gomes compara dados sobre as mudanças de sede promovidas pela Coroa de Portugal e o governo dos Estados Unidos. Em 1800, os norte-americanos trocaram a capital da Filadélfia para Washington e levaram mil funcionários. Já a transferência da Coroa de Lisboa às terras cariocas levou 12 mil membros da corte.
"O rei estava quebrado quando instalou-se no Brasil. E, para fazer caixa junto aos colonos mais ricos, aceitava doações em troca de títulos de nobreza, do direito de coletar impostos e, principalmente, de cargos públicos", diz. Os postos eram destinados diretamente aos parentes ou protegidos dos doadores, tinham caráter vitalício (ou enquanto durasse a boa vontade real) e eram bancados mensalmente pelos cofres do deficitário Tesouro Real.
Gomes conta o caso de um comerciante de Ouro Preto (MG), que em 1809 doou 100 cruzados (equivalente hoje a cerca de R$ 1 milhão) ao rei. Em troca, ganhou o título de Comendador da Ordem de Cristo e seus dois filhos foram promovidos de cadetes a alferes do Exército. O maior traficante de escravos da época, Amaro Velho de Souza, também caprichou nas colaborações à Coroa e, em 1812, conseguiu dois cargos de conselheiro real assumiu um e indicou o irmão para o outro.
Como a monarquia absolutista é um regime que contempla naturalmente a contratação de parentes e mistura os interesses familiares com os do Estado, havia a expectativa de que os ares republicanos ao menos amenizassem o nepotismo a partir de 1889. O historiador Marco Antônio Villa, doutor em História Social e professor da Universidade de São Carlos, explica que o efeito foi exatamente o contrário. O problema, segundo ele, tornou-se crônico com a criação da federação.
"Nos Estados Unidos, o federalismo fortaleceu a democracia. No Brasil, ele permitiu que famílias assaltassem o poder local e tomassem para si os cargos que antes pertenciam à Corte." Villa explica que, a partir da Constituição de 1891, famílias tomaram conta, sozinhas, de estados como Alagoas (família Malta), Ceará (Accioly), Mato Grosso (Murtinho) e Pernambuco (Rosa e Silva).
"Nesses estados a lei era ditada pela família. Surge nessa época a velha história do 'você sabe com quem está falando'?", explica Villa. O efeito nepotista foi menor em estados com partidos políticos estruturados, como São Paulo e Rio Grande do Sul, que também por isso conseguiram estabelecer-se com mais força no cenário nacional.
Foi um gaúcho, Getúlio Vargas, o primeiro presidente a começar a enfraquecer o nepotismo, após a Revolução de 30. Ele criou o Departamento de Administração do Serviço Público (Dasp), com status ministerial e responsável por todas as nomeações e promoções da administração federal. O Dasp instituiu a prática dos concursos públicos a quase todas as áreas da máquina estatal. Antes, eles eram restritos aos cargos das Forças Armadas e do Itamaraty.
Paraná
O Paraná tem um vínculo histórico com o nepotismo ainda mais forte do que a maioria dos estados brasileiros. "É uma cultura enraizada desde as primeiras vilas que se instalaram na região e que só cresceu após a emancipação política, em 1853", diz o professor Ricardo Costa de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Doutor em ciência política, ele estudou por dez anos a influência familiar na administração do estado para escrever o livro O Silêncio dos Vencedores.
"As mesmas famílias que se estabeleceram no início do período republicano continuam no poder." Ele enfatiza que o nepotismo é o principal motivo para a falta de renovação do pensamento político do estado e cita o caso dos deputados estaduais Alexandre Curi (neto do ex-presidente da Assembléia Aníbal Khury) e Reinhold Stephanes Júnior (filho do ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes).
Oliveira critica os chamados "nepotistas esclarecidos", como o prefeito de Curitiba, Beto Richa (PSDB), e o governador Roberto Requião (PMDB), que defendem a nomeação de parentes para cargos com a suposição de que eles têm a qualificação exigida. "Eles (Richa e Requião) aparecem como políticos modernos, mas defendem uma prática absurda, que vai contra o princípio republicano. Espero que a decisão do STF interrompa esse pensamento."