Renato Duque, ex-diretor da Petrobras| Foto: Aniele Nascimento/ Gazeta do Povo

A força-tarefa da Operação Lava Jato chegou a uma nova testemunha que confirma a atuação ativa do ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque nas irregularidades que beneficiaram empreiteiras do cartel.

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Por meio de alteração de normas padrão de contratação da estatal, criadas em 1999, o ex-gerente jurídico Fernando de Castro Sá detalhou como empreiteiras passaram a ditar regras, via Diretoria de Serviços, e acusa omissão e perseguição do comando da estatal quando ele e outros gerentes tentaram comunicar os desmandos internamente.

"A coisa ia num crescente tão grande que um belo dia, olha como a coisa era feita, chegou lá da (Diretoria de) Engenharia para o (Diretoria de) Abastecimento informando que tinham que aprovar os aditivos 5, 6 e 7 da terraplenagem (nas obras da Refinaria Abreu e Lima). Só que quando você lê o expediente, os aditivos já estavam assinados", afirmou o ex-gerente jurídico da Diretoria de Abastecimento. "Como é que você vai pedir autorização para celebrar um aditivo que já está assinado?"

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As irregularidades não teriam parado por aí. Em mais de duas horas de depoimento prestado na sede da força-tarefa da Operação Lava Jato, criada pelo Ministério Público Federal, em Curitiba, Sá afirmou que a Diretoria de Serviços alterou e ignorou procedimentos internos, assinando aditivos para contratos encerrados.

Sá conta que após a ex-gerente executiva de Abastecimento Venina Velosa da Fonseca se insurgir contra os aditivos e dizer que "não ia dar encaminhamento", um parecer do jurídico da Diretoria de Serviços informou "não ter nenhum problema" por serem referentes à "prorrogação de prazos".

Manual de procedimentos

Com experiência de mais de 20 anos na área jurídica da Petrobras Sá integrou o grupo de advogados que elaborou o Manual de Procedimento Contratual (MPC) da estatal. "Uma das regras daquele manual é que você só pode prorrogar o prazo de um contrato se ele estiver vigente. Esses aditivos foram assinados para prorrogar prazos de contratos já mortos, que estava encerrado por tempo."

Segundo ele, o jurídico da Petrobras desconsiderou essa norma interna. "Por incrível que pareça, a conclusão no jurídico foi de que: 'entendemos que tal regra é interna da Petrobras, pois no MPC (Manual de Procedimentos Contratual) há documento aprovado pela diretoria executiva. Assim ainda que exista o risco de eventual não observância da linha A do manual, tratar-se-ia de irregularidade formal e interna."

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Ao ser publicado no Diário Oficial, o manual passou a ter "característica de norma infralegal". "Não era uma mera norma interna."

Atuação do cartel

Sá era funcionário de carreira da estatal desde 1993 e foi um dos responsáveis também pelo modelo de contratação da obra da Refinaria Abreu e Lima - um dos alvos centrais da Lava Jato -, em Pernambuco, em que teriam ocorrido "gravíssimas" irregularidades. Segundo o advogado, a Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi) - entidade que criou o grupo de empreiteiras que depois passaria a atuar em cartel na Petrobras - passou a determinar a partir de seu contato com Duque alterações de normas contratuais da estatal, gerando a elevação de custos da obra, já constatada por órgãos oficiais e pela própria estatal.

A refinaria, iniciada em 2007, já consumiu R$ 24,7 bilhões e foi superfaturada, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU). Como responsável pelo orçamento da obra, era a Diretoria de Abastecimento quem pagava a Refinaria Abreu e Lima. À sua gerência jurídica, cabia emitir as minutas de contratação.

O ex-gerente explica que os contratos da Petrobras, até então, seguiam as regras do Manual de Procedimentos Contratuais, publicado no Diário Oficial, em fevereiro de 1999. O jurídico era o gestor dessa norma e tinha que elaborar a minuta padrão de contratos de prestação de serviços, que também era aprovada pela diretoria.

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"À partir do cartel, a minuta (de contrato), que tinha que ser elaborar pelo jurídico e aprovada pela diretora, passou a ter que ter o crivo da Abemi, a associação das empreiteiras", afirmou o ex-gerente jurídico.

Isso teria sido possível porque a Diretoria de Serviços centralizava o comando das contratações, da execução e da fiscalização de todas as obras da estatal. Segundo havia afirmado o ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa, em depoimento à Justiça Federal em agosto de 2014, por meio dessa diretoria o PT arrecadava até 2% em todos grandes contratos da estatal.

"Eu sou do Abastecimento e quero fazer uma refinaria. O orçamento está comigo, eu sou o responsável orçamentário. Só que todas as obras são contratadas, conduzidas, inclusive os aditivos, pela área de Engenharia (subordinada à Serviços). É mais ou menos assim: eu tenho a minha conta e alguém fica trabalhando com a minha conta, mas eu pago pelo que for feito indevidamente com meu dinheiro. Esse foi um grande problema que a gente passou a ter."

"Desde 2003 estavam acontecendo alguma coisa de estranho em relação às orientações contratuais. Em 2003 fizemos um parecer contrário a uma quarteirização. Era um contrato para empresa que iria fiscalizar uma empresa contratada. Aí surge um parecer superior desdizendo o nosso", afirmou o ex-gerente. Segundo ele, o fundamento da ordem superior era de que "novas informações foram prestadas", sem qualquer outra explicação.

Perseguição

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Sá contou os momentos que antecederam o processo de perseguição, do qual ele diz ter sido vítima na Petrobras. O advogado lembra que em determinado momento questionou seu superior na área jurídica, Nilton Maia, sobre interferências da Abemi nos modelos contratos. "O assistente do Nilton disse que era absurdo eu citar a Abemi."

Segundo Sá, o então gerente executivo jurídico pediu que ele fizesse um levantamento e apresentasse. "Fui ver essa história da Abemi. Comecei a me assustar porque eu comecei a descobrir coisas."

Uma delas era um Grupo de Trabalho integrado pela Abemi e pela Petrobras. "Eu descubro uma ata que é do GT (Grupo de Trabalho) da Abemi e da Engenharia da Petrobras para questões jurídicas". O documento, segundo ele, fala em "definições conjuntas de cláusulas de responsabilidade contratuais".

"O que é mais assustador", segundo o advogado, foi que houve um comunicado de que a Petrobras estava "revisando a minuta contratual padrão", que era elaborada pelo jurídico e tinha que ser submetida à Diretoria da estatal, e que essas alterações deveriam ser "encaminhadas para na análise da Abemi, antes da próxima reunião do GT".

O ex-gerente jurídico apresentou as obras da Refinaria Abreu e Lima como maior exemplo das irregularidades cometidas a partir dessas alterações de modelo de contratação. Conta ele que para construir a refinaria foi criada a Abreu e Lima S.A., com capital formado metade pela Petrobras e metade por uma subsidiária. Essa empresa possuía diretoria própria e conselho executivo e deveria aprovar e conduzir as licitações da Abreu e Lima.

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Segundo ele, com a criação da S.A., aquela "não era mais uma obra da Petrobras." "Na prática, isso não aconteceu, sendo que os procedimentos permaneceram sobre a condução da aprovação da Petrobras. Teve um parecer, depois de uma discussão pesada minha com o jurídico de Serviços. Eles soltaram um parecer dizendo que todas as licitações tinham que ser instauradas pela Abreu e Lima (porque ela era uma S.A. subsidiária). Aí eu descubro que estava tudo sendo instaurado na Petrobras."

A testemunha bomba afirma que a cessão dos contratos feitos pela Petrobras para a Abreu e Lima S.A. "tentava consertar um negócio que já nasceu errado". "Se olhar princípio de responsabilidade orçamentária você acaba ferindo."

O ex-gerente afirmou que "a área de Engenharia não colocou o parecer jurídico nos processos que eram encaminhados à diretoria (de Abastecimento)". "Aí eu informei ao gerente executivo do Jurídico" dessa omissão de documentos. Outros casos ocorreram segundo o ex-gerente jurídico.

"Eu vinha constantemente reclamando, porque criaram uma comissão de direito contratual. E quando chegava na proposição das coisas na reunião, vinha assim: 'porque a Abemi solicitou, porque a Abemi quer'. Isso foi me tirando do sério e escrevi abertamente os 'advogados das Petrobras estão trabalhando para a Abemi ou para a Petrobras'", contou o ex-gerente. "Fui advertido verbalmente."

Ouvido no dia 7 de janeiro por dois procuradores da força-tarefa Sá apresentou documentos e normas internas, bem como pareceres. Suas revelações foram anexadas na ultima sexta-feira, dia 6, aos autos da Lava Jato.

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Omissão

O nome do ex-gerente jurídico de Abastecimento apontado pela ex-gerente executiva Venina Velosa da Fonseca como alguém que havia tentado denunciar os desvios e a atuação do cartel na estatal e acabou sendo punido com uma sindicância, em 2009.

Aos procuradores da Lava Jato, Sá confirmou o afastamento depois de emitir pareceres internos alertando irregularidades em contratos e aditivos das obras e citou o ex-presidente José Sérgio Gabrielli e de Duque como interessados em sua demissão.

"Houve um dia que eu, Venina, gerente executiva do Abastecimento fomos convocados, junto com o diretor Paulo Roberto, para uma reunião com o diretor Duque e o Pedro Barusco, da Engenharia. Quando nós chegamos na reunião, o doutor Paulo não foi. Eu e a Venina levamos uma escovada do diretor Duque, que a gente estava atrapalhando, que a gente não sabia como as empreiteiras trabalhavam, que se não fosse do jeito que as empreiteiras faziam não ia se conseguir contratar e que não ia ser que a Engenharia que sabia como fazer."

O advogado afirmou que em e-mail enviado a Venina, recebeu e-mail de Costa, então direto, confirmando as decisões em parceria com a Diretoria de Serviços. Segundo denúncia da Lava Jato, confirma das delações de dois ex-funcionários da estatal, as duas diretorias eram controladas pelo PT e pelo PP na cobrança de propina. "A gente levou um sabão feio nessa reunião."

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Dentro da área jurídica, o caso foi levado aos superiores. "Em determinado momento, o gerente executivo do Jurídico entendeu que eu teria que assinar ratificando os pareceres que eram dados pelo jurídico de Serviços e eu disse que não faria isso."

"Encostado"

Segundo ele, depois de pedir um dossiê sobre o caso da Abemi, seu superior disse que não poderia receber os documentos. Sá afirma que "as questões do dossiê" não estavam sendo analisadas na comissão de sindicância, contra ele.

Como prêmio por tentar alertar seu superior sobre irregularidades na Petrobrás, Sá afirma que foi encostado em uma sala sem janela, nem computador, de 2 metros por 2 metros. "Acabei enfartando e percebi que iam me demitir", disse. "Esse foi meu último ato no jurídico, eu fiz um ato sobre esse assunto."

Depois de ser chamado por Duque pessoalmente para adverti-lo de que ele havia gerado problemas, Sá diz que não foi punido pela sindicância, estranhamente, e acabou sendo encaminhado para outra área da estatal. Perguntado então por um dos procuradores da Lava Jato a quem ele atribuía o assédio sofrido, Sá afirmou: "Me disseram que o Gabrielli queria minha demissão e o Duque também".

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"Gabrielli era o presidente", perguntou o procurador. "Era presidente. Em parte também porque o Gabrielli já estava danado da vida com o problema da comunicação, que foi anterior." Venina e Sá tiveram participação na denúncia interna de que pagamentos de empresas sem contratos eram feitas na Diretoria de Abastecimento por um indicado do então presidente da estatal.

O presidente da Abemi, Antonio Muller, informou que a Associação nunca alterou normas contratuais da Petrobras e negou que contratos de prestação de serviços da estatal tivessem que ter o crivo. "Fico muito surpreso com o Fernando de Castro Sá falar isso. O jurídico sempre participou das reuniões. O foco da Abemi é a competitividade, a redução de preço e a produtividade. É uma bandeira nossa", disse. Segundo o presidente, a Associação acompanha a Operação Lava Jato pela imprensa. "De maneira nenhuma (sabia de suposta cartelização por parte das empreiteiras). Nós gostaríamos que tudo isso fosse resolvido."