• Carregando...
João Figueiredo, conhecido por não gostar do “cheiro do povo”, é carregado por uma multidão de garimpeiros, sujos, em visita a Serra Pelada | Orlando Brito
João Figueiredo, conhecido por não gostar do “cheiro do povo”, é carregado por uma multidão de garimpeiros, sujos, em visita a Serra Pelada| Foto: Orlando Brito

Manias e maneiras

Como os presidentes se comportaram diante das câmeras, segundo Orlando Brito:

Castello Branco (1964-1967): "Era um sujeito superdissimulado. Você tinha que observá- lo muito porque dificilmente revelava pela própria imagem o que estava pensando."

Costa e Silva (1967-1969): "Todo mundo diz que ele era grosseiro. Mas, por incrível que pareça, comigo sempre foi de trato fácil."

Emílio Médici (1969-1974): "Era incapaz de um sorriso. E uma pessoa que não sorri você sabe muito bem como é..."

Ernesto Geisel (1974-1979): "Foi o homem que percebeu a importância de se fazer a abertura para a democracia. Acho que as fotos dele mostram um pouco disso."

João Figueiredo (1979-1985): "Talvez tenha sido o mais sensacional no quesito visual. Ele gerava imagem espontaneamente, era verdadeiro, incapaz de topar uma armação para fazer uma foto."

Tancredo Neves (morreu antes de assumir): "Tinha uma ironia finíssima. Dizia não com a palavra sim."

José Sarney (1985-1990): "Pode-se dizer o que quiser do Sarney, mas não que ele não é um democrata. É parcimonioso, não fala palavras indevidas. Nas imagens também é assim."

Fernando Collor (1990-1992): "A fotos do Collor não eram imagens que advinham da espontaneidade. Eram imagens montadas para obter um resultado político."

Itamar Franco (1992-1995): "O Itamar fez um governo muito singelo, mas muito importante. A imagem dele transmitia muita naturalidade."

FHC (1995-2002): "A gente [fotógrafos] teve um acesso grande a ele. Eu fico tentando interpretar isso: como um sujeito que tinha tudo para não ser permissivo nos deixou ter tanto acesso?"

Lula (2003-2010): "O Lula é um sujeito controverso, imprevisível. Você não sabe o que vem dali. No fundo, ele é meio Collor. O Lula também é midiático."

Dilma Rousseff (2011...): "Eu estava acostumado a fotografar ‘os’ presidentes, aí chega ‘a’ presidente. Lembro-me de estar em uma cerimônia no Itamaraty em que a Dilma estava entregando medalhas. A medalha de um dos homenageados ficou mal colocada e ela voltou para arrumar, deixar no lugar. Não dá para imaginar um Figueiredo ou um Collor fazendo uma coisa dessas."

Veja uma compilação de fotos dos presidentes feitas por Orlando Brito

• Militares

• Tancredo e Sarney

• Bastidores

• Collor

• Itamar e FHC

• Presidentes do PT

  • Tancredo Neves, pensativo, no plenário do Congresso, em meio aos parlamentares
  • José Sarney ordenha uma vaca leiteira
  • Fernando Collor
  • Fernando Henrique Cardoso, solitário, dentro do Palácio da Alvorada
  • Lula, antes de se tornar presidente, exibe o que tinha no bolso: uma moeda

Em 1965, a imprensa brasileira ainda estava se adaptando à cobertura do regime militar, quando o presidente Humberto de Alencar Castello Branco resolveu fazer uma visita fora da agenda ao bispo de Brasília. Todos os fotógrafos do jornal Última Hora, um dos principais da época, estavam ocupados em outras pautas e não tinham como chegar ao encontro em tempo. O jeito foi apelar para o moleque que trabalhava no laboratório de revelação de imagens.

Foi assim que, aos 15 anos, Orlando Brito começou no fotojornalismo: com a imagem de um presidente da República. "Dei sorte de morar do lado do arcebispado", brinca. Quase cinco décadas depois, ele fotografou todos os 11 chefes de Estado do país que se seguiram (o número fica ainda maior se levar em consideração a junta militar de 1969).

O currículo de Brito inclui passagens pelo Jornal do Brasil e O Globo, além de duas décadas na revista Veja, quando produziu 130 capas – segundo ele, um recorde até para padrões internacionais. Além disso, trabalhou para o PSDB nas duas campanhas presidenciais de José Serra (2002 e 2010), na segunda de Fernando Henrique Cardoso (1998) e na de Geraldo Alckmin (2006). Na década passada, abriu a agência fotográfica Obritonews, especializada na cobertura de política, e manteve-se no front diário de Brasília.

O conjunto de experiências aguçou os sentidos e a forma de encarar a imagem "real" dos políticos. Brito diz que procura agir como o que chama de "leitor ausente", o sujeito comum que está distante do cotidiano do poder. "Não me basta uma imagem ser agradável, bonita ou feia. Ela tem que ter notícia, tem que representar aquilo que aconteceu."

A lapidação do trabalho, segundo ele, depende do grau de conhecimento que o profissional tem dos políticos. "No passado, nós tínhamos uma proximidade tão grande com os presidentes que você sabia o dia que eles trocaram de perfume."

Brito é parcimonioso ao fazer um balanço de como os presidentes que fotografou se comportam diante das câmeras. A opinião chega a ser surpreendente. O "mais sensacional no quesito visual", nas palavras dele, foi João Figueiredo – o último dos presidentes militares que ficou famoso por dizer que preferia o cheiro de cavalo ao do povo.

"Com ele era zero de cascata", explica. No jargão do fotojornalismo, cascata é quando o fotografado topa combinar uma pose ou uma cena. O único que teve uma personalidade tão forte quanto a de Figueiredo, para Brito, foi Itamar Franco (que curiosamente também é lembrado pela foto na Sapucaí ao lado da modelo Lilian Ramos, sem calcinha).

Claro, também houve os que sempre se dispuseram a montar os próprios cenários. "Se você espremer as fotos do período Collor, percebe que não têm conteúdo nenhum."

Foi a cobertura diária dos quatro meses de campanha do ex-presidente, em 1989, que fez Brito mudar a percepção do próprio trabalho. "Passei a perceber que não podia deixar a minha fotografia terminar na revista que iria sair na segunda-feira. Eu estava registrando a história, não apenas um acontecimento jornalístico factual."

E, dentro da perspectiva histórica, qual foi a diferença entre acompanhar os presidentes da ditadura e os do período democrático? "Na ditadura, você podia fotografar tudo, mas não podia publicar nada porque a censura não deixava. Hoje é diferente, você pode publicar tudo, mas não tem acesso a nada." Segundo Brito, que teve laços profissionais com os tucanos, a situação se agravou nas gestões de Lula e Dilma Rousseff.

O alvo principal da crítica é a tentativa de assessores de criar cenários de propaganda para encaixar os presidentes. "Alguém inventou que o presidente não pode ter mais uma aparição normal em qualquer evento que seja. Em toda cerimônia, ele aparece com alguma placa atrás, o que tira a naturalidade da foto." Se continuar assim, nas previsões de Brito, vai ser cada vez mais difícil distinguir os perfumes dos presidentes. Assim como o estado de espírito de cada um no comando da nação.

Presidentes

Serviço

Mais do trabalho de cobertura política de Orlando Brito pode ser conferido no livro Poder, Glória e Solidão (Editora Terra Virgem) e em www.obritonews.com.br.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]