“A crise (no Senado) se aprofundou de tal maneira que só a sociedade vai poder dar uma resposta para o que está acontecendo"| Foto: Rodolfo Bührer/Gazeta do Povo

Depois de deixar o PT após 30 anos de militância, a senadora Marina Silva (AC) assina hoje, em São Paulo, a filiação ao Partido Verde. A ambientalista é o nome mais forte do PV para disputar a Presidência da República em 2010, defendendo a bandeira histórica do partido e dela mesma: o desenvolvimento sustentável e a preservação ao meio ambiente.De passagem por Curitiba na última sexta-feira, para participar da 1.ª Bienal do Livro da capital, a ex-ministra do Meio Ambiente no governo Lula negou que seja candidata e disse que esta decisão será tomada apenas no ano que vem. Marina ainda criticou os acordos feitos pelo PT para garantir a governabilidade no Congresso. Segundo ela, o fim da crise na Casa está nas mãos dos eleitores, que terão de dar uma resposta nas urnas em 2010.

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O que motivou a sua saída do PT?

Na verdade, o desligamento é fruto de um processo. Nos últimos dez anos, eu tenho me dedicado muito ao debate do socioambientalismo voltado para o desenvolvimento sustentável. Tanto é que fui para o Ministério do Meio Ambiente muito determinada de que essa questão constituísse algo estratégico para o governo. Estabelecemos algumas diretrizes e, a partir daí, começamos a fazer um trabalho que eu considero ter sido estruturante e com resultados importantes, ainda que seja apenas um pequeno começo. Houve um esforço muito grande de que a questão ambiental estivesse presente nas ações dos governos em todos os setores. Durante esse tempo, houve um tensionamento significativo, mas normal, com alguns avanços e algumas derrotas. Mas quando veio a possibilidade de o desmantamento aumentar em até 40% de 2007 para 2008, nós tomamos medidas muito severas. Houve uma tensão muito forte por parte do conjunto de setores mais resistentes às ações de combate ao desmatamento e dentro do próprio governo, com forte risco de revogar as medidas que haviam sido tomadas. Naquela situação, percebendo que eu já não reunia mais condições de manter as medidas da forma que eu achava que iriam fazer a diferença no Brasil, pedi para sair. Na saída, já ficou escrito que havia um tensionamento em termos de visão e de procedimentos. Quando voltei para o Senado, isso se agravou com algumas ações também vindas do governo. E, ao longo desses últimos dois anos, o PV veio insinuando a possibilidade de eu ingressar no partido, mas eu sempre fui desconversando e brincando. Foi um processo difícil a saída do PT, de muito sofrimento.

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Como foi a negociação para a senhora ir para o PV?

Nos últimos seis meses, eles iniciaram um processo de debate interno em duas direções. A revisão programática de sair da trajetória clássica do verde, vinda da Europa, para uma agenda socioambiental de desenvolvimento sustentável. Além de uma reestruturação do partido, porque o PV tem uma série de problemas nos estados e isso é reconhecido pela direção nacional, em termos de pessoas que não tem identidade programática com a legenda. Eu me interessei por esse processo e, quando veio oficialmente o pedido da executiva nacional para conversar, me dispus a conversar, colocando muito claramente que eu não ia me mobilizar nem por pesquisa, nem por candidatura, mas sim por esse esforço de revisão programática e de reestruturação. Pedi que a conversa fosse resguardada, mas ela vazou e isso acelerou um pouco o processo.

A senhora tem algum receio de perder o mandato de senadora por ter saído do PT?

Não, não tenho esse receio. Mesmo que perdesse o mandato, faria o movimento do mesmo jeito. Quando comecei a minha militância política, eu não comecei com mandato – aliás, ele veio bem depois. Então, não é a possibilidade de perder o mandato que iria me intimidar para um processo como esse. Mas o PT, até agora, não colocou essa questão e o próprio presidente do partido manifestou essa posição. Se quiser requerer, eu vou me defender na Justiça, baseada naquilo que tem sido a minha trajetória. Fui eleita pela segunda vez senadora, defendendo as coisas que eu defendo até hoje. Estou me dispondo a esse novo processo para poder potencializar as coisas que eu acredito e que eu sentia estarem sendo desvitalizadas dentro do PT. Mas com a clareza de que não devo desconhecer o quão o PT foi importante nas várias conquistas que eu tive, inclusive a honra de ter sido ministra do presidente Lula durante cinco anos.

O embate entre a senhora e a ministra Dilma Rousseff durante o governo Lula pode se repetir nas eleição presidencial do ano que vem?

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Ainda não estou me colocando como candidata. Eu disse que isso é fruto de um processo e, em 2010, o PV vai tomar essa decisão. Mas, obviamente, me sinto honrada com o convite do partido para ser candidata prioritária às eleições. Não quero fazer uma discussão de ficar satanizando ninguém. Quem já está na agenda socioambiental – e, no Brasil, ela tem pelo menos 30 anos – sabe que esse processo está muito rico e amadurecido, e o Brasil já pode dar esse passo. Não quero fazer processo de vilanização de ninguém. A ministra tem a visão dela e eu a respeito ainda que discorde. É legítimo que cada um tenha o seu pensamento. Eu tenho o meu, ainda que ela possa discordar. Mas isso não me dá o direito de vilanizá-la, porque eu não gosto de me colocar nesse lugar de vítima. Eu não sou vítima. Eu defendo aquilo que eu acredito e defendo o direito dos demais defenderem o que acreditam. Depois, a sociedade faz o seu julgamento.

Na visão da senhora, que já esteve no Executivo e no Legislativo, é possível governar sem acordos que garantam a maioria no Congresso?

Tenho a clareza de que ninguém governa sozinho, mas isso não é bom para a sociedade. O governo deve representar uma mediação das diferentes forças que estão representadas na sociedade, e isso tem maior expressão dentro do Parlamento. Agora, defender a governabilidade fazendo uma partilha justa dos espaços de governo com as forças sociais que levaram à vitória de um determinado projeto, não significa fazer isso de qualquer forma e a qualquer preço. Mas eu sei que há necessidade de alianças para que se possa estabelecer a governabilidade, e é assim que se vai fazer um governo compartilhado, que não vai ter uma visão absoluta das coisas porque ninguém é dono da verdade. Mas uma visão de construir uma governabilidade a qualquer custo está sendo prejudicial politicamente, sobretudo para o PT, devido a um equívoco de que o partido não é o governo e o governo não é o partido. A legítima tentativa de construir a governabilidade não pode ser em prejuízo da independência que o partido tem.

O fim da crise no Senado está próximo?

A crise se aprofundou de tal maneira que só a sociedade vai poder dar uma resposta para o que está acontecendo. Eu espero que em 2010 ela dê essa resposta, que ela faça as suas escolhas com o sentido de que o que escolher no seu estado espelhe no Con­gresso. Às vezes, as pessoas ficam esperando um grande parlamentar, que promova debates e não se envolva em escândalos, mas, na hora de fazer essa escolha nos estados, acabam votando de acordo com os interesses locais.

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Como a senhora avalia o governo Lula?

O fato de achar que questões estratégicas para este século não estão sendo percebidas pelo PT e nem foram assumidas pelo governo não significa que eu tenha uma visão de desconstrução das coisas boas e positivas que esse governo fez, sobretudo na área social. Saímos de um investimento de R$ 8 bilhões para R$ 30 bilhões. Isso faz uma diferença significativa. As pessoas criticam o Bolsa Família dizendo que é um programa assistencialista, mas os especialistas dizem que o programa tem todas as características para o setor social: não deve ser cesta básica, mas transferência de renda, com um processo de contrapartida em educação, saúde, etc. Mas, ao se falar de uma porta de saída, é necessário um aperfeiçoamento para viabilizar uma inclusão produtiva, para que as pessoas não fiquem dependentes infinitamente do programa.