Quando a agenda política for retomada, com força, a partir desta segunda-feira pós-carnaval (6), os desafios que o presidente Michel Temer tem para administrar tendem a se avolumar. O início extraoficial do ano chega em meio a uma crise – embalada por mais denúncias de corrupção. Algumas situações, como a permanência ou não do ministro Eliseu Padilha no governo, exigirão medidas imediatas. Outros problemas pedem estratégia e poder de negociação. Todos representam incêndios que comprometem a estrutura do governo.
Com natal, férias e carnaval, o período entre o início de dezembro o e fim de fevereiro costuma ser de pouca agitação política. Mas não foi assim na temporada 2016-2017. Uma série de fatores conturbaram o momento em que se esperava calmaria. Sem os desvios de atenção que as festas proporcionam, as cobranças tendem a piorar. A Gazeta do Povo entrevistou cientistas políticos e montou uma lista dos desafios que Temer terá de encarar.
Efeito Padilha
No centro do fogo cruzado está agora o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, acusado de receber dinheiro de empreiteiras e negociar caixa 2 de campanha. Afastado para um providencial tratamento de saúde durante o carnaval, ele deveria retomar as funções nesta segunda-feira (6). Mas, providencialmente mais uma vez, a licença médica foi estendida por tempo indeterminado, dando uma sobrevida política a Padilha. Para o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB), a situação do ministro é a mais urgente que Temer tem para resolver. Será um dilema: é um dos homens fortes do primeiro escalão, mas poderia fazer o governo “sangrar” enquanto for mantido.
A delação do fim do mundo
Vislumbradas no meio político como uma bomba capaz de criar uma hecatombe, as delações dos executivos da Odebrecht devem ter impacto direto no governo Temer. Além da possibilidade de implicar diretamente o presidente, as confissões da maior empreiteira do país tendem a acertar em cheio o ministério. Outro efeito possível é a fissura na base de apoio presidencial. A expectativa é de que mais 100 nomes de políticos – além dos 300 já esperados – estejam na lista dos delatores. Com tantos investigados, correndo risco de prisão e perda de mandato, a administração fica comprometida.
Risco de cassação
De um dos maiores interessados na agilidade da investigação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o dinheiro recebido durante a campanha de 2014 – que poderia, de certa forma, minimizar a decisão política do impeachment e dar aparente maior legitimidade ao governo atual – Temer passou a querer que o processo se arraste. A partir do momento que as denúncias de caixa 2 deixaram de atingir exclusivamente os petistas e se aproximaram da ala PMDB dentro da chapa, a investigação do TSE passou a ser mais um motivo de preocupação para o presidente. Os juristas que antes acreditavam em comprometimento apenas da candidatura de Dilma agora avaliam a possibilidade de atingir também Temer.
Indicações ministeriais polêmicas
Não é de hoje que a indicações ministeriais de Temer causam polêmica, mas a posse de dois ministros nesta semana deve provocar discussão sobre a habilidade política do presidente. Além de Osmar Serraglio – que assume o ministério da Justiça marcado pelo assumido desconhecimento sobre algumas áreas da pasta e também ainda pela sombra de ter apoiado Eduardo Cunha – também deve ser empossado Aloysio Nunes no Ministério das Relações Exteriores.
Nunes é investigado pelo STF e tem histórico de guerrilheiro e uma notória língua afiada. Ele foi indicado para substituir José Serra no Ministério das Relações Exteriores e ficará à frente das negociações com Washington, mesmo depois de ter criticado Donald Trump. O cientista político Rudá Ricci lembra que Nunes é conhecido por ser “cabeça quente” num posto que exige “sangue frio”. Deve enfrentar ainda o descontentamento dos diplomatas de carreira, que esperavam um técnico para assumir o ministério.
Reformas difíceis
Um dos desafios mais difíceis, do ponto de vista da articulação política, é a proposta da reforma da Previdência. O cientista político Rudá Ricci lembra que pesquisas de opinião indicam que esse é o assunto que mais “mexeu” com a população. Preocupados com a opinião pública e com os efeitos eleitorais, alguns deputados e senadores, mesmo da base aliada do governo, já manifestaram intenção de votar contra a proposta de Temer. A capacidade de negociar com o Congresso será colocada à prova. Além disso, em maio deve entrar em discussão a reforma trabalhista, uma das principais cobranças do setor empresarial, que apoiou o governo e espera receber benefícios em troca.
Popularidade baixa
Apesar de uma leve melhora no cenário econômico e de liberação de saque de contas inativas do FGTS, a imagem de Temer segue abalada. Pesquisas de diferentes institutos indicam que a aprovação de Temer oscila entre 6% e 10% – baixíssima e um risco para qualquer governante. Particularmente entre a população jovem, muitos desempregados e que viveram quase toda a vida em governos petistas, a rejeição do peemedebista é muito alta. Não bastasse o próprio desgaste, Temer ainda está vivendo o aumento de popularidade de Lula, principalmente embalado pelo efeito emocional da morte da esposa Marisa Letícia, que aparece liderando as pesquisas eleitorais para 2018.
Infinidade de pedidos
Para tentar manter e ampliar a base de aliados, Temer está sendo pressionado o liberar verbas e cargos. O presidente já reclamou das cobranças do próprio partido. “A fome do PMDB é insaciável”, concorda o cientista político David Fleischer. Nesse caso, a matemática não fecha. O governo precisa enxugar gastos, mas precisa lidar com o pedido constante de mais despesas. Outro fator que está sendo ignorado por Temer, na avaliação do cientista Rudá Ricci, é a importância dos prefeitos. Segundo ele, há um descontentamento generalizado, principalmente motivado por dificuldades econômicas, e os gestores municipais não estariam recebendo nenhuma atenção.
Situação econômica
Apesar de a economia começar a dar sinais de melhora, como mostrou a edição da Gazeta do Povo no final de semana, a falta de bons indicadores no mundo financeiro também pesa para Temer. O presidente pode ter perdido o timing para tomar medidas desgastantes: não aproveitou o início do mandato para fazer isso. “A situação dele é paradoxal – há uma aparente estabilidade e um caos fora do governo. Ele poderia se segurar na questão econômica e não está conseguindo”, comenta Rudá Ricci. Para o cientista político, a melhora econômica é sutil demais e as previsões são de que o Brasil ainda vai enfrentar pelo menos um ano mais com crescimento muito baixo.
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